Fermentação com o Uso de Microorganismos Floculentos

Anderson Cunha em sua palestra no Quinto Encontro do REPICT realizado em julho de 2002 no Rio de Janeiro, detalha sua invenção: O título da pesquisa desenvolvida pelo Departamento de Genética da UNICAMP, conduzida por mim, sob a orientação do Professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, é “Construção de Linhagens Floculantes Condicionais de Saccharomyces cervisiae por Engenharia Genética para Uso na Indústria de Álcool”. O processo de produção de álcool e de cachaça no Brasil é bastante semelhante e é dado da seguinte forma. Dentro de uma adorna, que pode ser de 400 mil ou 100 mil litros dependendo do tamanho da usina, é colocado o caldo de cana. No caso de produção de cachaça e de álcool carburante, é colocado melaço de cana que vem do resíduo da produção de açúcar. Essa mistura fica em uma adorna, então, são adicionadas as leveduras, que se alimentarão do açúcar e o transformam em álcool. Após terminar esse processo, todo o líquido é centrifugado, porque tanto em um processamento, quanto no outro, trabalha-se com reciclo de leveduras. O grande ponto aqui é a centrífuga, que causa um grande custo de manutenção e de energia, porque fica o tempo inteiro ligada, já que é um processo contínuo durante toda a safra de cana. Enfim, durante a centrifugação, há a separação do mosto, e as leveduras voltam à adorna, que é acrescida de um novo conteúdo de caldo de cana ou melaço. O mosto separado e fermentado passa por colunas de destilação, onde vai ser aquecido e transformado em etanol ou cachaça.

A novidade que apresentarei é a eliminação do processo de centrifugação, fazendo com que esse processamento tenha o reaproveitamento da levedura sem ter de utilizar a centrífuga. Com isso, algumas vantagens são obtidas, no caso da indústria de etanol carburante, o custo de manutenção diminuiria bastante, e no caso da indústria de cachaça, o mais importante é que evitaria a quebra das leveduras causada pela centrifugação, porque neste processo, todo o resíduo interno da levedura é liberado junto com o produto fermentado. Dentro desses compostos fermentados, o acetaldeído tem caráter muito importante na análise da cachaça, pois se sua quantidade for muito elevada, não conseguirá passar nas análises da cachaça, e o lote será rejeitado. Há pouco tempo, estive em uma usina de álcool em Palmital, São Paulo. No processo de separação, a usina centrifuga metade das dornas com o mosto fermentado, e a outra metade é decantada. Esse processo de decantação espontânea pode levar até oito horas, o que não é tão eficiente. Ou seja, se o processo de centrifugação puder ser eliminado, a qualidade da cachaça seria muito melhor, porque ela não teria esse problema de centrifugação e sedimentaria de outra maneira.

Como fazer esse melhoramento? A intenção é que a levedura proporcione a fermentação e, no momento em que a glicose se esgotasse, algum método pudesse fazer com que a levedura detectasse que a glicose acabou e sedimentasse naturalmente. Estudando a própria levedura e alguns trabalhos da época, foi verificado que o gene FL01 causa floculação em levedura. O que é floculação? As células da levedura agregam-se umas nas outras, e, por gravidade, a levedura sedimenta. Quando esse gene está completamente expresso, ele está sempre floculando, ou seja, ficará sempre no fundo da dorna, mas não adiantaria muito, porque no fundo da dorna a levedura não estaria fermentando o produto acima, e isso causaria uma série de problemas, como, por exemplo, o entupimento de canos durante a fermentação. Existe, porém, o gene ADH2 que é naturalmente regulado por glicose na levedura, e sente o momento em que a glicose acaba. Todo gene é dividido em duas partes, na parte promotora e na estrutural. A parte promotora controla a expressão do gene, ou seja, comunica ao gene o momento em que ele deve funcionar ou não. A idéia foi pegar esse promotor, e colocá-lo controlando a expressão do gene da floculação, dessa forma, na hora que acabasse a glicose, o promotor seria ativado e ativaria a expressão do gene da floculação. Foi esse o experimento realizado no laboratório.

