Pele Artificial

O Biofill, trata-se de uma película de celulose pura micro fibrilar Biosintética, não oriunda de árvores ou plantas, obtida por biossíntese de bactérias do gênero Acetobacter. É utilizado na substituição de peles com lesão, e é o único curativo biosintético produzido no mundo. É um ideal substituto temporário de pele porque sua estrutura fisiológica é semelhante à pele humana. O primeiro uso desenvolvido foi para a substituição temporária da pele, nas queimaduras de II e III graus, termo abrasões, úlceras de pele, cobertura de incisões cirúrgicas, lesões traumáticas e escoriações. A inovação do produto está no tipo de substância substituta temporária da pele, que em comparação a outros produtos, apresenta eficiência maior, propiciando recuperação mais rápida e menos dolorosa ao paciente, além de reduzir substancialmente as cicatrizes provocadas por esses tipos de ferimentos.


O produto, é definido como filme micro fibrilar de celulose, com características de biocompatibilidade, sendo biodegradável, inerte, atóxico e seletivamente permeável, agindo como uma barreira contra todos os microrganismos. O material foi descoberto em 1984, e desenvolvido no LQBB – Laboratório de quimio/biotecnologia de biomassa da Universidade Federal do Paraná UFPR. Através de pesquisas com celulose bacteriana, chegou-se a um produto final semelhante à pele humana. Após a descoberta, o produto passou por ensaios clínicos e comprovaram-se as vantagens clínicas do uso da película, logo chamada de BioFill. A invenção é do microbiologista Luís Fernando Xavier Farah, premiado em 1996 com a medalha de ouro da Organização Mundial de Propriedade Industrial (OMPI). Farah trabalhava com apicultura e desenvolvia pesquisa para aumentar a produtividade das abelhas. O método que pensava desenvolver visava a ganhar o tempo gasto pelas abelhas no esforço de construir os favos.

Na busca de material que pudesse artificialmente substituir parcialmente os favos, pesquisou, me laboratório caseiro, a bactéria Acetobacter xilino, que em processo de fermentação produz biocelulose. O material despertou a atenção do pesquisador, que sendo filho de médico e ex-estudante de medicina, intuiu que o material poderia servir de substituo temporário da pele. Feitas algumas experimentações, confirmou-se a expectativa do pesquisador. Em 1988, o BioFill foi patenteado no Brasil e em mais 19 países. Em 1995, o BioFill recebeu o certificado de liberação do FDA (Food and Drug Administration) órgão americano que após testes rigorosos autoriza a venda de novos medicamentos em solo americano. No Brasil, o BioFill é produzido pela FIBROCEL Prod. Biotecnológicos Ltda. – de Londrina. A distribuição do produto no mercado brasileiro é feita pela Allvet Química Industrial Ltda.

BioFill age com rapidez nos diversos tratamentos de lesões cutâneas como queimaduras, úlceras isquêmicas, áreas doadoras de enxertos, cortes profundos, entre outros. A película protege a região afetada como um verdadeiro substituto da pele, possibilitando a formação da pele natural do paciente. Os curativos tradicionais não são uma barreira bacteriana eficaz e necessitam de trocas diárias – quando arrancados acabam por remover a pele em formação. O BioFill não precisa ser trocado, desde que não haja contaminação. O produto é uma eficiente barreira bacteriana, possibilitando a recuperação da área afetada sem interrupções criando um meio ambiente ideal para a regeneração da pele.

O BioFill não tem contraindicações, podendo ser aplicado pelo próprio paciente em casa. É indicado para qualquer caso de lesão da pele, inclusive nas úlceras isquêmicas e em queimaduras. Nos casos de queimaduras de terceiro grau muito extensas, o produto pode ser usado para preparar o leito destas queimaduras para receberem enxertos de pele do próprio paciente, além de ser utilizado nas áreas doadoras dos enxertos. A estrutura de microfibra de celulose que isola a ferida do meio, possibilita o crescimento natural da pele do paciente e consequentemente a cicatrização da ferida em curto espaço de tempo em relação aos tratamentos convencionais

A escassez de recursos financeiros colocou-se como impedimento para o início de um empreendimento industrial que viabilizasse comercialmente a invenção. Como se tratava de uma inovação, desenvolvida por um pesquisador sem tradição na área médica, as dificuldades de se encontrar sócios foram muitas, ademais o produto exigiria testes exaustivos em pacientes. Farah chegou a cogitar ceder sua invenção a uma instituição de caridade da área hospitalar. Finalmente, no início de 1985, através de um amigo foi apresentado ao Sr. Athos Abilhoa, diretor do grupo Bozano Simonsen no Paraná, que se interessou no empreendimento. O Sr. Athos semanas antes havia lido uma matéria na “Business Week” sobre biotecnologia e interessou no projeto de biotecnologia que era o Biofill, associando-se a outro executivo do mesmo grupo, o Sr. Luiz Meinert. Após constituírem a empresa, em 1985, teve início o empreendimento, ocasião que foi convidado o Sr. Marco Abilhoa, que residia nos EUA, para assumir a Diretoria Administrativa.

