Insulina Artificial

Um novo método para produzir insulina artificial que utiliza tecnologia de DNA recombinante foi desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Biologia Molecular da Universidade de Brasília (UnB) em parceria com a empresa Bioquímica do Brasil (Biobrás). Os pesquisadores modificaram geneticamente a bactéria Escherichia coli, comum na flora intestinal humana, para torná-la capaz de sintetizar o hormônio. O processo permite fabricar insulina em apenas 30 dias, um terço do tempo necessário para obtê-la pelo método tradicional. Somente quatro empresas no mundo, incluindo a Biobrás, têm tecnologia de produção industrial de insulina recombinante. 

 

BIOHULIN é uma insulina humana altamente purificada com um grau de pureza equivalente a menos de um ppm (partes por milhão) de pró-insulina. A insulina é um hormônio produzido pelas células beta do pâncreas. Sua ausência ou deficiência no organismo, quando não tratada, manifesta-se sob a forma de diabetes. Para suprir essa falta, o medicamento essencial para tratar a doença é a insulina artificial, que pode ser produzida industrialmente a partir do pâncreas suíno ou de microorganismos modificados geneticamente, como é o caso da E. coli. 

Patenteada em 2000 nos Estados Unidos sob número US6068993 (no Brasil a lei vetava a patenteabilidade de produtos fármacos ou químicos), a nova técnica consiste em introduzir na bactéria o gene da pró-insulina humana, precursor da insulina ativa, de forma que esta passe a produzir o hormônio em grandes quantidades. Segundo Beatriz Lima, bióloga e professora da UnB envolvida na pesquisa, esse gene foi ‘montado’ a partir da informação da seqüência de aminoácidos da pró-insulina. “A bactéria agora é capaz de produzir o hormônio humano”, explica Lima. 

A etapa seguinte do processo é a produção da insulina em escala industrial, em que o precursor é fermentado, processado e purificado para a obtenção da insulina recombinante ativa. “Após esse processo, ele se transforma em insulina humana por meio de reações enzimáticas”, explica Luciano Vilela, pesquisador da Biobrás. “Nesse estágio, usamos técnicas cromatográficas para purificarmos novamente o hormônio.” Ao final dessas etapas, o produto está adequado para o consumo e sem alterações sensíveis para o usuário. 

A tecnologia do DNA recombinante permitiu a expressão de proteínas heterólogas em microrganismos e outras células hospedeiras. Um vetor contendo o material genético, dirigindo a célula hospedeira a produzir a proteína codificada por parte da seqüência heteróloga do DNA é introduzido no hospedeiro. Assim a célula transformada pode ser fermentada e submetida às condições que facilitem a expressão do DNA heterólogo, levando à formação de grandes quantidades da proteína desejada. 

Além da diminuição do tempo de produção do hormônio, a nova técnica alcança altos índices de expressão do gene da pró-insulina na bactéria – um diferencial em relação a outras formas de produzir insulina artificial. O pâncreas suíno não é uma matéria-prima abundante, e grandes quantidades são necessárias para a produção de insulina. “Precisamos aproximadamente de 2 mil toneladas de pâncreas por ano, que são coletados em frigoríficos brasileiros e americanos. E cada pâncreas pesa em média 100 gramas”, diz Vilela. “Outra vantagem é que essa tecnologia também pode ser aplicada à produção de outras proteínas terapêuticas, como a do hormônio do crescimento.” 

Tanto a insulina recombinante como a obtida de suínos apresenta menos de 1 parte por milhão (ppm) de contaminantes (enzimas e outras substancias), abaixo dos 3 ppm exigidos pelas normas internacionais. A qualidade das duas é a mesma. A diferença é o preço. Enquanto a de origem animal sai por R$14, a insulina recombinante custa R$22. As duas garantiram à Biobras a fatia de 65% das compras feitas por farmácias brasileiras em 2000. 

A Biobrás é uma empresa bio-farmacêutica, localizada em Montes Claros (MG) Minas Gerais, engajada em pesquisa e desenvolvimento, fabricação e comercialização de uma série de produtos farmacêuticos. A empresa foi fundada em 1971 e começou como produtora de enzimas em 1976. Hoje, a insulina é sua principal fonte de renda. O bioquímico Carlos Ribeiro Diniz e Mares-Guia especialista em enzimologia, com apoio do BNDE montaram na UFMG um laboratório com a mais avançada tecnologia da época, com equipamentos para fazer análise de aminoácidos, ultracentrifugação e outras coisas básicas para a química de proteína. Junto com alunos da Escola de Engenharia este núcleo serviu de base para a criação da Biobrás. 

Marcos Luiz dos Mares Guia, por influência do pai médico e pela admiração ao avô que fora formado pela Escola de Farmácia de Ouro Preto em 1897 e que possuía uma farmácia de manipulação, acabou ingressando na Escola de Medicina, hoje UFMG em 1957. Pioneiro em bioquímica em Minas Gerais doutorou-se nos EUA em 1964, com uma bolsa da Fundação Rockefeller, com uma tese sobre cinética de enzimas. Retornou a Belo Horizonte e com apoio de Wilson Beraldo, um dos descobridores da bradicinina, integrou o excelente grupo de bioquímicos formado na UFMG.No início de sua carreira, em função dos baixos salários da universidade, envolveu-se com o seu irmão Walfrido na criação de um curso pré-vestibular, o famoso curso Pitágoras. Em 1968 começou a implantar de novo com o irmão e outros sócios, a empresa Biobrás, para a fabricação de enzimas com o apoio da Sudene. A empresa cresceu graças a uma fecunda interação com a universidade e o aproveitamento de pós-graduados, tornando-se pioneira na produção de insulina. Oskar Klingl (Repict 1998) “Eu me recordo muito bem que o Dr. Marcos Mares Guia, quando resolveu construir a Biobrás, em Minas Gerais, foi quase apedrejado, na universidade, porque ele cometia o pecado imperdoável de querer ganhar dinheiro com o conhecimento. “Marcos Mares Guia chefiava nos últimos anos o Laboratório de Enzimologia e Físico-Química de Proteínas ao lado de Marcelo Matos Santoro e Marcelo Porto Bemquerer, professores do Depto. de Bioquímica e Imunologia da UFMG e veio a falecer em junho de 2003. 

