“Argamassa de Óleo de Baleia”

O óleo de baleia garantir a resistência da argamassa de cal na construção colonial é uma sólida crença. É muito comum, quando alguém quer louvar a segurança de uma construção antiga, o uso da frase-chavão: “Isto aí foi feito com óleo de baleia.“. “Não vai cair nunca” (Teixeira, 1985:49). O óleo de baleia constitui-se em aglutinante e não encontra apoio, nem na experiência nem na literatura especializada. Para Santiago (1991:45), “a tradição sobre a grande resistência das argamassas com óleo de baleia não corresponde exatamente à realidade”, conforme sua bem documentada tese de mestrado.

Outros, julgam que não se usava o óleo reservado, por seu custo elevado, à iluminação – mas sua borra, ou resíduo do cozimento da gordura da baleia. Segundo Vieira Fazenda (1920:396) “é sabido: os antigos construtores serviam-se dessa borra (gala-gala) ligada à cal do Reino para as edificações, e é por isso que nas demolições de antigos edifícios é preciso muitas vezes empregar a dinamite”. Essa borra (resíduo ou depósito) do cozimento da gordura da baleia, foi citada como uma ‘descoberta’ pelo marquês do Lavradio, em correspondência à Corte, 1770, parcialmente transcrita por Ellis (c. 1968:138) e totalmente transcrita por Katinski (1994:90/2). Para Ellis, além da borra, também o óleo era empregado: “desde o século XVI teria sido o óleo de baleia utilizado nos estabelecimentos do litoral do Brasil como aglutinante que petrificava [grifo da autora] a argamassa” (op.cit., p. 138).

Contudo, nas especificações de obras dos séculos 16 a 19, vê-se que o azeite de peixe não era usado em construções isentas de umidade, mas sim nas que estavam em contato com água, como nos cais. Se o óleo de baleia foi certamente usado, embora muito menos do que se imagina (pois faz baixar a resistência da argamassa), só como hidrorrepelente e sem a importância que lhe é atribuída, fica-nos a dúvida: se o foi sob a forma pura, sob a forma residual, da borra, ou sob ambas as formas. Outra dúvida é se a borra – além de muito mais barata – tinha melhor poder aglutinante do que o óleo, por conter, provavelmente, gelatina (proteína existente nos ossos e cartilagens). 

A crença bastante difundida entre os leigos, de que o óleo de baleia poderia, combinado com cal, areia e água, constituir-se em aglutinante de estruturas de pedra, não encontra apoio, nem na experiência nem na literatura especializada. Com efeito sabe-se desde o século XVI, que os óleos são materiais excepcionais para dissolver pigmentos e distribui-los de maneira homogênea sobre as superfícies. É a chamada pintura a óleo que tanto êxito teve a partir do século XV na Europa. Conhecemos também a regra empírica de colocar na nata de cal uma pequena porção de óleo vegetal para o pincel deslizar com mais facilidade sobre a superfície do reboco. E que acrescentando-se sal de cozinha a caição fixa-se na superfície da alvenaria, sendo de mais difícil remoção. Nesse caso, também o fixadaor da cal não é óleo (de linhaça ou azeite de oliveira, ou qualquer outro óleo de origem vegetal), mas o sal. Não se justifica pois a firmação no livro, sob tantos aspectos pioneiros, da senhora Myriam Ellis sobre o óleo de baleia no período colonial de que desde o século XVI teria sido o óleo de baleia utilizado nos estabelecimentos do litoral do Brasil como aglutinante que petrificava a argamassa quando seca pela combinação da matéria graxa animal com a cal cristalizada à ação da água. 

No texto do Marques de Lavradio, este faz referência a betume, que no geral significava asfalto encontradiço no Oriente Médio e muito usado para assentamento de tijolos, inclusive pela sua grande permeabilidade. Tratando-se de óleos pesados, de lenta oxidação e vaporização, era material muito apreciado na Antiguidade, ainda que de difícil obtenção. O marques, assessorado por seus engenheiros militares, entusiasmou-se pelo material obtido com borra da extração do óleo de baleia, na esperança de eliminar as onerosas obras de cantaria. Mas como não deixou de anotar, contra o parecer do também engenheiro Jacques Funk. este apesar de tudo parece ter levado a melhor, pois dez anos depois, às ordens de outro vice rei, o cais do Largo do Paço (atual praça XV), no Rio de Janeiro, seria realizado de acordo com a tradição, em cantaria. 

Quando entre nós se instalaram as primeiras indústria de pequeno porte de caráter químico, uma interessante matéria-prima para a indústria química, o óleo de baleia, quase não era mais produzido. O óleo do cetáceo era empregado essencialmente na iluminação e como ingrediente da argamassa na construção civil (30). Se sua extração em larga escala tivesse ocorrido não no período colonial, mas um século mais tarde, teríamos tido um importante ponto de partida para a indústria química. Além de seu uso na fabricação de margarina (depois da invenção desta em 1870), o óleo de baleia era usado na fabricação de ácidos graxos para sabões, de álcoois graxos para detergentes e cosméticos, tratado com ácido sulfúrico para lubrificantes de alta pressão, e ainda em vernizes e ceras. Tivemos a matéria-prima mas nunca a indústria. 

Fonte: 
A VERDADEIRA FUNÇÃO DO ÓLEO DE BALEIA NAS ANTIGAS ARGAMASSAS, Paulo Pardal 
http://www.mast.br/congresso/resumos/nop.htm 
http://www.crq.org.br/sol.php3?sol=224 
acesso em setembro de 2003 
acesso em janeiro de 2004 
envie seus comentários para [email protected]. 

Posso ajudar?