A imagem de um veículo utilitário esportivo está ligado a veículos com motores possantes, interior luxuoso e tração 4×4 para enfrentar terrenos acidentados. Assim é nos Estados Unidos, onde o conceito surgiu. Em pesquisas realizadas em 1998, a Ford detectou que a fórmula, com algumas adaptações, poderia transformar-se num sucesso de vendas no mercado brasileiro. Surgia, assim, o EcoSport. No projeto, os técnicos da montadora investiram no design externo, com linhas agressivas, e economizaram no acabamento interno, para lá de espartano. Foi um sucesso. O pioneirismo ajuda o modelo da Ford a se manter até hoje na liderança desse mercado. São mais de 80 000 unidades vendidas por ano, quase o dobro da média registrada em 2003, ano de lançamento do EcoSport.
Luc de Ferran, pai de três filhos – um deles o campeão de Indianápolis, o piloto da Fórmula Indy Gil de Ferran – é formado em engenharia pela Escola Politécnica da USP e, nesse tempo, recuperava betoneiras “para tomar cerveja com os amigos”. Entrou na Ford como estagiário em 1965. Fez de tudo na empresa, mas gostava mesmo é de ir para a pista de testes guiar os seus protótipos. Luc, que chegou ao Brasil em 1946 com 4 anos vindo da França, apesar de ter plantado árvores, encaminhado os filhos e de morar na cálida Bahia, aos 61 anos de idade está decidido a esbanjar vigor criativo e não viver apenas da aposentadoria, obtida recentemente, após 38 anos de trabalho profícuo na Ford do Brasil. Por isso, está montando em Salvador a Luc Ferran Consultoria em Tecnologia Automotiva. “Cansei foi da rotina operacional e decidi me aposentar do dia-a-dia, das 60 horas até 80 horas semanais para me dedicar à criação de carros e fábricas, em toda sua plenitude, do desenvolvimento ao produto final”, soletra Luc, hoje seguramente menos agitado do que à época em que vivia em São Paulo. A contenção do estresse, da agitação, certamente, não lhe tirou a inquietude criativa, a mesma que usou para desenvolver carros e fábricas.
O pai, Raphael, também engenheiro, teve sua fábrica de componentes mecânicos bombardeada durante a Segunda Guerra e, traumatizado, quis reconstruir a vida em outro lugar. Sempre envolvido até o pescoço no mundo automotivo, o engenheiro Ferran acabou se tornando um criador de fábricas inovadoras. Na unidade do EcoSport e do novo Fiesta, primeira montadora a ser instalada no Nordeste, ele introduziu o conceito de produção sincronizada, em que fornecedores de peças atuam dentro da linha de montagem. A fábrica é a terceira mais produtiva do mundo, perdendo apenas para duas japonesas, a Nissan e a Mitsubishi, instaladas na Europa e no Japão. A fábrica inaugurada em outubro de 2001 na Bahia é resultado de um ano de viagens de Ferran para conhecer métodos de manufatura nos Estados Unidos, Japão e em países da Ásia e Europa. “O projeto Amazon, que deu origem por enquanto ao novo Fiesta e ao EcoSport e à fábrica baiana, nasceu do ideal de satisfazer clientes em países emergentes”, diz Ferran. Mas está dando tão certo que a matriz americana decidiu adaptar o conceito em unidades do grupo nos Estados Unidos.
Luc fala do projeto Amazon: “Foi em 1996, ainda em São Bernardo do Campo, SP. Mas o projeto como um todo foi bem antes, na metade da década de 80. Comecei a pensar no conceito e no projeto funcional, que é a reunião da criação do produto com a produção em alto volume. Ainda não existia o conceito de união dos fornecedores com montadora para tornar o processo mais produtivo. Em Camaçari, o plano é fazer 120 carros funcionário/ano. Naquela época, em São Bernardo, se faziam 10/15 veículos funcionário/ano”.
“Não vai ter outro Projeto Amazon. E ficar sem fazer nada isso é que não vou”, acrescenta. “A consultoria que estou abrindo será uma forma de contribuir para o País”. Luc começou a rabiscar o EcoSport num guardanapo de restaurante em 1996. Hoje, sete anos depois, o utilitário compacto esportivo EcoSport, feito em Camaçari , é sucesso de vendas da Ford. Talento Luc de Ferran, é reconhecido, sempre teve. Mas, até então, seus projetos eram recriações de versões externas, adaptadas ao mercado brasileiro. O EcoSport foi totalmente desenvolvido no País. “Queríamos um veículo específico para nosso cliente, que dirige em estradas ruins, passa por lombadas e buracos. Precisava ser mais alto e mais robusto”, lembra Ferran. Também tinha de ser confortável para enfrentar longas distâncias, esportivo, prático e ainda ter uma ligação especial com a natureza. O próprio executivo define o EcoSport como sua maior criação.
