“Autenticação Magnética de Telas “

Foi numa viagem a Parati em 1992 que os físicos Paulo Costa Ribeiro e Orest Symko, professores de física Laboratório de Biomagnetismo da PUC-Rio da Puc-Rio envolvidos pelo clima das ruas históricas e de seus pintores de rua, ficaram curiosos em saber se as tintas eram magnéticas. Estudiosos do campo magnético gerado pela atividade elétrica do coração desde 1973, os dois se entusiasmaram com a possibilidade de usar técnica semelhante para identificar obras de arte. Começava ali a criação de um método inédito para atestar a autenticidade de pinturas a óleo por meio da composição das tintas.

A técnica, no estágio em que se encontra, não identifica o autor da obra, mas permite autenticar uma tela cuja autoria já seja conhecida. Funciona preventivamente: se uma tela roubada, à qual tenha sido aplicada a técnica, for recuperada posteriormente, a seguradora tem como confirmar se a obra recuperada é de fato a que fora segurada. Também permite estabelecer a responsabilidade pela venda de uma determinada tela. Assim, se surgirem dúvidas futuras sobre a autenticidade da autoria, comprador e vendedor têm uma ferramenta a mais para atestar quem vendeu o que a quem.

 

O princípio é simples: todo material composto por ferro ou metais de transição, como manganês, cobalto e níquel, produz um campo magnético. Esse campo pode ser medido com o auxílio de um equipamento chamado Squid (Superconductor Quantum Interference Device). Programas de computador aliados ao Squid produzem um mapa magnético do material analisado. O resultado é uma imagem gráfica colorida, na qual pode ser identificada a correlação dos campos magnéticos negativos e positivos dos compostos dos metais. Em outras palavras, uma espécie de raio X, só que parecido com uma pintura abstrata de cores muito vivas.

Uma pequena tela comprada na viagem a Parati foi a primeira obra de arte testada no Laboratório de Biomagnetismo da PUC-Rio. “Vimos que as tintas eram magnéticas por meio do equipamento mais sensível que é possível encontrar, usado para medir o campo magnético gerado pela atividade elétrica do coração”, conta o professor (em 1978, Costa Ribeiro e Symko fizeram na universidade o primeiro magnetocardiograma do país, uma técnica ainda em estudo, semelhante ao eletrocardiograma). Medir a arte com a técnica do coração funcionou. “A gente descobriu que uma fração expressiva das tintas é obtida com compostos ferromagnéticos”, explica o físico.

A pesquisa ganhou impulso há três anos, com a colaboração dos físicos Antônio Carlos Bruno, Hélio Ricardo Carvalho, Daniel Acosta Avalos (PUC-Rio) e Henrique Lins de Barros (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas/CBPF). A equipe criou padrões para detectar o campo magnético de pinturas a óleo e analisou amostras de tintas comerciais, de marcas e tonalidades diferentes. Os pesquisadores concluíram que o mapa magnético de uma tela é único, como uma impressão digital. Para ilustrar o estudo foi usado um quadro de 1999 do pintor Bianco, que trabalhou com Cândido Portinari, e outro de Henrique Oswald, datado de 1902. Os cientistas produziram imagens gráficas das pinturas, que funcionam como cópias ocultas e cifradas da tela original.

“O campo produzido por um pigmento depende de diversos fatores, como a espessura da tinta e a forma de aplicação”, explica Paulo Costa Ribeiro. A nova técnica é um método seguro de autenticação de obras de arte que pode ser usado pelos colecionadores de forma preventiva. E pode ser incluído na bateria de testes exigidos pelas companhias de seguro para ressarcimento em caso de roubo. “Formas seguras de autenticação de uma obra de arte contribuem para a preservação e conservação desse bem, uma vez que dificultam sua utilização no mercado paralelo de obras de arte”, afirma o físico. Hoje, são feitas análises das obras de arte por raio X e testes de datação, que buscam verificar o ano de produção da tela.

O trabalho “Imagem magnética de pinturas a óleo: Uma nova técnica de registro de autenticidade de obras de arte” foi desenvolvido com apoio da FAPERJ e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na PUC-Rio, em paralelo, estão sendo desenvolvidas duas pesquisas de identificação de telas do Projeto Portinari uma baseada no reconhecimento por meio das pinceladas e outra na análise cromática. Numa fase futura, que ainda depende de financiamento, a equipe pretende ampliar o estudo das tintas a óleo comerciais para medir o grau de magnetismo das tonalidades de cada uma das dez marcas existentes no mercado e mapear novas telas. Numa etapa posterior, se todos os quadros de um mesmo autor passarem pelo processo de mapeamento genético, talvez seja possível descobrir um padrão que, além da autenticidade da obra, identifique também a autoria.

Para testar essa hipótese, resolveram fazer alguns testes com pinturas a óleo. “As tintas a óleo são, em muitos casos, magnéticas. Se fazemos a varredura de uma pintura, encontramos um sinal magnético, que é característica daquela pintura”, afirma Henrique Lins de Barros, pesquisador do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) e coautor do estudo, encabeçado por Paulo Costa Ribeiro, da PUC/RJ. “Se alguém faz uma cópia perfeita sob o ponto de vista fotográfico, sobre uma base idêntica, basta mudar um pouco a tinta usada em vez de um preto, outro preto, em vez de um vermelho,  outro vermelho mantendo a cor visual; se utilizar um pouco mais de tinta aqui ou ali, a imagem magnética muda. Ou seja, magneticamente podemos dizer que a cópia é uma cópia.”