O empreendimento desenvolve outras finalidades para o produto, entre as quais, curativos para cirurgias periodontais, o Gengiflex, já em processo de comercialização, curativos tipo “band-aid”, o Bioband, e produtos para a área veterinária, estes em processo de desenvolvimento, além disso pretende desenvolver o Biofill sutura (para cicatrização de áreas suturadas), o Biofill oftalmológico, o Biofill cirúrgico, o Biofill impregnado (membrana impregnada de antibióticos) e o Biofill em pó (para úlceras profundas). A membrana biocelulósica é produzida por método da chamada biotecnologia tradicional, através de processo de fermentação de superfície. A membrana biocelulósica se forma na parte superior das bandejas e a película tem a definição de sua espessura pelo tempo de fermentação, assim quanto mais tempo, mais espessa é a camada, quanto menos tempo mais fina. Na fase inicial de desenvolvimento tecnológico o tempo de produção da membrana biocelulósica, na especificação requerida era de sete dias. Com seleção de cepas de bactérias e desenvolvimentos de caldos de cultura foi possível reduzir este tempo para 40 horas. Além disso, devido às características do processo biotecnológico empregado na fase de formação das películas, as quebras de produção, inicialmente chegavam até a 60%, mas com a evolução do controle da tecnologia essas quebras forma reduzidas para um máximo de 30%.

A experimentação visando obter informações da eficiência do produto foi executada no Hospital Evangélico de Curitiba, inicialmente com animais de laboratório, com sucesso. A experiência inicial com humanos, foi executada no Hospital Cajuru de Curitiba, através do Dr. Dayson Nicolau dos Santos e Dra. Regina Peixoto, com pleno sucesso. Para a divulgação do produto, a empresa busca contato com médicos formadores de opinião, como o Dr. Ivo Pitangui, que publicou no Brasil e no exterior, um estudo de 133 casos de tratamento com o Biofill.

Em 1987 inicia-se a implantação da unidade Industrial em Curitiba, com a produção industrial iniciada em outubro do mesmo ano. A empresa conta com uma área de 400 m2, contando com cerca de 40 funcionários. Luiz Fernando Farah conta com cerca de 30% das ações da empresa, enquanto que o BNDESPAR conta com 25%. Ao longo desse período a empresa desenvolve esforços de marketing visando à colocação do produto no mercado e para tanto iniciam uma estratégia de desenvolvimento com a busca de parceiros estratégicos, que dispusessem de porte e experiência na comercialização de produtos farmacêuticos, o que os levou a se associar ao Grupo Monteiro Aranha que se dispôs a participar com US$ 6.5 milhões de uma estimativa de valor de projeto da ordem de US$ 32.5 milhões. No entanto o decano do Grupo Monteiro Aranha, Sr. Joaquim Monteiro de Carvalho foi desestimulado por amigos a fechar o acordo devido “ao risco que envolveria negociações baseadas em patentes”. O Grupo Monteiro Aranha embora não tendo fechado este contrato, participa atualmente com 5% do capital acionário da empresa.

A primeira venda de maior vulto do produto é efetuada ao INAMPS em começo de 1989, que apesar de significar faturamento à empresa, não apresentou os resultados esperados, pela distribuição equivocada do produto e o não esclarecimento da forma de utilização do produto para o comprador. Outro aspecto negativo é a forma de remuneração por procedimentos médicos adotados pelo INAMPS. Como o Biofill normalmente só necessita de uma aplicação, isto reduz a possibilidade de ganho do médico, que adotando os procedimentos convencionais terá que atender várias vezes o paciente. Depois de acumular prejuízos em 1988, 1989 e 1990, a empresa, após inúmeras negociações com grupos multinacionais, associou-se em 1991, ao grupo multinacional do ramo da indústria farmacêutica, Farmitalia Carlo Erba do grupo italiano Montedison, para a comercialização do produto em 70 países inclusive o Brasil, através do licenciamento da patente, incluindo Europa, Ásia e alguns países da América Latina. Para a cessão por licenciamento da patente para produzir somente o produto substituto temporário da pele, a Carlo Erba pagou inicialmente, em dezembro de 1991, US$ 2.5 milhões que contrato de licenciamento com prazo de quinze anos e pagará 10% a título de royalties por unidade vendida do produto até o volume de US$ 20 milhões de vendas; a partir deste valor, sobre a 12 % o valor dos royalties.

Caso a Biofill optasse por um contrato de fornecimento do produto, em exclusividade, teria necessitado investir em torno de US$ 2 milhões para a construção da fábrica. Venderia a unidade do produto a US$ 7,00 a Carlo Erba e teria um retorno líquido em torno de 20%, ou US$ 1,40 por unidade. Com o Contrato de licenciamento, a Carlo Erba montará uma fábrica no Rio de Janeiro, ou seja o investimento foi transferido. O preço de venda final é estimado em US$ 30,00, recebendo a Biofill portanto US$ 3,00 por unidade, mais que o dobro que receberia se produzisse o produto. Na Itália no ano de 1992 a Carlo Erba vendeu US$ 4 milhões do Biofill substituto temporário da pele e lidera o mercado italiano de curativos sintéticos, com 35% do mercado, contra 20% do principal concorrente, o Duoderm, da Squibb, líder mundial com US$ 200 milhões em vendas. Em 1991 a Biofill encerrou o ano com um lucro de US$ 2.7 milhões, ano em que a empresa inicia a distribuição de dividendos aos acionistas.

