Uma nova família de filtros químicos com potencial para uso em laboratórios e indústrias foi elaborada por pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). São filmes finos e microscópicos, compostos de fibras ou membranas de celulose com uma cobertura de óxidos metálicos, numa junção chamada de compósito. Esses filtros têm características seletivas e, de acordo com a sua formulação, conseguem identificar em meio a inúmeras substâncias, durante uma análise química, apenas aquela em que os pesquisadores estão interessados. Um exemplo é a identificação do crômio 6, um elemento de alto potencial tóxico tanto para o homem como para o ambiente, que ocorre em rejeitos industriais, principalmente em efluentes de curtumes. Em geral, essa substância está acompanhada do crômio 3 (pouco tóxico), dificultando a sua localização. Com o desenvolvimento de um compósito de óxido de titânio e celulose, que funciona como um filtro, é possível detectar níveis ínfimos de crômio 6.
A pesquisa foi coordenada pelo professor Yoshitaka Gushikem, do Departamento de Química Inorgânica do Instituto de Química da Unicamp. O projeto Propriedade de Compósitos de Óxidos Metálicos/Celulose: Desenvolvimento de Novas Membranas e Fibras Quimicamente Modificadas foi financiado pela FAPESP por meio do programa de Auxílio à Pesquisa. O trabalho, executado entre 1997 e 1999, garantiu um pedido de patente e a publicação do capítulo Preparation of Oxide-Coated Cellulose Fiber, no livro Polymer Interfaces and Emulsions, editado nos Estados Unidos pelo professor Kunio Esumi, da Science University of Tokyo, do Japão. Embora os compósitos celulose/ óxidos metálicos ainda estejam restritos à universidade, suas aplicações potenciais na indústria são grandes. Eles poderão, por exemplo, retirar todos os metais pesados presentes no etanol usado como combustível. Outra aplicação desse filtro seria a retirada de cobre da cachaça, garantindo uma bebida mais pura. Pequenas quantidades desse metal são encontradas na cachaça porque a destilação acontece em alambiques com esse material.
Para a fabricação dos compósitos são utilizadas substâncias que reagem de acordo com o que se quer detectar, filtrar ou imobilizar. A variação ocorre com a escolha do metal. Eles são ligados ao oxigênio, por isso são chamados de óxidos metálicos. De acordo com Gushikem, seria difícil utilizar outras substâncias no lugar de óxidos metálicos. Ácidos e bases, na maioria das vezes, não têm metal na composição e não ficam depositados sobre a celulose. Além disso, os óxidos metálicos permanecem insolúveis no meio líquido em que acontecem as reações químicas. O aspecto de um óxido metálico, composto de partículas microscópicas, é de um pó fino muito disperso como um talco finíssimo. A celulose foi escolhida por ser estável tanto no aspecto mecânico como químico. Os pesquisadores estavam acostumados a fazer camadas finíssimas de óxidos metálicos sobre outras superfícies como a sílica. Com o know-how de anos de pesquisa, ficou mais fácil desenvolver os filtros substituindo sílica e outros substratos por celulose. Quando aquecida, manipulada ou inserida em meio a outras substâncias químicas, ela não se quebra, não se esfarela e não é destruída facilmente. Para formar o filtro é preciso recobri-la com películas extremamente finas, constituídas de óxidos metálicos de titânio, zircônio, antimônio, alumínio ou nióbio.
Essa fibra ou membrana de celulose recoberta por uma película de óxido metálico recebe o nome de compósito de óxido metálico/celulose porque não há uma nova formulação química após a reação. Entre as vantagens do uso da celulose na construção dos filtros estão a facilidade em moldá-la na forma de fibras ou membranas e seu caráter renovável, já que é um biopolímero, ou seja, um polímero encontrado na natureza. Os polímeros são agregados de moléculas simples, que se repetem inúmeras vezes, numa estrutura tridimensional. As moléculas se unem tanto no sentido horizontal, umas do lado das outras, quanto no vertical, umas acima e abaixo das outras. No caso da celulose, cada molécula é constituída por duas unidades derivadas da glicose e unidas por um átomo de oxigênio. Essa molécula pode se repetir por 1 mil, 10 mil ou 100 mil vezes. As fibras são retiradas de um tecido vegetal, de uma planta, do jeitinho que estão nesse vegetal, por meio de processamentos químicos. Elas podem ser posteriormente transformadas em membranas por processo mecânico, como um esmagamento sob pressão. Nesse caso, em vez da fibra que se assemelha a um fio, se obtém a membrana, com uma superfície formada pelas fibras pressionadas.
Gushikem diz que o grande segredo do projeto foi vencer a relativa inércia química da celulose, que é muito pouco reativa sozinha. “Quando filmes finos de óxidos metálicos são colocados sobre sua superfície, eles funcionam como uma interface de ligação entre a celulose e outras substâncias químicas, ou seja, a celulose se torna mais reativa”, explica. A patente originada no projeto e requerida ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) pela Unicamp refere-se ao processo de preparação de um polieletrólito solúvel em água que foi imobilizado sobre celulose modificada com óxido de alumínio. Os inventores são o professor Gushikem e os alunos de pós-graduação Reni Ventura da Silva Alfaya e Antônio Alberto da Silva Alfaya.
O polieletrólito, tema da patente, é um tipo de íon gigante, positivamente carregado, que em contato com o compósito celulose/ óxido de alumínio forma filmes finos sobre o óxido de alumínio, deixando essa superfície positivamente carregada. Por enquanto, o polieletrólito está em uso apenas no laboratório, mas o potencial de aplicação é bastante amplo. Gushikem explica que polieletrólitos são trocadores aniônicos, ou seja, substituem íons negativos por outros íons negativos. Nas indústrias, esses trocadores são utilizados em conjunto com os catiônicos (substituidores de íons positivos) em processos de dessalinização de água industrial. Exemplos desse uso são as caldeiras, que precisam de água muito pura para seu funcionamento, e os reatores nucleares instalados em prédios com grandes piscinas de água dessalinizada. O professor Gushikem diz que outra aplicação importante do polieletrólito será a subsituição de fosfato ou nitrato da água do mar por um tipo de cloreto. Essas duas substâncias, mesmo em níveis relativamente baixos, trazem problemas sérios de poluição para o ambiente marinho. A troca de íons com o polieletrólito, nesse caso, é uma alternativa para despoluir a água.
Yoshitaka Gushikem, 58 anos, formou-se no Instituto de Química da USP e fez doutorado na mesma universidade. Concluiu o pós-doutorado no Japão, na área físico-química. É professor do Departamento de Química Inorgânica do Instituto de Química da Unicamp, onde leciona desde 1971. Gushikem recebeu duas vezes o prêmio Zeferino Vaz, da Unicamp, de reconhecimento acadêmico, em 1997 e 1999.
Fonte:
http://www.fapesp.br/tecnolog57.htm
http://www.iqm.unicamp.br/profs/gushikem.html
acesso em abril de 2002
Cronologia do Desenvolvimento Científico e Tecnológico Brasileriro, 1950-200, MDIC, Brasília, 2002, páginas 350
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