“Controle Biológico da Broca do Café”

A broca do café, que ataca o fruto, tem origem através de um besouro preto, que mede cerca de 1,65 milímetro. Ao ser fecundada, a fêmea perfura o fruto e faz uma galeria de aproximadamente 1 milímetro, até atingir a semente. Lá, ela faz a postura, que resultará no aparecimento de larvas. Essas serão responsáveis pela destruição total ou parcial da semente. O ataque do pequeno besouro pode ocorrer em qualquer estágio de desenvolvimento do fruto: verde, maduro ou seco. O resultado da infestação é uma sensível perda de peso do grão, além do mau aspecto e do sabor prejudicado. Em casos de grande infestação, a perda de peso pode ser superior a 20%, ou seja, mais de 12 quilos por saca de 60 quilos. O grão brocado também é inferiorizado na classificação do tipo do café, que é determinado pelo número de defeitos existentes em amostras. A cada cinco grãos perfurados pela broca, é atribuído um defeito. Outro problema, que provoca a redução de produtividade é a queda dos frutos infestados.

 

O problema da broca do café foi registrado pela primeira vez em 1901, na África. No Brasil, a praga foi introduzida, através do Estado de São Paulo, na década de 1920, época em que o governo, face a persistente instabilidade dos mercados, instituía uma política de defesa permanente do café, principal item da pauta de exportação brasileira. O produtor pode controlar a ação da praga tendo alguns cuidados. É necessário que colheita e limpeza sejam bem feitas, de maneira que frutos não permaneçam na árvore e no chão. Isso evita que a broca sobreviva na entressafra para infestar posteriormente a nova frutificação. Outro detalhe importante é iniciar a colheita pelos talhões mais afetados, pois a praga tem grande poder de infestação. Mesmo após armazenado, o café brocado pode contaminar os cafés sadios. A situação crítica da praga que atingiu os cafezais paulistas na década de 20 levou o Secretário de Agricultura a solicitar a colaboração do Ministério da Agricultura, que prontamente enviou a Campinas Arthur Neiva e Ângelo da Costa Lima para realizarem a identificação da praga, objetivo atingido ao classificar o inseto como o Stephanoderes hampei.

 

Em seguida a comissão discute com grandes agricultores paulistas da Sociedade Rural Brasileira uma solução para a praga. Um destes agricultores, Carlos Botelho, defende a imediata queima de todo o cafezal atingido, enquanto a comissão liderada por Neiva defende o controle da praga segundo uma orientação científica, tese esta que acabou prevalecendo. A Comissão examinou a qualidade e os efeitos sobre o inseto e sobre o café de todos os sulforetos de carbono produzidos ou comercializados no país, selecionando os mais eficientes no combate aos insetos e com menor alteração no sabor do café. Com base nas investigações o laboratório orientou empresas brasileiras como a Elekeiroz e as indústrias Matarazzo, para aperfeiçoarem seus produtos, chegando a um produto que rivalizava com o da própria Merck na Alemanha. Inspetores se encarregavam de verificar as precauções para evitar o alastramento da praga como a catação profilática de todos os frutos caídos no solo e a poda das árvores para evitar que a praga encontrasse alimentos.

Ao fim de três anos a praga foi controlada. Em março de 1929, Adolpho Hempel, assistente chefe da seção de Entomologia e Parasitologia Animal foi encarregado de trazer de Uganda as vespinhas Prorops nasuta, consideradas inimigas naturais da broca. Iniciava-se pela primeira vez no país, o controle biológico de pragas na agricultura. O Instituto organizou uma ampla campanha que envolvia a aclimatização, a reprodução e a distribuição da vespinha entre os fazendeiros. Completava-se assim o combate à broca, com a introdução do controle biológico, que agora passava a ser executado junto ao controle químico e ao mecânico, repasse e catação profilática dos grãos de café. O controle biológico da broca do café por meio da vespa de Uganda tornou-se o principal programa de estudos e observações pelos cientistas do Instituto Biológico, que ainda não tinham uma opinião conclusiva sobre o método, ainda que já tivesse sido experimentado pelos holandeses em Java. Enquanto isso o repasse continuava a ser considerado pelos cientistas como a melhor e mais segura medida de combate à praga.

No período de 1933 a 1940 a Comissão se concentra no combate da praga no extremo oeste de São Paulo, fronteira com Paraná. Para atender ao objetivo de concentrar esforços na luta contra a invasão da broca nas zonas novas, o instituto tendo conseguido o inimigo natural da broca, a vespa de Uganda iniciou a maior campanha de combate a uma praga A campanha consistia num empreendimento penoso e de longo prazo, pois envolvia criar a vespa em condições laboratoriais, já que ela não era nativa do país como o era na Àfrica. As vespinhas eram reproduzidas fora da época de sua reprodução natural para que fossem soltas no cafezal, justamente quando houvesse o desequilíbrio ecológico a favor da broca. Isto exigiu estudos e aperfeiçoamentos na forma de criar artificialmente mais e mais vespas. O esforço de criação de vespas envolveu estudos de biologia do parasita, condições de postura, influência da temperatura sobre o ciclo evolutivo, hábitos de Voo, realizados por dois entomologistas, A. Toledo e J. Bergamini em conjunto com diferentes seções científicas do Instituto.

