Raimundo Irineu Serra trabalhava junto com índios do Acre, na fronteira com a Bolívia e Peru quando foi apresentado a uma bebida conhecida como Ayahuasca, que pode ser traduzida como “vinho da alma”. Na língua quechua aya significa espírito, ancestral, enquanto huasca significa vinho. A bebida é um chá feito do cipó Banistereopsis Caapi e, geralmente, também com folhas de Psychotria Viridis (chacrona). O produto é usado desde épocas remotas por povos nativos da região, incluindo os Incas, não somente com efeitos medicinais mas como agente de iluminação espiritual em seus rituais religiosos. Os pajés utilizam a ayahuasca (que significa “cipó da alma”) em cerimônias religiosas de cura, para diagnosticar e tratar doenças, para encontrar com espíritos e adivinhar o futuro.
Durante um retiro na floresta, Mestre Irineu, como mais tarde passou a ser chamado, recebeu visões da Virgem Maria na forma de uma rainha da Floresta, que lhe revelou a doutrina religiosa que estaria encarregado de difundir. Aos poucos Irineu reuniu adeptos que recitavam hinos ao plano astral e praticavam rituais de transe coletivo sob os efeitos da ayahuasca. A palavra Daime, que tornou-se o nome da doutrina, provém de um destes hinos: “dai-me força, dai-me amor, dai-me luz”. A doutrina revelada a Irineu é uma mistura de elementos presentes nas antigas tradições indígenas, com uma profunda reverência a Mãe da natureza, especialmente a floresta, personificada como a Virgem Maria. Segundo Pablo Amaringo, seguidor da seita: “Cada árvore, cada planta tem um espírito. As pessoas poderão dizer que uma planta não tem espírito. Eu digo que cada planta é viva e consciente. Uma planta pode não falar, mas possui um espírito consciente, que tudo vê, que é a alma da planta, sua essência, o que a torna viva”
Preparada a partir do cipó-jagube e da folha chacrona, próprios da floresta equatorial, a ayahuasca induz estados alterados de percepção. A ingestão do líquido costuma provocar vômitos e diarreia, mesmo em usuários de longa data. De acordo com depoimentos dos adeptos, depois da ‘limpeza do organismo’ atinge-se um estágio chamado de miração. Segundo os daimistas, é quando se entra em contato com o Espírito Santo e tem início um processo de autoconhecimento e melhor compreensão do mundo. Nascida nos arredores da Basiléia, no Acre, na década de 20, foi adotada inicialmente por índios e caboclos, mas não ficou presa aos limites da floresta. Com o passar dos anos, migrou para as capitais nortistas, chegou aos grandes centros urbanos e se espalhou para o resto do mundo. Hoje, está presente em meios cultos e nas universidades.
O objeto mais antigo do uso da ayahuasca é uma taça cerimonial feita de pedra, com ornamentação gravada, encontrada na cultura Pastaza da Amazônia equatorial datando de 500ac a 50ad (museu Etnológico da Universidade Central em Quito, Equador). Isto mostra que o uso deste chá remonta cerca de pelo menos 2500 anos
Os principais compostos da ayahuasca tem uma estrutura comum que através de certos mecanismos que influenciam determinadas funções do sistema nervoso central. O fator relevante é a similaridade bioquímica destes compostos com a serotonina neurotransmissora (5-HT). Os alcalóides presentes na ayahuasca, principalmente a harmina e a tetrahidroharmina, inibem a enzima neuronal monoamine oxidase (MAO). Triptaminas (especificamente a n,n-dimetiltripamina = DMT) são derivadas das folhas da chacrona. Inibidores MAO são largamente utilizados na medicina ocidental como anti-depressivos.
A planta ayahuasca já rendeu uma patente (US 5751P concedida em 1986) em nome do empresário californiano Loren Miller, da International Plant Medicine Corporation dos EUA. Loren a chamou de “Da Vine”. Consta na descrição da patente que a planta foi descoberta num quintal doméstico na Amazônia. O detentor da patente reivindicou que Da Vine representava uma nova e distinta variedade de B. caapi, principalmente por causa da cor da flor. Em março de 1999 a CIEL – Center for International Environmental Law, em nome da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA) e da Coalisão
Amazônica (Amazon Coalition), depositou um pedido de reexame desta patente em nome de entidades vinculadas a defesa dos interesses de povos indígenas da Amazônia, alegando tratar-se da apropriação de uma planta sagrada para muitas comunidades e utilizada em suas cerimônias religiosas e de cura. Em novembro de 1999 o USPTO divulgou decisão rejeitando a patente, aceitando o argumento de que a matéria depositada não revelava uma variedade nova de planta. O argumento de Miller era de que a planta por ele depositada se distinguia da ayahuasca porque suas folhas eram inicialmente rosas, e tornavam-se brancas com o envelhecimento da planta, argumento contestado pela CIEL que alega que a ayahuasca também possuía esta característica de descoloração.
Loren Miller contudo recorreu da decisão e conseguiu reverter o parecer inicial, alegando que em sua defesa teve dificuldade de ter acesso os espécimes em questão porque muitos museus, segundo ele, sobre pressão da CIEL, recusavam-se a cooperar. Finalmente em janeiro de 2001 o USPTO decidiu-se pela manutenção da patente. Desta vez, o argumento de descoloração, fator principal usado no pedido de patente para justificar a novidade foi abandonado, alegando-se que as diferenças no formato e tamanho das folhas seriam suficientes para que ficasse caracterizada uma nova espécie. CIEL ficava portanto, impossibilitado de contra argumentar o detentor da patente, e a patente continuou em vigor. Como nos EUA a vigência da patente é de 17 anos contados da data de concessão, restariam apenas dois anos para extinção da patente, ademais o escopo da proteção é tão restrito para possuir qualquer significado econômico, uma vez que a proteção se estenderia a apenas um germoplasma, isto é, a espécime original e as que dela fossem geradas. Ademais nenhum uso potencial da planta em medicina foi pleiteado na patente.
Fonte: http://www.ayahuasca.com/cgi-bin/index.pl
http://www.biopark.org/ayahuasca.html
acesso em janeiro de 2002
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT384839-1664,00.html
acesso em outubro de 2002
http://www.amazonlink.org/biopirataria/ayahuasca.htm
acesso em março de 2003
Revista Panorama de Tecnologia, ano VIII, n. 19, março de 2002