Com apenas três meses no mercado, o EcoSport conquistou a liderança de vendas entre os comerciais leves. Segundo a Fenabrave, o lançamento da Ford vendeu 2 229 unidades no mês de maio. Com esse resultado o modelo desbancou a picape Strada do 1º posto. O carro da Fiat, que não perdia a liderança desde outubro do ano passado, vendeu em maio, somente 1 988 unidades. Mesmo com esses números, o Strada foi o segundo comercial leve mais vendido em todo o Brasil. Logo atrás aparecem, em uma disputa acirrada, o VW Saveiro e o Chevrolet S-10, com uma pequena vantagem para a picape da Volkswagen (1 409 e 1 292), respectivamente. Parece mesmo que o EcoSport caiu no gosto do brasileiro. Apesar do pobre acabamento interno e do fraco desempenho de seu motor na versão 1.0, o veículo preencheu um espaço vazio no mercado. O carro, por ser um jipe compacto, (ele é montado na plataforma do novo Fiesta) apresenta uma proposta de design jovial, enfatizada também em suas campanhas publicitárias, direcionada ao público jovem que aprecia um jipe. Além do mais o preço mais acessível do que seus concorrentes 4×4 é um forte atrativo na escolha do público no momento da compra. Para atender à crescente demanda pelo carro, a Ford pretende em breve, redirecionar a linha de produção de sua fábrica na Bahia onde o fenômeno EcoSport é produzido.
Outro desafio de Luc foi o motor 1.0, pode-se dizer, uma invenção da legislação brasileira, para alguns um coelho tirado da cartola, um casuísmo tecnológico. Quando tal motorização foi “descoberta”, no início dos anos 90, quem saiu na frente ganhou pontos percentuais de participação. A Ford, na ocasião, largou bem atrás da concorrência – e, há quem diga, essa foi uma das causas principais para ver sua participação de mercado derrubada. Com o Fiesta e o Novo Fiesta, a motorização 1.0 ajudou a recuperação da montadora. Um dos desafios de Luc era tornar o 1.0 “andador”. Ou seja, dar asas à imaginação à engenharia para usar os benefícios da lei que incentiva o 1.0 com IPI menor. Com pós-graduação no Massachussets Institute Technology (MIT), Luc decidiu fazer o que sempre fez – rejeitar o “não” e usar a tecnologia (e a imaginação) para derrubar paradigmas. E o que fez? Usou um compressor no motor 1.0. Luc de Ferran entende que o motor 1.0 foi um “gancho” para a engenharia brasileira se impor no contexto mundial automotivo. “Na Europa há o segundo, o terceiro carro da família, aquele que só serve para ir à compra, levar a criança à escola. Aqui, ao contrário, o carro da família é o 1.0 e serve para tudo. Tem de rodar muito, na cidade, na estrada, levar pessoas, papagaio, cachorro, mala, desenvolver muitos quilômetros com um litro de combustível e custar 4 mil dólares. A engenharia brasileira fez, por isso se diferenciou e nossos projetos despertam interesse”, conclui o agora consultor Luc de Ferran.
Luc explica como surgiu a idéia de usar o compressor no motor RoCam 1.0:“Quando eu fiz o motor RoCam, eu queria um motor que tivesse torque em baixas rotações e uma boa potência em alta. Ficou bom, todos gostaram. Testei três alternativas. Uma foi um motor mais agressivo e duas baseadas no conceito 16V. Todas, além de não apresentarem ganhos significativos, esbarravam no custo. Eram praticamente motores de corrida adaptados para andar na rua. Fui então conversar com o pessoal do centro de pesquisas nos EUA. Expus o problema e veio a idéia, do ‘‘fundo do baú’’: usar um compressor. O custo de um compressor já é menor do que toda a parafernália de um motor de 16 válvulas, apesar de requerer uma mecânica de precisão e que só agora está sendo realmente desenvolvida. Mas com sua proliferação em série, como tudo, vai baixar ainda mais seu custo. Vejo muito futuro nessa solução, principalmente para os motores 1.0 no Brasil, que ganham potência e torque como se fossem de 1,6 litro, e continuam praticamente tão econômicos quanto sem o sistema. E o imposto é de carro 1.0. “.
Em quase quatro décadas de Ford, seu primeiro e único emprego, Ferran foi mentor de uma série de produtos. Corcel II, Del Rey, Pampa, Escort, Fiesta, Ka, Courrier, motor Rocan — tudo saiu da cabeça dele. Mas dois em particular são os seus xodós. Primeiro o Escort XR3, um modelo compacto, de rodas largas, aerofólio e motor potente que encantou a juventude nos anos 80. “Foi o primeiro carro de boy do Brasil. Era um foguete”, diverte-se. O outro é o EcoSport, lançado este ano, que ele esboçou num guardanapo de papel em 1997. “Eu queria um modelo que dominasse as ruas. Que fosse imponente e espaçoso sem ser comprido.” O EcoSport lidera as vendas de comerciais leves no País, tem fila de espera nas concessionárias e vai ser exportado até para a Austrália. É, na verdade, um dos pilares do maior feito de Ferran: o Projeto Amazon, que tem dois novos modelos na prancheta e já deu origem ao novo Fiesta e à fábrica de Camaçari (da qual ele definiu da arquitetura à cor do uniforme dos funcionários), considerada revolucionária por abrigar produtor e fornecedores de peças sob o mesmo teto.
Fonte:
http://www.terra.com.br/istoedinheiro/312/negocios/312_luc_pensador.htm
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/08/10/eco024.html
http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020523/sup_sro_230502_57.htm
http://www2.uol.com.br/bestcars/un2/155-18.htm
http://carroonline.terra.com.br/
acesso em dezembro de 2003
JORNAL GAZETA MERCANTIL DATA: 30/09/03 ON-LINE “Luc, criador de carros e fábricas abre consultoria”
Revista Exame 28/9/2006 – As 10 melhores inovações brasileiras
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