Para obter as leituras do campo magnético, a equipe primeiro pré magnetiza as pinturas, usando um campo de cem Gauss (medida usada para expressar a intensidade de campos magnéticos). É um valor modesto, mas ainda assim bem superior ao campo magnético da Terra, que na região Sudeste do Brasil tem intensidade de modestos 0,25 Gauss e chega no máximo a uns 0,7 Gauss. Depois da magnetização, por intermédio de um aparelho chamado Squid (sigla em inglês de Dispositivo Supercondutor de Interferência Quântica), os pesquisadores obtêm as imagens magnéticas das pinturas. “O aparelho permite detectar campos magnéticos muito fracos”, diz Lins de Barros. “É constituído basicamente por uma bobina de material especial que é mantida em temperaturas muito baixas, algo como -270C. Nessa temperatura, o material da bobina é supercondutor, ou seja, não apresenta resistência nenhuma a uma corrente elétrica. Podemos dar uma corrente e a corrente fica girando na bobina o tempo que quisermos. Com isso, posso medir variações muito sutis no campo magnético, por indução.”

Embora os testes relatados no estudo tenham sido feitos todos com pinturas a óleo, os pesquisadores estão experimentando outras possibilidades, que incluem até mesmo a análise de imagens magnéticas de gravuras e esculturas. “Já fizemos umas medidas de esculturas, e é possível encontrar uma imagem”, diz o físico do CBPF. “O que atrapalha é a presença de ferro -como pregos em molduras de quadros ou na estrutura de esculturas.” O trabalho já despertou interesse no mundo da arte, como uma potencial forma de autenticar obras. Afinal, uma vez que haja um catálogo das imagens magnéticas das obras, dificilmente alguém conseguirá engambelar um comprador que submeta o quadro a um teste por comparação. Não é à toa que um dos autores do estudo é João Cândido Portinari, filho do pintor brasileiro Cândido Portinari (1903-1962). Além de matemático pela PUC/RJ, ele é o responsável pelo Projeto Portinari, que tem por objetivo catalogar as obras do artista (http://www.portinari.org.br).

O físico Henrique Lins de Barros, 57, às vezes aparece onde menos se espera. Ele é mais conhecido como especialista na vida e na obra de Alberto Santos Dumont -já publicou vários livros sobre o assunto-, mas essa especialização na verdade começou como hobby. O interesse foi despertado depois que ele decidiu construir um modelo em escala do Demoiselle, o avião mais bem-sucedido do inventor brasileiro, e não conseguia encontrar as informações necessárias. Iniciou um esforço de pesquisa que segue em andamento e espera poder falar ainda mais sobre o assunto em 2006, quando ocorrerá o centenário do primeiro voo de Santos Dumont com o 14-Bis. “Ele é um importante nome para se falar da contribuição científica brasileira, que é bastante grande”, diz. Na física, mesmo, seu maior interesse é o magnetismo -que costura seus últimos estudos. Além da pesquisa com pinturas, Lins de Barros recentemente publicou um trabalho sobre uma espécie singular de bactéria, que, além de magnética, parece ser multicelular -uma afronta aos livros de biologia, que definem bactérias como seres unicelulares.

Paulo Edmundo de Leers Costa Ribeiro é filho do físico Costa Ribeiro, prêmio Einstein da Academia Brasileira de Ciências, físico mundialmente conhecido pela descoberta, em 1945, do efeito termo dielétrico, denominado efeito Costa Ribeiro. Sem “jamais ter pensado em seguir outra carreira”, Paulo ingressou, em 61, no recém- criado Instituto de Física da PUC. Concluída a graduação, partiu para o mestrado, que cursou parte na PUC, parte na Universidade de São Carlos, sob a orientação de seu irmão, o físico Sérgio Costa Ribeiro. Em 1967, mudança de rumos. Arrumou as malas e voou para o doutorado na França, no Centre de Recherches sur les Trés Basses Temperatures (CRTBT), ligado à Universidade de Grenoble. “Antes do término da tese, me dei conta de que seria muito difícil dar continuidade ao tema quando voltasse ao Brasil, em virtude da falta de equipamentos”, lembra Paulo. E continua: “Foi quando comecei a trabalhar com um dispositivo eletrônico recém-inventado, com propriedades de supercondutividade: o Squid (Superconducting Quantum Interference Device)”. Com o regresso à PUC, em 73, deu início à pesquisa do Biomagnetismo, área onde tem prestado as maiores contribuições à Física e à Medicina. Com base no Squid, construiu o magnetocardiógrafo na Universidade.

 

Fonte:

http://www.faperj.br/downloads/revista/04.pdf

http://www.puc-rio.br/noticias/jornaldapuc/julho97/titfis.html

acesso em junho de 2003

JC e-mail 2521, de 11 de Maio de 2004. “Imagem magnética aponta pintura falsa”

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=18417

acesso em maio de 2004

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