Mares Guia explica as bases da fundação da Biobrás: “como trabalhávamos com enzimas no laboratório e havíamos organizado a pós-graduação [na UFMG], por influência do Carlos Ribeiro Diniz e demais professores, nós começamos a cogitar sobre a criação de uma empresa para fabricar alguns produtos. Foi assim que concebemos a Biobrás, que se transformou numa pequena experiência em 1968. Um dos entusiastas foi meu irmão, o Walfrido, que também trabalhou muito no projeto. Com o êxito dessa experiência inicial, surgiu a idéia de montar uma fábrica, e para tanto contamos com o engenheiro Guilherme Emrich, que hoje está na presidência da Biobrás. Como não tínhamos capital, fomos buscar recursos na Sudene, que estava oferecendo a possibilidade de custear até 75% do total do projeto, caso o mesmo fosse considerado de grande relevância. Nosso projeto foi considerado – muito relevante – porque ninguém fabricava enzimas, a não ser a partir do coalho do queijo. Montamos uma empresa piloto em Montes Claros e começamos a produzir em 1976. 

Mares Guia conta como se deu a produção de insulina: “No caso da insulina, por volta de 1979, nós começamos a produzi-la em associação com Lilly, que nos transferiu a tecnologia de produção de insulina bovina. Em 1982 nós nos separamos e começamos um processo de desenvolvimento tecnológico violento na área de insulina, que continua até hoje. A tecnologia de produção de insulina bovina era muito boa na época em que foi concebida mas era necessário modernizá-la. Quando terminamos esse acordo comercial com a Lilly, que estava a ponto de lançar a recombinante, tivemos de fazer um programa intenso na Biobrás, em termos de recursos humanos e financeiros e em curto prazo para atingir a tecnologia de insulinas de porco e de boi altamente purificadas. Em 1990 quando transformamos a insulina de porco em humana por via química, ganhamos o prêmio IBM de Desenvolvimento Tecnológico. Conseguimos desenvolver a tecnologia por via enzimática com muita eficiência e a partir daí fazer a genética recombinante. Quem atuou foi a equipe da Biobrás, eu fui o general, quem trabalhou foi o Luciano Vilela e o Josef Thiemann, ambos chefiando os respectivos grupos de pesquisa”. A Biobrás teve o processo da insulina recombinante patenteado nos Estados Unidos. A pesquisa teve uma parte feita na Biobrás com a colaboração de grupos bioquímicos da UFMG e do professor Lewis Greene, de Ribeirão Preto, além de contar com consultores externos de outros países.

É fato notório que a insulina humana recombinante, além de ter sido o primeiro produto da moderna biotecnologia a ser comercializado no mundo, pode ser hoje considerado um produto consolidado no mercado, dado que alcançou níveis de substituição que chegam a 100% em vários países da Europa e cerca de 85% nos Estados Unidos. A tendência à substituição é incontestável mesmo no Brasil, onde as insulinas humanas (recombinante e semi-sintética) já ocupam aproximadamente 40% do mercado. Sob concorrência no mercado nacional, com a empresa dinarmaquesa Nova Nordisks, a Biobrás acabou no final de 2001, sendo adquirida por US$ 31 milhões. A holding controladora Biopart deve reter o laboratório de pesquisa, os 15 pesquisadores de ponta além da patente de processo de uso do DNA recombinante, dedicando-se apenas as atividades de pesquisa. 

Fonte: 
http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n341.htm
http://www.unb.br/informativos/insulina.htm
http://www.finep.gov.br/premio/biobras.htm 
http://www.venturecapital.com.br/ShowItem.asp?ContentId=939
http://www.finep.gov.br/caso_de_sucesso/insulina.htm 
acesso em janeiro de 2002
http://www.biobras.com.br/produtos_template.php3?pagina=biohulin 
acesso em novembro de 2002 
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=10491 
http://www.redetec.org.br/repict/download/anais1998.zip 
acesso em agosto de 2003 
VII Encontro sobre Propriedade Intelectual 
Cientistas do Brasil, SBPC, 1998, página 575 
Patentes onde o Brasil perde, set/93, Sindicato da Indústria de artefatos de Papel, papelão e cortiça no Esatdo de São Paulo, pg 27. 
Livro: 50 anos do CNPq contados pelos seus presidentes, de Shozo Motoyama, Ed. FAPESP, 2002, páginas 450 e 454 
http://www.desafios.org.br/index.php?Edicao=9&pagina=noticias&idNoticia=63&secao=&inicio=15&limite=18 
acesso em julho de 2005 
http://www.inovacao.unicamp.br/report/news-viicon-guilherme.shtml 
acesso em outubro de 2005 

 

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