O trigo de panificação, Triticum aestivum L., está, atualmente, entre as espécies mais cultivadas no planeta, da qual são conhecidas mais de 20 mil variedades. Seu genoma, ou seja, o conjunto de informações genéticas que comandam a construção da planta e caracterizam a espécie, tem uma peculiaridade especial: nas suas células, coexistem os genomas de três espécies primitivas diferentes, resultantes de hibridações naturais, o que confere excepcional capacidade de adaptação às mais variadas condições ecológicas. Quando o agricultor primitivo, inconscientemente, escolheu as melhores sementes para plantio da próxima safra, ao invés do consumo, começou o melhoramento genético de plantas cultivadas. Há cerca de 200 anos, na França, teve início o melhoramento cientificamente planejado: o reflexo na economia, de variedades de beterraba-açucareira com maior teor de açúcar, selecionadas pela casa Vilmorin, ajudou a sustentar os exércitos de Napoleão, em suas conquistas pela Europa.
Nos agroecossistemas do Sul do Brasil, o trigo, introduzido pelos colonizadores europeus, teve dificuldades especiais de adaptação: solos ácidos, inúmeras moléstias fúngicas e pragas, além de problemas climáticos, na época da floração, limitavam a estabilidade e a confiabilidade dos rendimentos e tornaram-se mais graves com o monocultivo. Gradualmente, a pesquisa superou essas limitações, seja pela seleção de variantes genéticas superiores, seja por práticas culturais mais adequadas que modificam o ambiente para que a planta possa atingir produtividade superior, entre elas a rotação de culturas. Os genótipos de trigo brasileiros são conhecidos por apresentarem os melhores genes, em termos mundiais, para tolerância à acidez do solo, resistência de planta adulta à ferrugem da folha, à giberela e à septoriose, além de outras doenças fúngicas. Sendo originário de uma região ecologicamente muito distinta, o trigo de panificação exige da pesquisa agronômica um esforço superior ao dos países do hemisfério norte ou da Argentina, por exemplo, cujas condições de clima e solo são semelhantes às dos centros de origem.
A descoberta do microscópio ótico, no século passado, viabilizou, a partir dos anos 50, em nível mundial, e de meados dos 70, na Embrapa, a observação das células e dos cromossomos, elementos portadores da informação genética de trigo, auxiliando os melhoristas a planejar seus cruzamentos. A biologia molecular, internacionalmente, desde os anos 60, e, no início da década de 90, na Embrapa Trigo, através da identificação de moléculas úteis, como as proteínas que conferem qualidade superior de panificação, vem auxiliando o melhorista na escolha dos pais para os cruzamentos e na seleção de linhagens. A cultura de células, tecidos ou embriões imaturos, mundialmente, desde os anos 70, e, no início dos 80, na Embrapa Trigo resultou na transferência de novos genes úteis de espécies silvestres para o trigo cultivado, os quais são hoje utilizados em diversos países. Essa técnica também permitiu que a Embrapa Trigo se tornasse a primeira instituição das Américas e a quarta do mundo a lançar, em 1992, uma cultivar de trigo, obtida por métodos biotecnológicos, demonstrando a viabilidade de uso da cultura das anteras, órgãos da flor que contém os grãos de pólen, para acelerar, simplificar e tornar mais eficiente o processo de obtenção de novas cultivares.
Por meio dessa técnica, é possível desenvolver uma planta de proveta apenas a partir da célula masculina, ou seja, sem que haja a fertilização nem a formação de sementes. Após a duplicação química do genoma com um alcalóide chamado colchicina, uma planta geneticamente homozigota é gerada dispensando as inúmeras gerações de plantio e seleção necessárias no melhoramento convencional. Assim, são economizados anos, espaço e mão-de-obra de seleção, e a avaliação do melhorista torna-se também mais fácil e eficiente. Atualmente, a polinização de trigo com milho, que resulta na eliminação do genoma de milho nas primeiras fases embrionárias, está sendo usada na Embrapa Trigo como substituta da cultura de anteras. Portanto, historicamente, após selecionar, para plantio, as melhores variantes existentes na natureza, o homem passou a reunir características úteis em linhagens resultantes de cruzamentos artificiais, que se combinam ao acaso, exigindo milhares de cruzamentos e grande espaço e tempo para a procura de melhores genótipos.
Através do desenvolvimento in vitro de plantas derivadas dos gametas, portadoras de apenas um genoma, o qual é duplicado artificialmente, linhagens duplo-haplóides (DH), totalmente homozigotas, são obtidas em uma geração, ao invés de sete a nove necessárias através de processos convencionais de melhoramento. Desta forma, a obtenção de germoplasma ou cultivares superiores em produtividade e/ou em adaptação, é antecipada. O processo de seleção torna-se mais econômico e eficaz por causa da ausência das interações de dominância e recessividade. O tamanho da população requerido, para se ter a probabilidade de selecionar um genótipo qualquer, é a raiz quadrada do necessário pelos métodos convencionais. Exemplificando, se os genitores diferirem por dois pares de genes, para se obter um genótipo homozigoto, é necessário uma população de pelo menos quatro plantas, se usar a haplodiploidização, ou seja, a raiz quadrada das 16 plantas necessárias para ter a mesma probabilidade, quando usadas populações F2 dos métodos convencionais.
O desenvolvimento de plantas de proveta é uma tecnologia dominada pelo Centro Nacional de Pesquisa de Trigo – Embrapa Trigo, há mais de 10 anos, que permitiu o lançamento da cultivar de trigo BR 43, a primeira planta de proveta obtida na América do Sul e a quarta, no mundo. Além do Brasil, apenas a França, a Índia e a China conseguiram, até agora, sucesso com esta metodologia de trigo.
A reprodução de plantas originadas de grão de pólen, em cultura de anteras in vitro, permite acelerar o processo de criação de cultivares de trigo. O desenvolvimento de embrióides androgenéticos haplóides, que produzem plantas com a metade do patrimônio genético, após duplicação artificial do genoma, permite abreviar, em pelo menos cinco gerações, o processo de obtenção de novas linhagens para a experimentação varietal. Além de permitir a ampliação do programa de melhoramento do trigo, a técnica está sendo incorporada ao programa de melhoramento da cevada.
Para a agricultura, este avanço tecnológico representa uma cultivar que produz, em ensaios de rendimento, 16% a mais que as cultivares mais plantadas no Rio Grande do Sul. Do mesmo modo, esta cultivar está disponível ao agricultor a um período de quatro anos inferior ao que levaria uma cultivar obtida através de cruzamentos convencionais. A linhagem PF 853031 foi recomendada para cultivo em 1991, com o nome de Trigo BR 43, sendo a primeira cultivar das Américas e a quarta em nível mundial, obtida através da androgênese.
Fonte: Cronologia do Desenvolvimento Científico e Tecnológico Brasileiro, 1950-200, MDIC, Brasília, 2002, páginas 232
http://www.embrapa.br/pesquisa/tecnolog/planprov.htm
http://www.apassul.com.br/cultivares/trigo_br43.htm
http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/p_do04_1.htm
acesso em março de 2002