Vacina contra Carrapato Bovino

 

A praga do carrapato nos rebanhos bovinos pode estar com seus dias contados. Uma nova vacina, com alta eficiência e mais barata, foi desenvolvida por uma equipe de pesquisadores do Departamento de Veterinária no Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária ­ Bioagro ­ da Universidade Federal de Viçosa ­ UFV ­, coordenada pelo professor Joaquim Hernán Patarroyo Salcedo. É a primeira vacina sintética da América Latina contra o carrapato dos bovinos ­ Boophilus microplus ­, que, segundo cálculos do Ministério da Agricultura, causa prejuízo anual de um bilhão de dólares à bovinocultura brasileira. A pesquisa foi realizada em cooperação internacional com o Instituto de Imunologia del Hospital de San Juan de Díos, em Bogotá, na Colômbia, com o apoio da FAPEMIG. “Nosso objetivo era produzir um medicamento diferente dos produtos químicos existentes até então que, mais cedo ou mais tarde, tornam o carrapato resistente à sua ação. Outro desafio era conseguir uma droga que não agredisse o meio ambiente, caso dos carrapaticidas”, conta Salcedo.

 

O professor almejava ainda um processo totalmente diferente das vacinas australianas e cubanas já no mercado, produzidas a partir da técnica de recombinação, ou seja, da manipulação genética de proteínas “um procedimento muito complexo e caro, já que exige grandes plantas de fermentação”. Colombiano naturalizado brasileiro, Salcedo vem trabalhando nos últimos cinco anos, para encontrar uma alternativa aos carrapaticidas, inseticidas para banhar o gado, produzidos por multinacionais ou importados e às vacinas orgânicas australianas e cubanas. “Não temos nada totalmente nacional. Boa parte desses produtos até são sintetizados aqui no Brasil mas tanto nesse caso quanto no da importação, arcamos com o pagamento de royalties, já que estamos utilizando uma tecnologia estrangeira”, diz contando que o mercado brasileiro movimenta anualmente US$ 15 milhões em venda de produtos para o controle da praga.

Embora o carrapato-de-boi (Boophilus microplus) seja minúsculo, o estrago econômico causado por ele é considerável. “Um carrapato adulto que ataca o gado diminui a sua produção de leite em 8,9 ml/dia. Se somarmos as dezenas de carrapatos que atacam um único boi, veremos a dimensão do leite perdido”, explica o prof. Patarroyo. Mas o prejuízo não para por aí. O carrapato bovino diminui a produção de carne, desvaloriza o couro, por causa das marcas deixadas no local onde o carrapato ficou hospedado e ainda pode transmitir várias doenças, como é o caso da babesiose ou tristeza bovina. Os sintomas são febre alta, prostração, falta de apetite e anemia. É assim que a bovinocultura brasileira perde US$ 1 bilhão de dólares todo ano.

O problema é antigo e a ideia de produzir uma vacina contra o carrapato bovino surgiu há cerca de 70 anos, mas as tentativas resultaram apenas nas vacinas recombinantes ­ originadas de uma proteína imunogênica (formadora de anticorpos) produzida em organismos como bactérias, leveduras ou fungos. Na década de 30, o pesquisador William Tragaer já estudava o assunto, mas a primeira vacina contra carrapato bovino só chegou ao mercado 40 anos depois: a Tickgard ­ vacina recombinante de tecnologia australiana. Outra vacina comercializada nos dias de hoje é a Gavac ­ desenvolvida por pesquisadores cubanos e produzida em escala industrial desde a década de 80. Mas o alto custo de produção e a relativa eficiência das vacinas recombinantes levam os produtores rurais a optar pela aplicação de carrapaticidas, sendo que o uso, quase sempre indiscriminado, desses produtos tóxicos, além de tornar os carrapatos resistentes, pode causar sérios danos aos animais, ao homem e ao meio ambiente.

“A vacina sintética ­ que não necessita de meios de cultura ou organismos vivos para sua produção ­ tem vantagens não só pelo custo, mas principalmente pelo grau de pureza, pela ausência de contaminantes proteicos e porque é mais fácil de ser produzida”, explica o pesquisador. É por isso que a equipe do prof. Patarroyo não trabalha com proteína recombinante e deve lançar no Brasil a primeira vacina sintética contra o carrapato bovino. A pesquisa desenvolvida desde 1993 baseou-se no estudo da proteína Bm86 ­ retirada do intestino do carrapato, para pôr em ação o sistema imunológico de bois e vacas e prepará-los para as picadas das fêmeas do carrapato. Proteínas são moléculas gigantescas, compostas por um grande número de unidades menores, chamadas aminoácidos. No caso da bm86, são nada menos do que 650 elementos proteicos. Pataroyo e seus colegas conseguiram selecionar apenas 43 aminoácidos desse total, que foram testados de forma a obter a resposta ideal, quando usados como vacina. “a sequência foi descoberta pelos australianos, o que fizemos foi estudar os 650 aminoácidos e descobrir que a combinação de 43 deles era suficiente para criar a imunidade nos animais. A partir daí produzimos a vacina”, diz Salcedo.

