O couro industrializado é eterno, porque o processo de beneficiamento utiliza o cromo, material cancerígeno que não se dissolve na natureza e acaba sendo enterrado junto com o refugo. A serragem poluente, denominada wet blue, que salta das lixadeiras na confecção de calçados, móveis e roupas, é um pesadelo ambiental em todos os países produtores de artefatos de couro. Encontra-se em testes nos laboratórios da Funesp, Fundação da Universidade Estadual Paulista, uma solução para esse problema, criada pelo arquiteto Emar Garcia Junior, de Franca, interior do Estado. Ele levou três anos pesquisando até chegar a um aglomerado de couro altamente resistente.
Seu segredo é um aglutinante vegetal que transforma o lixo do couro em um material com múltiplas utilidades, especialmente para a construção civil. “O wet blue, independentemente da quantidade, tem prejudicado o ambiente, contaminando as águas e gerando sérios problemas. Só em Franca, a produção desse resíduo é de 150 mil toneladas por mês – podemos imaginar a quantidade gerada no resto do estado, no País e no mundo. Isso tudo vai para o lixo, não tem aproveitamento nenhum”. Emar prossegue: “Foi minha atuação como arquiteto que me definiu o tema da pesquisa. Minha preocupação era como usar esse refugo da melhor maneira, para evitar que ele nos prejudique, obtendo o melhor resultado com ele. A partir daí, o trabalho foi evoluindo de maneira muito penosa. Precisei realizar diversas experiências, pesquisando todo tipo de aglutinante possível. Até que, em determinado momento, obtive um aglutinante vegetal, de baixíssimo custo. Causei impacto em casa, quando coloquei a raspa de couro no liquidificador, quase precisei comprar um novo. Minha esposa ficou espantada com o aglomerado que não quebra e pode voltar quando alguém arrisca jogá-lo na parede. A leveza e a resistência da massa também impressionaram bastante meus colegas de profissão.”
“Depois das primeiras experiências e da obtenção do produto final, cheguei à conclusão de que a pesquisa foi além das expectativas, e o produto tem inúmeras finalidades. Trata-se de uma massa que pode ser usada em blocos ou divisórias para construção civil e em móveis. É uma matéria-prima polivalente, pois pode adequar-se em qualquer molde ou fôrma, além de ter seu PH alterado de 3,9 para 6,5 depois de processada. As opções são infinitas. Podemos produzir vaso, cadeira e até tijolo para casa popular. Como a matéria-prima é lixo, o custo é zero. Com a mão-de-obra barata que temos no Brasil, será possível fazer um bloco nas medidas 20x40x10 cm, que são o padrão quando utilizamos o concreto, gastando apenas dois centavos de aglutinante.
Imagino que uma casa feita com esse material vai sair dez ou doze vezes mais barata. Você pode argumentar que não existe nada mais barato do que o barro para o tijolo. Mas temos problemas ambientais com a exploração tradicional do barro. Então, nosso tijolo de couro também tem mais esse aspecto, de diminuir o impacto no ambiente provocado por soluções tradicionais. Ficaria muito orgulhoso como arquiteto, se as favelas desta cidade fossem substituídas por bairros, onde as casas fossem feitas a partir do lixo, que a indústria de Franca joga fora.” Com o apoio de Eli Palermo, diretor da Funesp, Emar prossegue nos testes finais do produto já tendo solicitadaa patente de seu invento junto ao INPI
Fonte:
http://www.empresario.com.br/memoria/entrevista.php3?pic_me=393
acesso em março de 2002