O nome da substância não é muito revelador para os não iniciados, mas seus efeitos são bem conhecidos de todos os que sofrem de problemas cardíacos. Estamos falando do LASSBio-294, um fármaco desenvolvido pelo Laboratório de Avaliação de Substâncias Bioativas (LASSBio) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que faz aumentar a contração dos músculos do coração e tem também efeito vasodilatador. Este fármaco inovador é fruto de uma técnica que tem tido aplicação crescente na pesquisa científica: a modelagem molecular. Ela consiste em elaborar, com auxílio de programas de computador, diversos “desenhos” de uma nova molécula, com características estruturais pré-definidas, que lhe garantam a ação farmacológica desejada.
A vantagem da modelagem molecular é que ela permite determinar, com grande precisão, a distância entre átomos e substituir trechos da estrutura molecular, testando diferentes “desenhos” até atingir a “forma ideal” da nova molécula. Para chegar ao novo fármaco, contudo, é preciso, em seguida, produzir a molécula em maior quantidade (ainda em escala laboratorial) e testar sua atividade. Esta é, pelo menos, a estratégia do LASSBio, que, segundo explica seu diretor, Eliezer J. Barreiro, baseia-se numa “tríade”. “Inicialmente, ‘construímos’ novas arquiteturas moleculares capazes de serem “reconhecidas” pelo alvo terapêutico eleito através da Química Computacional. Identificado o novo padrão molecular, a Química Orgânica Medicinal passa a ser responsável por sua obtenção (síntese de novos compostos), elegendo metodologias, sempre que possível, simples e de baixo custo. Finalmente, são realizados bioensaios, quase simultaneamente à síntese dos compostos, para confirmar seu perfil biológico e orientar possíveis modificações estruturais a serem introduzidas nessas substâncias bioativas, de maneira a se obter o máximo de atividade com a menor quantidade de substância (etapa denominada de otimização do composto-protótipo ou ligante)”.
Tal estratégia tem, segundo Barreiro, permitido a descoberta de inúmeros candidatos a novos fármacos, mas, como ele próprio ressalta, não podemos depender apenas das técnicas computacionais na pesquisa farmacêutica. “A natureza constrói moléculas com estruturas altamente originais, que nossa imaginação não conseguiria conceber”, afirma, em declaração à revista Pesquisa FAPESP. O próprio LASSBio-294, embora seja fruto da modelagem molecular, não é “estranho” à pesquisa de produtos naturais. O desenho dessa nova molécula foi elaborado a partir do substrato de safrol, um composto extraído do óleo de sassafrás, encontrado em plantas como a canela-branca (Ocotea pretiosa). “Além de plantas e animais fornecerem a maioria das substâncias que inspiram os medicamentos, é importantes estudá-los para conhecermos melhor a nossa biodiversidade”, completa o pesquisador.
A pesquisa que levou ao Lassbio-294 contou com financiamento do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O LassBio trabalhou em conjunto com o Laboratório de Química Bio-Orgânica do Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN) e com o Departamento de Farmacologia Básica e Clínica, ambos da UFRJ, e com a Universidade de Maryland (EUA), que mantém convênio de cooperação científica com a UFRJ. A patente do medicamento pertencerá 30% a esta última e 70% à UFRJ. A descoberta da substância foi feita no Brasil
A molécula foi batizada LASSBio-785, em referência ao Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas, onde estão sendo feitos os experimentos coordenados pelo professor Carlos Alberto Manssour Fraga. O composto foi sintetizado a partir do safrol, elemento encontrado no óleo da canela sassafrás (Ocotea pretiosa). O trabalho foi iniciado em 1999, quando a equipe desenvolveu o protótipo LASSBio-294, capaz de potencializar a capacidade de contração do músculo cardíaco. Desde então, os esforços têm sido empregados na obtenção de análogos do LASSBio-294 com ação mais seletiva. O composto vem sendo testado em camundongos de duas maneiras. Uma delas consiste em aplicá-lo in vitro em vasos retirados desses animais a fim de checar o quanto eles se dilatam. A outra forma de testagem – in vivo – pretende avaliar as reações fisiológicas dos animais que receberam o LASSBio-785. Até agora, a substância tem revelado uma surpreendente capacidade de dilatar as artérias sem que ocorram efeitos colaterais. Isso indica que o LASSBio-785 deve apresentar a seletividade pretendida na dilatação arterial, sem afetar outros órgãos.
Por essa propriedade, a molécula é desde já candidata a se tornar a base de um medicamento eficaz contra a hipertensão (ou pressão alta). Os anti-hipertensivos mais vendidos atualmente diminuem a pressão arterial ao estimularem a dilatação dos vasos sangüíneos. Porém, não têm uma ação seletiva, isto é, também agem sobre o coração e outros órgãos e provocam efeitos como tonturas, dor de cabeça, inchaço dos membros inferiores e impotência sexual.
Um medicamento derivado do LASSBio-785 teria também um custo menor do que os similares. “A maioria dos princípios ativos dos medicamentos contra hipertensão são de origem estrangeira, o que aumenta o seu preço”, conta Carlos Alberto Manssour Fraga. O desenvolvimento de um fármaco anti-hipertensivo a partir desse composto – que já foi patenteado – depende do interesse e do investimento de algum laboratório farmacêutico. Manssour estima que o custo dessas pesquisas, que devem demorar pelo menos cinco anos (incluindo todas as etapas de testagem em animais e seres humanos), gira em torno de R$ 15 milhões. “Esse valor é pequeno se comparado aos 850 milhões de dólares que as grandes indústrias farmacêuticas dizem gastar com o desenvolvimento de um novo produto”, compara.
Fonte:
http://www.comciencia.br/reportagens/farmacos/farma08.htm
acesso em dezembro de 2001
http://ich.unito.com.br/controlPanel/materia/view/3353
acesso em junho de 2005