Os pesquisadores desenharam uma sequência de peptídeos que poderiam ser bons antígenos e imunógenos e resolveram testar diretamente nos animais. A técnica funciona como qualquer outra vacina: os aminoácidos são injetados nos bovinos e induzem a reação do sistema de defesa do organismo, que cria anticorpos – substâncias especificamente desenhadas para atacar moléculas estranhas que entre no organismo do animal. Ao picar os bois vacinados, os carrapatos acabam tendo uma desagradável surpresa: o sangue dos bovinos está cheio de anticorpos contra as próprias células intestinais dos parasitas. O resultado é uma brutal indigestão, que mata os carrapatos ou no mínimo, reduz sua capacidade de se alimentar direito e reproduzir. Bois das raças Jersey, Holandês e Hereford foram às primeiras cobaias. A vacina sintética, que atua na reprodução do parasita, tem uma eficiência de 80% sobre a população dos carrapatos, correspondendo às expectativas dos pesquisadores. Nos próximos meses começam os testes em campo, em parceria com a Embrapa Gado de Leite, localizados no município de Coronel Pacheco, na Zona da Mata. “Em torno de um ano terminaremos os testes controlados a campo”, afirma o prof. Patarroyo, que espera ansioso pelo registro da vacina no Ministério da Saúde.

A vacina sintética contra carrapato bovino é a primeira patente na história da FAPEMIG e da Universidade Federal de Viçosa. O suporte à propriedade intelectual é apenas um dos serviços que a FAPEMIG passa a oferecer aos pesquisadores mineiros, através do seu Escritório de Gestão Tecnológica, criado recentemente com o objetivo de valorizar a produção científica de Minas Gerais. O Escritório de Gestão Tecnológica (EGT) da FAPEMIG, a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a comunidade científica mineira tiveram o que comemorar nos últimos meses. É que em junho foi anunciada a primeira transferência de tecnologia da Fundação e do Estado. Os direitos de produção e comercialização da vacina sintética para o controle de carrapatos em bovinos foram transferidos com sucesso para o Laboratório Hertape, com sede em Juatuba/MG e deverá estar disponível no mercado a partir de junho de 2005.

O Laboratório foi escolhido a partir de um Edital de Oferta Pública, que recebeu sete propostas para o desenvolvimento, industrialização e comercialização da vacina. Dessas, cinco foram pré-qualificadas. Uma comissão especial analisou e julgou as ofertas com base em aspectos como taxa pelo direito de iniciar a comercialização, royalties e a possibilidade de oferecer a tecnologia também no mercado externo. Cada item possuía um peso na pontuação total e, ao final da análise, aquele com maior desempenho seria o vencedor – no caso, a Hertape. Para a coordenadora do Escritório, Janaína Araújo, casos desse tipo mostram como o conhecimento gerado no Estado pode estimular o desenvolvimento econômico local e do país. Por isso, ela ressalta a importância da criação de uma cultura da propriedade intelectual, a fim de que esse conhecimento seja explorado da forma mais adequada. “Um dos trabalhos do EGT é justamente a conscientização dos pesquisadores. A cultura da propriedade intelectual, que procuramos incentivar através de palestras em universidades, por exemplo, está crescendo, mas ainda num ritmo lento.”

O professor da UFV Joaquim Hernán Patarroyo, coordenador da pesquisa com a vacina sintética, também acredita que a transferência de tecnologia é uma das formas da ciência ajudar no desenvolvimento da sociedade. “Transformar ciência em tecnologia é um tipo de retorno para a sociedade que, através de impostos e contribuições, é nossa principal financiadora”, ressalta. Ou seja, da união entre o conhecimento produzido nos centros de pesquisa e o know how das empresas, surgem tecnologias e recursos para o investimento em novos projetos. A vacina sintética atua na reprodução do carrapato bovino, o Boophilus microplus, e tem uma média de 80% de eficiência, de acordo com os testes realizados no Brasil.

Além de fomentar a pesquisa científica no Estado, a FAPEMIG também apoia os pesquisadores mineiros no que se refere à proteção da propriedade intelectual. Esse papel cabe ao Escritório de Gestão Tecnológica, setor criado oficialmente em agosto de 2000 e subordinado à diretoria científica da Fundação. Além do apoio em gestão do conhecimento científico e tecnológico, o EGT colabora no intercâmbio entre a comunidade científica e os setores produtivos de Minas Gerais. De acordo com o analista de patentes do Escritório, Sávio Jardim, o EGT foi criado para suprir uma demanda. Ele lembra que, até então, as pesquisas com potencial inovador, depois de concluídas com o financiamento da FAPEMIG, não tinham continuidade com a devida proteção da patente. Em alguns casos, elas acabavam sendo patenteadas por terceiros. “Isso significava possibilidade zero de retorno financeiro, que seria aplicado em novas pesquisas. Além disso, existia o risco de assistir a uma empresa estrangeira auferir os resultados econômicos, em prejuízo para o Brasil”, destaca. As metas do EGT incluem o aumento do número de patentes depositadas, apoio durante o processo de transferência de tecnologia, conscientização da comunidade científica sobre os benefícios de um sistema de patentes forte e fomento à criação de núcleos de propriedade intelectual semelhantes em todo o Estado. Entre seus principais usuários estão instituições de ensino e pesquisa, incubadoras de empresas, pesquisadores e inventores. No momento, o Escritório estuda a possibilidade de patenteamento de 70 projetos. Desses, dez pedidos já foram depositados no INPI e dois estão em processo de patenteamento internacional.

 

Fonte:

http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n193.htm

http://revista.fapemig.br/3/carrapato/

Acesso em janeiro de 2002

http://www.fapemig.br/ftp/boletim/boletim-05.doc

Acesso em fevereiro de 2003

http://revista.fapemig.br/15/propriedadeintelectual.html

Acesso em outubro de 2003

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?Id=10580

Acesso em fevereiro de 2004

JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO DATA: 22/10/03 ON-LINE “Universidade de Viçosa já desenvolveu vacina”

Jornal Folha de São Paulo, página A-17 Ciência de 03.04.02

Jornal Gazeta Mercantil, de 29.07.2002, página C7 (Ciência e Tecnologia) “Praga do carrapato do boi ganha vacina 100% nacional” de Gabriela Gutierrez Arbex

 

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