Arthur Neiva, entre 1924 e 1925, chefia a comissão encarregada de estudar e combater em São Paulo a broca-do-café, praga que atacava as plantações de café, uma campanha de grande responsabilidade pelas enormes dificuldades técnicas e pela importância econômica. Em 1928 desenvolveu trabalho de controle biológico utilizando a vespa de Uganda (Proprops nasuta), parasita de larvas e pupas da broca do café, para controlar a praga Hypothenemus hampei. Sendo uma praga originária da parte central Africana, seria neste continente onde haveria maiores chances de se encontrarem seus predadores naturais. O corpo da vespa adulta é negra-marrom e se alimenta dos ovos de larvas jovens da broca. Porém, a espécie não conseguiu se estabelecer em território brasileiro. Para Neiva “Quando o Brasil se dispuser a entregar à ciência a resolução dos seus problemas econômicos … então a nossa pátria dará ao mundo o exemplo de prosseguir com celeridade sem precedentes”.

Arthur Neiva nasceu em Salvador, Bahia, em 22 de março de 1880. Ainda estudante, trabalha na Inspetoria de Profilaxia da Febre Amarela, participando da campanha de erradicação do mosquito transmissor da doença, promovida, a partir de 1903, por Oswaldo Cruz, diretor-geral de Saúde Pública. Nesse ano, forma-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, concluindo o curso iniciado na capital baiana. Três anos depois, ingressa no Instituto de Manguinhos, onde realiza pesquisas de grande importância em entomologia – ramo da zoologia que estuda os insetos -, aperfeiçoando-se nessa área, em 1910, nos Estados Unidos. Em 1918 o Dr. Arthur Neiva, há longo tempo membro do Instituto Oswaldo Cruz foi convidado a deixar a Argentina, onde estava ajudando o desenvolvimento de um departamento de biologia médica no Instituto Bacteriológico de Buenos Aires, para assumir a direção dos serviços sanitários do Estado de São Paulo.

Em 1927, o interesse de Neiva pelos problemas agrícolas do Estado levaram à fundação do importante Instituto Biológico (calcado no Instituto Oswaldo Cruz) destinado a pesquisas nas ciências agrícolas da mesma forma que o Instituto Oswaldo Cruz realizava pesquisas nas ciências sanitárias. Seu sucessor como diretor do Instituto Biológico foi o vice-diretor Dr. Henrique da Rocha Lima, antigo membro da equipe de Manguinhos, que havia voltado ao Brasil após longa e bem sucedida carreira de pesquisas na Alemanha.

Instituído em 1927, graças ao empenho e a habilidade política de Artur Neiva que soube capitalizar o sucesso de uma comissão por ele chefiada contra a broca do café, o Instituto Biológico constituiu-se durante muito tempo num paradigma de pesquisa científica em moldes modernos. Quem muito influenciou nesse sentido foi Henrique da Rocha Lima, seu diretor a partir de 1932. Experiente pesquisador que labutara cerca de 20 anos no ambiente científico alemão, Rocha Lima conseguiu impor um padrão de pesquisa invejável para a época no Instituto. Destarte, este adquiriu rapidamente uma posição de liderança em pesquisas fitopatológicas e bacteriológicas. Interessante notar que embora mais aberta e flexível na sua estrutura, prefigurando uma verdadeira universidade, o Instituto Biológico sofreu influência de Manguinhos, porquanto muitos dos seus pesquisadores como Otto Bier, José Reis e Adolpho Martins Penha eram originários do mesmo. Cabe aqui um parênteses para apontar o que na realidade significou a existência de um centro de pesquisas de qualidade como Manguinhos que se projetou noutros, impondo um padrão de investigação suficientemente elevado, capaz de vencer os desafios colocados tanto pelos problemas científicos quanto pelos tecnológicos. Não é por acaso que também o Instituto Biológico vai ter um papel irradiador no cenário científico brasileiro”.

 

Fonte:

http://www.ferobio.ufv.br/relatorio/cbpb.htm

http://www.coffeebreak.com.br/ocafezal.asp?SE=4&ID=22

http://www4.prossiga.br/chagas/traj/links/textos/arthur.html

http://www.ioc.fiocruz.br/pages/personalidades/ArthurNeiva.htm

http://www.fiocruz.br/historia/contribuicoes.htm

http://www.iicasaninet.net/pub/sanveg/html/broca/control.html

 

acesso em julho de 2002

Gênese e Evolução da Ciência Brasileira, Nancy Stephan, Ed. Artenova, 1976, página 123

Ciência e Tecnologia e a história da dependência do Brasil, Shozo Motoyama, RBT – Revista Brasileira de Tecnologia, v.15(3) maio/junho 1984

História, Ciência e Tecnologia, 70 anos do Instituto Biológico de São Paulo na defesa da agricultura 1927-1997, de Maria Alice Rosa Ribeiro

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