Quando se verificou que o processo deu certo em escala laboratorial, correuse atrás do requerimento das patentes. No entanto, faltava o financiamento para conseguir ter esse processo em maior escala, porque no laboratório é tudo perfeito, mas colocar o mosto para fermentar em 400 mil litros, aberto e sujeito a diversas contaminações, é outro patamar. O objetivo, de qualquer forma, era fazer essa pesquisa chegar à indústria. Foi, então, que, através de um contato com a Genesearch Fomento para Pesquisa, a empresa ficou sabendo do projeto, ainda em escala laboratorial, e decidiu investir e fazer seu scale up, quando justamente foi firmado um contrato com eles. Há uma semana, consegui transformar as linhagens industriais, e elas parecem se comportar no laboratório da mesma maneira. No momento, está sendo feito o processo de scale up, será montada uma mini-usina para ver se realmente funciona. Espero que, até o próximo ano, seja possível realizar o teste em escala piloto, e o investimento da Genesearch também inclui vender o projeto e implementar o processo na indústria. A patente gerada dessa pesquisa foi a PI 0001122-3. Essa patente concorreu ao Prêmio do Governador do Estado de São Paulo, e foi a única patente de biotecnologia agraciada com menção honrosa.

Segundo Leonardo Grecco, a Genesearch é uma empresa de fomento, cujo objetivo não é comprar produtos prontos da universidade, mas identificar em seu âmbito projetos de pesquisa que tenham grande potencial na indústria, de forma que a empresa possa investir para que ele se transforme em um produto comercial. No caso da UNICAMP, o Dr. Anderson já havia feito contato com outras empresas para apresentar seu projeto específico, mas a negociação não ocorreu pelo fato delas quererem um produto pronto. O Dr. Anderson precisava de recursos financeiros, de fomento para que esse projeto saísse da bancada e fosse para a indústria. 

Quando o Dr. Anderson e o Professor Gonçalo chegaram até a Genesearch, já tinham todos os dados prontos, e, eufóricos, afirmaram ter um produto que iria reduzir a zero o custo de manutenção de centrífuga, que é um custo realmente alto, representa 45% do custo total da indústria de produção alcoólica e de bebidas. Eles ainda mostraram que o mercado de vinho gira em torno de US$ 70 milhões, enquanto o de etanol em torno de US$ 150 bilhões. Todos sentaram em uma mesa de reunião para analisar os dados apresentados pelos pesquisadores, e a conclusão foi que se os dados apresentados fossem verdadeiros e comercialmente viáveis, a Genesearch teria interesse em investir. Os pesquisadores detalharam para a Genesearch quais os benefícios que a empresa poderia ter ao investir no produto. Obviamente que, somente com base no que eles apresentaram, a Genesearch não poderia tomar a decisão do investimento, porque muitos pesquisadores acham que tem a “galinha dos ovos de ouro” na mão, e infelizmente não tem. 

Aí vem o segundo passo, a iniciativa do capital privado. A empresa colocou seus consultores jurídicos, técnicos e econômicos para pesquisar a veracidade dos dados e para saber se o retorno financeiro do projeto justificaria o investimento. O Dr. Davi Sales orientou-me a falar de como é a negociação entre a empresa e a universidade, mas na realidade quem melhor definiu esse tipo de negociação foi o escritor argentino Jorge Luis Borges, que, ao comentar da Guerra das Malvinas disse: “São dois carecas brigando por causa de um pente”. A negociação da universidade diretamente com a empresa de capital privado é inviável, porque quando existem na diretoria de uma universidade, na cúpula, pessoas de esquerda, elas não permitem que haja negociação, e alegam que a universidade está sendo vendida. Quando são pessoas de direita, eles dizem: “Segura mais um pouco, vamos especular, pode ser que esse projeto seja vendido por um preço maior”. Isso se torna inviável, o capital privado não consegue negociar com a universidade pública, tem de existir uma pessoa intermediária para falar com a empresa privada, que funcione como tradutor, que fale a linguagem da empresa privada para cúpula e a linguagem da cúpula para a empresa privada. Ainda em relação ao papel da empresa, algumas questões do projeto da UNICAMP teriam que ser solucionadas.

