Na primavera de 1958, depois de atuar no secretariado de uma comissão de radiações nas nações Unidas, Gross visitou o professor Trump, que trabalhava no Instituto tecnológico de Massachusetts (MIT) e era um dos colaboradores do van de Graaf. Ele tinha um problema curioso, exatamente dentro da especialidade do prof. Gross. Era o caso das células dos chamados laboratórios quentes, onde se trabalhava com fontes radioativas altas. Esses laboratórios têm janelas de vidro com uma espessura de uns 50 a 80 centímetros, para proteção contra radiação. Observou-se que vários desses vidros haviam sido destruídos por rupturas elétricas, aparentemente sem qualquer irradiação de partículas, a não ser por raios gama, que não são carregados. Parecia muito estranho que se produzissem rupturas elétricas. Além do aspecto científico, havia também interesse comercial no assunto. E como Gross havia estudado efeitos de ruptura em dielétricos irradiados com elétrons, o professor Trump ofereceu-lhe uma ajuda de custo para estudar o fenômeno.
Gross lá permaneceu por dois ou três meses. Ele acreditava que se tratava do seguinte fenômeno: quando os raios gama atravessam a matéria, projetam para frente elétrons secundários Compton. Estes elétrons espalhados para frente constituem uma corrente elétrica. Eles são logo capturados por armadilhas, mas de qualquer maneira o material fica polarizado. Gross formulou a ideia de que isto causaria a ruptura e começou a trabalhar com um americano que se mostrou interessado. Conseguiram algumas evidências experimentais ao que Gross propôs uma publicação, que o americano não aceitou. Ao retornar ao Brasil, o americano encerrou as pesquisas, o que deu liberdade a Gross para continuar. Ele contou com o apoio de Edgar Meyer e de Preston Murphy tendo se utilizado de uma fonte de tele terapia do professor Ozalano Machado. Eles começaram as medidas usando um detector muito simples, construído com pouquíssimo dinheiro: a despesa eram alguns quilos de chumbo e uma chapa de plexiglás. Como medidor, foram usados dosímetros de bolso e um eletrômetro Keithley que Murphy havia trazido dos Estados Unidos.
Foram feitas medidas sistemáticas dessas correntes elétricas geradas por raios gama, que Gross chamou de correntes Compton. Um primeiro trabalho foi publicado em inglês na revista alemã Zeitschrift fur Physik, apresentando resultados que já continham todos os elementos essenciais. Imediatamente Gross concluiu que daquele efeito deveria permitir a construção de dosímetros, o que o fez solicitar patentes no Brasil, Estados Unidos e Alemanha. Em 1960 e 1961 foram publicados trabalhos sobre a teoria do dosímetro e apresentados resumos desses trabalhos em vários congressos da Agência Internacional de Energia Atômica. A ideia de que os raios gama pudessem produzir uma corrente elétrica parecia estranha aos especialistas americanos e alemães que se recusaram a acreditar.
As correntes Compton produzidas nas explosões nucleares são tão elevadas que produzem campos eletromagnéticos muito fortes, capazes de se propagar por grandes distâncias, interferindo nas telecomunicações. Gross conclui: “Eu tive a grande felicidade, ou infelicidade, de, não digo fazer uma descoberta, mas de fazer uma observação que teve consequências certamente de grande importância técnica, mas que pela própria natureza do assunto, só podia ser de interesse para alguns países tecnicamente avançados”
O chamado efeito Compton, por sua vez, foi descoberto pelo físico Arthur Compton, que lhe rendeu o Nobel de Física de 1927. O efeito Compton foi uma confirmação convincente do conceito de fóton como um pacote concentrado de energia. Em seus experimentos Compton demonstra que feixes de raios X não se comportavam como uma onda, mas sim como um conjunto de fótons de energia e que esses fótons sofriam colisões, do tipo das bolas de bilhar, com os elétrons livres do bloco de espalhamento. Os fótons de recuo emergentes do bloco constituíam, segundo este ponto de vista, a radiação espalhada. Como o fóton incidente transfere parte de sua energia ao elétron com que colide, o fóton espalhado possuirá uma energia menor e deverá ter portanto uma frequência menor (E=hf). Nota-se o quanto este modelo de espalhamento de raios X, considerados como partículas, é diferente do baseado na teoria ondulatória.
Fonte:
Cientistas do Brasil, SBPC, 1998, páginas 143 a 157
Física IV, Haliday e Resnick, edição 3, Livro Técnico e Científico página 283
Acesso em junho de 2002