Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) transformaram o tabaco em biorreator, algo como uma fabriqueta de proteínas, capaz de produzir hormônio de crescimento humano em suas sementes. No caso do hormônio de crescimento, a possibilidade de produção em plantas tem várias vantagens. A substância resultante é idêntica à produzida naturalmente pelo organismo, ao contrário do hormônio hoje disponível no mercado, que é criado em bactérias e, por isso, possui um aminoácido a mais. Há ganhos também em relação a outros processos, como a cultura de células de insetos ou o uso de animais transgênicos. Esses métodos podem gerar hormônio contaminado por vírus. Em contraste, não há notícia de que vírus de planta tenham afetado seres humanos.
A principal novidade é que o sistema da Unicamp permite a produção do hormônio apenas nas sementes e não em toda a planta. Folhas produtoras de hormônio precisam ser colhidas e processadas imediatamente porque a proteína pode ser atacada pela água. Problemas como esse não ocorrem com a semente, que armazena proteínas para o próprio desenvolvimento e cuidam bem também do hormônio “estrangeiro”. O tabaco foi escolhido por ser mais fácil transferir os genes estranhos a ele e por seu curto ciclo de vida (entre três e quatro meses), o que abrevia as pesquisas. O gene hGH, responsável pelo hormônio do crescimento, foi introduzido na planta por Leite em parceria com Hamza F. El-Dorry, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. Verificou-se que 0,2% do total de proteínas das sementes era hormônio de crescimento humano. “O rendimento é baixo para exploração comercial e por isso vamos investir em outras culturas”, diz Leite.
Uma em cada 15 mil crianças sofre da deficiência do hormônio do crescimento humano (hGH, na sigla em inglês). O único tratamento é a reposição hormonal, que prossegue até que as cartilagens parem de crescer, o que ocorre aproximadamente aos 16 anos de idade. Doze anos de tratamento custam R$ 360 mil. A parceria entre a Genosys e a Braskap (indústria farmacêutica de capital nacional) para a produção e comercialização do hormônio reduzirá esse valor para R$ 250 mil.
A produção do medicamento é feita por meio da tecnologia do DNA recombinante a partir do gene que comanda a síntese do hGH, clonado em 1996 pelo professor Hamza El-Dorry do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP). Esse hormônio é produzido normalmente pela glândula pituitária (ou hipófise, localizada no cérebro). A tecnologia permite ‘implantar’ o gene que codifica sua produção em bactérias da espécie Escherichia coli geneticamente modificadas. Inserido numa molécula de DNA bacteriano (plasmídeo), o gene leva a bactéria a produzir o hormônio. A síntese é ativada pela presença, no meio de cultura, de um indutor químico. A etapa seguinte consiste em promover a fermentação das bactérias.
Os micróbios são então ‘quebrados’ para a extração do hormônio do crescimento, que é tratado de forma a atingir o grau de pureza requerido para o uso terapêutico. Administrado no paciente, o hGH chega ao fígado pela corrente sangüínea. Ali, produz os peptídeos IGF3 e do IGF1 (do inglês Insulin- like Growth Factor), que promovem o crescimento. Durante o sono e no período da adolescência, a produção do hormônio atinge seu ápice. A produção começa a diminuir entre 20 e 25 anos e fica quase nula aos 60.
O hormônio de crescimento humano recombinante (rec-hGH) foi obtido modificando o patrimônio genético da E. coli, com a introdução de um plasmídeo que contém a seqüência codificadora da molécula do hormônio natural, juntamente com aquela do peptídeo sinalizador. Uma protease bacteriana específica cliva esse peptídeo, permitindo sua secreção no espaço periplásmico bacteriana onde a molécula adquire a correta estrutura tridimensional. Essa localização, externa ao citoplasma, permite a extração do hormônio mediante “choque osmótico” (incubação em meio hipertônico seguida de incubação em meio hipotônico), sem ruptura da célula. após a extração e várias etapas cromatográficas, o produto é obtido com alta pureza
Por ora, o hormônio do crescimento brasileiro só foi aprovado em testes com animais. Para sua comercialização, ainda faltam os testes clínicos com humanos. Se tudo der certo, uma nova empresa, a Hormogen Biotecnologia, começará a fabricar, no primeiro semestre do próximo ano, o medicamento em escala piloto. “Vamos produzir com custos mais baixos que os praticados pelas multinacionais”, afirma o pesquisador Paolo Bartolini, chefe do Departamento de Bioengenharia do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), coordenador do projeto de produção e comercialização do medicamento. O hormônio do crescimento (a sigla, GH ou hGH, vem das iniciais do nome em inglês, Human Growth Hormone) já foi, inclusive, muito mais caro. Até a década de 1970, a única maneira de consegui-lo era extraí-lo da glândula hipófise de cadáveres de seres humanos. Só a partir de 1979 começou a ser produzido, nos Estados Unidos, por meio da modificação do patrimônio genético de bactérias. Atualmente, todo o hormônio usado no Brasil é importado. As principais marcas, com os fabricantes entre parênteses, são Genotropin (Pharmacia Upjohn), Humatrope (Eli Lilly), Norditropin (Novo Nordisk) e Saizen (Serono).
Não se chega, porém, ao estágio de produção do hormônio por engenharia genética de um momento para o outro. Bartolini, por exemplo, trabalha com a produção e caracterização de hormônios há mais de 20 anos. Ele aprendeu a técnica de clonar o gene do GH em 1988, quando fazia estudos de pós-doutorado na Itália. De volta ao Brasil, continuou suas pesquisas. Há cerca de cinco anos, a equipe do IPEN sentiu que já dominava completamente as técnicas para a obtenção do hormônio. Só isso já é um passo a ser comemorado. O grupo detém o que Bartolini classifica de “um know-how importantíssimo”, que pode, no futuro, ser aplicado na obtenção de outros medicamentos.
Fonte: http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n419.htm
http://www.fapesp.br/tecnolo431.htm
http://epoca.globo.com/
acesso em dezembro de 2001