Spray de Insulina

Um novo método de administração da insulina desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) promete dar fim ao desconforto de mais 135 milhões de diabéticos em todo o mundo gerado pela aplicação diária de injeções de insulina. A técnica permite que o hormônio seja inalado sob a forma de aerossol, como nas bombinhas usadas por asmáticos. O princípio do método, desenvolvido pela equipe do farmacêutico Armando da Silva Cunha Júnior, consiste em encapsular a insulina em microesferas biodegradáveis, que são absorvidas aos poucos pelo organismo e liberam gradualmente o hormônio. Uma pessoa com diabetes tipo 1 em esquema de terapia intensificada necessita, normalmente, de quatro injeções diárias de insulina: três de ação rápida antes das refeições e uma de ação prolongada ao longo do dia. A equipe de Cunha Jr. desenvolveu um spray no qual a insulina é encapsulada em microesferas de diferentes tamanhos. Após administração, o hormônio é liberada de forma lenta e controlada, de acordo com tamanho das partículas: as menores são decompostas pelo organismo mais rapidamente, enquanto as maiores demoram um pouco mais. 

As microesferas que envolvem a insulina são compostas por um polímero conhecido como PGLA, derivado dos ácidos glicólico e lático e também usado na fabricação de fios biodegradáveis para sutura. O polímero não é tóxico para o organismo, pois se decompõe em água e gás carbônico, ambos compostos que resultam naturalmente das reações do metabolismo humano. Para evitar as três doses injetáveis de insulina de ação rápida, o diabético precisaria recorrer a sprays que estão sendo desenvolvidos no exterior, sobretudo nos EUA. Um deles, chamado Exubera, está prestes a ser lançado pelo laboratório Nektar em conjunto com o grupo Aventis. No entanto, o diabético não estaria livre de pelo menos uma injeção diária do hormônio: o da dose de ação prolongada. O spray desenvolvido no Brasil permitiria substituir justamente essas injeções de insulina de ação prolongada. Mesmo com resultados promissores, o estudo de Cunha Jr. está atualmente estacionado pela falta de incentivo à criação de tecnologia genuinamente nacional. A pesquisa foi interrompida antes do início dos estudos pré-clínicos, e não existe, no momento, empresa interessada no produto. A Biobrás, única empresa brasileira produtora do hormônio, foi vendida para o laboratório dinamarquês Novo Nordisk, que, juntamente com o Eli Lilly, detém o monopólio mundial de fabricação da insulina. Os laboratórios estrangeiros não têm interesse em desenvolver um novo método terapêutico para a administração de insulina no Brasil. “As multinacionais preferem desenvolver uma técnica própria a ter de pagar royalties por uma tecnologia brasileira”, lamenta Cunha Jr. 

“Desenvolvemos implantes, na forma de bastão para ser instalado na parte posterior do olho, que libera drogas por alguns meses, enquanto o material polimérico se degrada no organismo”, explica Cunha Júnior. Por enquanto, as pesquisas com o implante oftálmico se concentram nos medicamentos destinados ao tratamento das uveítes. Originalmente, a doença é uma inflamação do trato uveal, composto pela íris, corpo ciliar e coróide (membrana situada na frente da retina), mas o termo tem sido empregado também para inflamações em estruturas adjacentes, como a retina e o nervo óptico. As uveítes podem ser causadas por traumas cirúrgicos ou acidentais, por microrganismos externos, ou surgirem de forma secundária associadas a doenças como a tuberculose, a toxoplasmose e outras. O primeiro passo é tratá-la com os colírios convencionais à base de corticóide. Entretanto, na maioria das vezes, essa prática não gera resultados, tornando-se necessário a utilização do medicamento por via oral ou injeções intra-oculares. 

Além de dolorido, o tratamento quase nunca dá bons resultados e é causa de cegueira em grande proporção. Cunha Júnior está entusiasmado com a repercussão que esse implante oftalmológico poderá ter entre as indústrias farmacêuticas nacionais. “Já fizemos alguns contatos com laboratórios interessados em desenvolver o produto”, revela. Mas o mesmo não acontece com as microesferas de insulina. “O problema é que não há empresa no país que se interesse em transformar essa inovação em produto”, conta. A pesquisa desenvolvida por ele foi feita com insulina cedida pela Biobras – única fábrica desse medicamento no país, localizada em Montes Claros, no norte de Minas Gerais -, que produz o hormônio. Os testes foram feitos em ratos e camundongos diabéticos, que responderam bem ao tratamento com a insulina encapsulada. O próximo passo seria a realização dos ensaios clínicos em humanos, mas não houve tempo suficiente. 