Para a comercialização do Gengiflex, curativo periodontal, para cirurgias ortodônticas, a estratégia da empresa foi outra. Neste caso a patente tornou possível o ingresso na indústria, pois a forma de comercialização difere em relação ao substituto temporário da pele. A base de comercialização é um curso oferecido aos odontólogos interessados, ensinando o uso do produto, que é altamente eficaz no processo de cicatrização. Só após o periodontista dominar a técnica é que se vende o produto. Neste ramo, existe apenas um concorrente americano multinacional, do ramo têxtil, cujo produto é desenvolvido com base em Teflon e com vendas mundiais em torno de US$ 100 milhões. Dos aproximadamente 1200 periodontistas existentes no país, cerca de 400 já fizeram o curso. Para o mercado externo pretende a empresa a busca de parceria estratégica, com vistas à maximização da comercialização do produto.

Curiosamente um produto bastante semelhante, o Veloderme, foi desenvolvido por Lauro Xavier Filho na Paraíba, na mesma época em que foi desenvolvido o Biofill no Paraná. O Laboratório de Química de Produtos Naturais da UFPB desenvolveu um biopolímero, que serve como substituto da pele em áreas queimadas. Além da importância no tratamento de queimaduras, o produto destaca-se também por ser o primeiro produzido e desenvolvido no Brasil através de processo biotecnológico. O produto chamado Veloderme foi criado em 1983 e é um curativo oclusivo único de quarta geração. Oclusivo porque veda o local afetado. Único porque não precisa ser trocado e de quarta geração porque esta é sua classificação entre os diferentes tipos de medicamentos. Pode ser utilizado em caso de queimaduras de primeiro e segundo graus, em dermoabrasões e após processos cirúrgicos quando há danos na pele, como por exemplo, nos casos de acidentes de carro.

O processo é simples. A película é colocada sobre a área afetada cessando a dor instantaneamente e protegendo o local. Com a dor é causada pela inexistência da pele, com o Veloderme, ela some porque o produto cobre totalmente a área afetada, dispensando qualquer analgésico em sua constituição. A película não precisa ser substituída, ao contrário dos curativos comuns que machucam o local ao serem retirados para a troca, dificultando a cura. Quando a pele nasce encarrega-se de retirar a película. O Veloderme pode ser colocado por qualquer pessoa após desinfetar o local. Se fosse vendia em farmácias alguém que se queimou na moto, por exemplo, poderia comprar o produto e colocar na queimadura, como se faz com o band-aid hoje. Nos casos em que um curativo teria que ser trocado em hospital, a película traz uma economia para a área da saúde porque não é necessária uma pessoa para fazer a troca dos curativos e com a cura acelerada diminui o tempo de internação. Outro ponto positivo da película é que depois de curada a queimadura não fica as marcas e estrias comuns nestes casos.

O Veloderme é fino e tem a aparência semelhante à pele. Marçal Queiroz de Paula, um dos pesquisadores que trabalhou no desenvolvimento do produto lembra muito a pele de uma pessoa que descasca após ter ficado queimada do sol. Paulo e o pesquisador Lauro Xavier iniciaram a pesquisa procurando um material que fosse um substituto temporário da pele humana. Para chegar ao Veloderme é realizado um processo biotecnológico para produção da biomassa e do produto final que é a película. Esse processo envolve um meio de cultura onde microrganismos biológicos desenvolvem o produto. A produção é simples e o processo biológico é constantemente otimizado. Na época em que foi criado, o Veloderme era o único produto do gênero no Brasil. Agora são comercializados produtos semelhantes, mas importados. Até hoje, 15 anos depois de sua criação o Veloderme ainda não é comercializado no Brasil por falta de autorização da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. É que para registrar o produto o Ministério exige, entre outras coisas, bibliografia sobre o produto. “O problema é que não existe bibliografia sobre o Veloderme, pois se trata de um produto inédito”, lamenta Xavier Filho.

Fonte: http://www.cnpq.br/gpesq2/garea2/apg208/reg_s/uf_pr/i_ufpr/g_2160/gp2160.htm

http://www.biofill.com.br/

Acesso em dezembro de 2001

Inovação e capitalismo monopolista: o caso da Biofill, Tese de mestrado, de José Henrique do Carmo, UFPR, Curitiba, 1993, orientador: Liana Maria da Frota Carleial

Tecnologia & Inovação para a indústria, Sebrae, 1999, página 18

Agradeço a Lauro Xavier Filho ([email protected]) pelo envio de sua foto em junho 2005 para inclusão nesta página

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