Primeiro, a empresa deveria saber se o produto final implicaria em transgenia, porque hoje há sérias restrições no mercado com relação a produtos transgênicos. Isso não significa que a Genesearch desistiria do investimento, mas implicaria em uma negociação diferente. Segundo, se é uma pesquisa de interesse nacional. O Brasil responde por 25% da produção mundial de cana-de-açúcar, então realmente é de interesse nacional essa pesquisa, é uma pesquisa que trará para o Brasil grandes melhorias internas, podendo até levar o País a disputar com outros mercados internacionais. 

A empresa chegou à conclusão de que esses dois primeiros pontos já estavam resolvidos, mas existiam outras questões, relacionadas à propriedade industrial – ao licenciamento do produto e à interface universidade-empresa para o scale up. Essas três últimas dúvidas vieram a ser solucionadas pelo EDISTEC, que conseguiu elencar as possibilidades de negociação e de se superar essas dúvidas, porque a Genesearch tinha interesse em investir nesse produto, e a universidade no investimento. O EDISTEC surgiu para superar as questões que não conseguiam ser resolvidas, aquelas que, se fossem negociadas pela Genesearch diretamente com a universidade, sairiam faísca. A primeira decisão foi que o produto poderia ser fomentado ou comprado. Se for para ser comprado, dificilmente sairá do laboratório, porque são necessários recursos financeiros para o desenvolvimento da bancada ao mercado. Pelo fato da Genesearch ser uma empresa de fomento, ela não teve, e nem terá, intenção de comprar o produto pronto, mas fomentar o desenvolvimento desse produto, utilizar suas estratégias de retirá-lo do laboratório, passar para a indústria, comercializar e ganhar dinheiro junto com a universidade.

A Genesearch tinha de se submeter a um convênio, se ela fosse esperar a procuradoria ou qualquer outro setor da universidade, iria demandar muito tempo que não tinha, porque os pesquisadores já haviam finalizado a escala laboratorial. Ainda seria necessário ter o licenciamento aprovado, porque a Genesearch não investiria sem a garantia da concessão da licença. Havia também um parecer jurídico que tinha de ser imposto à universidade, e o EDISTEC também se responsabilizou por isso para viabilizar a utilização dos laboratórios da universidade. Uma questão muito relevante na negociação entre a empresa e a universidade é a elaboração de um Plano de Negócios, o que a grande maioria dos pesquisadores que acha ter a “galinha dos ovos de ouro” não sabe que é importante, e não têm. Essa negociação é mais do que uma mera apresentação do pesquisador para o diretor da empresa, é uma prova da existência de mercado para um determinado produto desenvolvido, e que vale a pena investir nesse produto. O pesquisador muitas vezes acha que um plano de negócios é muito caro, e que ele não sabe fazer, o que inviabiliza o negócio. O EDISTEC elaborou um plano de negócios minucioso, para esse projeto, o que comprovou, além das pesquisas feitas pela Genesearch, que aquele produto poderia proporcionar rentabilidade para a empresa. 

Depois, o EDISTEC comprometeu-se em entrar em contacto com as empresas interessadas no produto para sua comercialização. A administração do convênio perante a universidade é importantíssima, porque, às vezes, o pagamento atrasa ou adianta, ou se paga tudo de uma vez. Quando se deseja reformar o convênio, quem resolve tudo isso é o EDISTEC. A Genesearch “passa a bola” para o escritório, e ele sempre cumpre o processo. A Genesearch realmente não consegue ter acesso à cúpula da universidade, que é uma burocracia infernal. Para finalizar, gostaria de passar que esses dados de conclusão são oriundos de um trabalho elaborado pelo MCT e pela UNICAMP, chama-se “Avaliação das Potencialidades e dos Obstáculos à Comercialização dos Produtos de Biotecnologia no Brasil”. A autoria é do Dr. José Maria da Silveira, Dra. Maria da Graça Fonseca e Dra. Maria Éster Dal Poz.

Fonte: http://www.redetec.org.br/repict/download (5 Encontro do REPICT) acesso em agosto de 2003 
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