Em fevereiro de 2002, a Biobras foi vendida para o laboratório farmacêutico Novo Nordisk, da Dinamarca, e a UFMG interrompeu o estudo. “Acreditamos que, com a venda da empresa as perspectivas mercadológicas desapareceram. No momento, não há, no Brasil, nenhum interesse na insulina encapsulada, mesmo porque não temos mais uma empresa genuinamente nacional que produza o hormônio e queira desenvolver aqui um outro método terapêutico. Conhecendo o mercado como conheço, não tenho esperanças”, desabafa o professor. E ele fala com conhecimento de causa. No período entre a graduação na Faculdade de Farmácia da UFMG, em 1986, e a pós-graduação (mestrado e doutorado) na França, na Universidade Paris XI, de 1993 a 1997, Cunha Júnior trabalhou com a insulina em sua forma tradicional, na Biobras. Foi nessa época que começou a se interessar por novas formas farmacêuticas, tema de sua dissertação de mestrado e da tese de doutorado. 

Em 1997, ele recebeu da Association de Pharmacie Galénique Industrielle, ou Associação de Farmácia Galênica Industrial – galênica significa farmacotécnica ou manipulação farmacêutica – e da Associação de Pesquisas Científicas Paul Neumann, fundador do antigo laboratório Hoechst, vinculada atualmente à empresa Aventis, o prêmio de melhor tese em tecnologia farmacêutica desenvolvida na França, naquele ano. O fato é que a insulina em aerossol certamente chegará por aqui, ainda que importada. Ao mesmo tempo em que a pesquisa se desenvolvia na Faculdade de Farmácia, dois pequenos laboratórios norte-americanos de alta tecnologia, o Inhale Therapeutics of San Carlos e o Aradigm Corporation, ambos na Califórnia, associados aos gigantes Pfizer e Aventis, investiam em pesquisa semelhante, que, com algumas diferenças no processo tecnológico, também resultou nos produtos base para o aerossol. A diferença é que lá o novo formato de insulina está prestes a entrar no mercado. 

Mesmo desiludido com a atual impossibilidade de a insulina em aerossol com tecnologia brasileira chegar ao mercado, Cunha não deixa de apontar as vantagens dessa nova forma farmacêutica. Ele garante que o microencapsulamento da insulina proporciona a proteção necessária para a estabilidade do hormônio e facilita a absorção pelo organismo. Além disso, há mais conforto na aplicação e na eficiência do tratamento. “O alvéolo pulmonar é extremamente fino e permeável, transformando-se em uma barreira muito mais fácil de transpor do que o tecido subcutâneo. As doses poderão ser menores que as utilizadas pela via subcutânea e o efeito, mais satisfatório”, afirma o pesquisador. Os polímeros usados nas pesquisas, conhecidos como PLGA, são derivados dos ácidos glicólico e lático – a mesma matéria-prima usada na confecção de fios biodegradáveis para sutura. No trabalho que resultou no implante foi necessário outro tipo de tecnologia adicional.

 “Em conjunto com o Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG, nós projetamos e construímos um protótipo de um equipamento para a compressão do pó contendo droga e polímero, que é então moldado em formato de bastão, com 4 milímetros de comprimento por 1 milímetro de diâmetro, que serve de base para um implante intra-ocular”, explica o pesquisador. O implante é feito em uma pequena cirurgia, quando o bastão biodegradável é colocado na parte posterior do olho. “Agora, minhas esperanças estão concentradas na linha oftalmológica.” Por enquanto, os implantes estão sendo testados em coelhos, que apresentam uma estrutura ocular semelhante à humana, inclusive no tamanho. Esses estudos são realizados em conjunto com a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. O próximo passo é elaborar também uma patente desse novo método terapêutico. 

Fonte: http://www2.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n908.htm 
acesso em fevereiro de 2004
http://ultimosegundo.ig.com.br/materias/saude/ 16:16 19/09/2003
acesso em julho de 2004

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