Conta-se no Peru que quando certas aves são picadas por cobra, alimentam-se das folhas de guaco para contrabalançar a ação do veneno. Não por acaso, no Brasil, um dos nomes populares da planta é erva-das-serpentes. É sempre importante reiterar porém que a sua apregoada ação antiofídica ainda não foi suficientemente estudada. Pio Corrêa, no clássico Dicionário das Plantas Úteis do Brasil, cita outros usos tradicionais no tratamento de histeria e cólicas menstruais. Mas é na propriedade expectorante das suas folhas que reside a característica verdadeiramente consagradora, razão de ser de diversos estudos e principal responsável pela sua ampla disseminação. Inúmeros xaropes receitados pela medicina convencional são feitos à base da erva, cuja prescrição é bastante difundida em postos de saúde, constituindo-se num dos fitoterápicos mais usados no país.
Porém, nem todas as suas propriedades foram investigadas. Em testes realizados no CPQBA – Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas, SP, por exemplo, os extratos da planta têm se mostrado eficientes no tratamento de úlceras em ratos. Um de seus componentes apresentou também atividade antitumoral. Mas é importante salientar o caráter experimental desses testes de laboratório. E, principalmente, não omitir seus efeitos colaterais. Eles existem e são sérios. Antes que se pense no guaco como uma nova panacéia curativa para o câncer, é bom saber: o mesmo composto que destruiu as células tumorosas pode ter originado mutações em células normais. Até 15 anos atrás, as folhas de guaco utilizadas nos medicamentos vinham direto da Mata Atlântica. A planta é muito comum nas beiradas das florestas da Serra do Mar. Hoje em dia, já há plantações.
O guaco é um arbusto lenhoso que precisa fazer uma verdadeira ginástica de contorcionista de circo para exercer sua vocação de planta trepadeira. Como não possui gavinhas, sobe em espiral, enrolando seu caule em suportes que encontra pela frente. A inflorescência em tom creme é singela e tem reduzido efeito ornamental. Mas seu perfume intenso é inconfundível e pode ser identificado a distância, especialmente após um dia de chuva. A planta é altamente melífera. Durante a floração na primavera, credencia-se como um dos pontos de encontro preferidos das abelhas. Quando amassada, sua folha em forma de lança libera um aroma que lembra um pouco o da baunilha.
O guaco brasileiro habita as bordas da Mata Atlântica litorânea. Nas encostas da Serra do Mar, viceja em altitudes de até 800 metros. Áreas semi sombreadas são as suas preferidas, mas ele cresce a sol pleno também, embora apresente excesso de inflorescências nesse caso. O mesmo ocorre em relação aos solos. Os argilosos e argilo-arenosos são mais indicados, mas a planta se adapta razoavelmente bem em outros tipos de terreno. Flexível até na sede, exige pouca água até os seis meses.
Está provado que o chá de guaco age dilatando os brônquios, mas os mecanismos dessa ação, como o efeito se desencadeia pelo metabolismo humano, ainda não foram totalmente decifrados. O que se sabe com segurança é que o chá deve ser feito com folhas frescas, já que elas perdem as propriedades químicas rapidamente. É possível que o princípio ativo da ação expectorante seja responsável também pela redução da acidez no estômago de ratos de laboratório, diminuindo assim as lesões ulcerosas. Outra qualidade pouco conhecida dessa trepadeira foi detectada na Faculdade de Odontologia da Unicamp. Os testes avaliaram a ação antiplaca de 20 extratos de plantas diferentes. O do guaco foi o que apresentou os melhores resultados. Há uma precaução no entanto com o seu uso por hemofílicos. Um dos compostos da planta pode alterar a coagulação do sangue, causando hemorragias. Mesmo para quem não sofre do mal, recomenda-se evitar o seu uso prolongado. Outro motivo para cautela: doses altas podem causar vômitos e diarreia.
O herborista Máximo Ghirello, de Campinas, que incorpora fundamentos da medicina chinesa ao seu trabalho, indica um tratamento preventivo com chá. Tomado no outono, segundo Ghirello, ele tonifica e ativa os pulmões, preparando-os para o período de inverno, quando são mais requisitados e se tornam mais vulneráveis. A recomendação é tomar o chá três vezes ao dia, durante dez dias. A colheita das folhas deve ser feita com tesouras de poda, retirando-se ramos secundários e preservando-se o tronco principal. A operação pode ser realizada duas vezes por ano: em meados da primavera e no início do outono.
Outro estudo científico da Unicamp descobre propriedades no Guaco que vão além do seu uso como matéria prima para chás e xaropes expectorante. O Guaco, um tipo de cipó-trepadeira encontrado na Mata Atlântica usado há muitos anos na medicina popular para resolver problemas respiratórios, acabou de ter sua capacidade de cura testada e comprovada por pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). O estudo, feito pelo Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas da universidade, constatou o efeito da erva no combate ao câncer, úlcera, infecção por microrganismos, além da prevenção da cárie.
As experiências in vitro do Guaco contra a placa dental bacteriana e desenvolvimento da cárie duraram dezoitos meses. A ação terapêutica foi eficiente no combate ao estreptococos do grupo mutans, responsáveis pela placa. Os resultados demonstraram que o efeito foi conseguido com pouca quantidade de erva o que significaria o desenvolvimento de um medicamento mais barato. Já os efeitos contra a úlcera começaram a ser descobertos em 1998, da parceria entre Vera Lúcia Garcia, coordenadora das pesquisas, e João Ernesto de Carvalho, coordenador de Farmacologia e toxicologia do CPQBA da Unicamp. Os testes feitos em ratos demonstraram que uma das substâncias presentes no Guaco, a cumarina, e outros extratos da erva inibem a secreção de ácido pelo estômago. Essa diminuição ocorre com o bloqueio dos receptores do neurotransmissor acetilcolina.”Uma das descobertas aponta que o guaco é muito mais eficiente no combate à úlcera gástrica do que inúmeras outras plantas utilizadas regularmente na composição de medicamentos para a doença”, conta Vera. Isso porque os extratos e a cumarina presentes na planta bloqueiam os receptores do neurotransmissor acetilcolina, diminuindo a secreção de ácido produzida pelo estômago. O mecanismo de ação é semelhante ao que ocorre no sistema respiratório – o bloqueio aos mesmos receptores provoca a broncodilatação e a diminuição da secreção brônquica. Neste caso, a espécie utilizada é a Mikania laevigata.
No sistema respiratório também ocorre o bloqueio desses receptores possibilitando uma broncodilatação e a diminuição da secreção brônquica- isso já descoberto pela medicina popular e agora provado cientificamente. Além da cumarina, estão sendo testados outros princípios ativos do Guaco, como os ácidos diterpêndicos. Os pesquisadores usaram a técnica in vitro para colocar o extrato da erva em contato com 5 tipos de linhagens tumorais (mama, mama resistente aos medicamentos tradicionais, melanona, leucemia e pulmão). Os resultados foram muito positivos com o melanona (mais comum tipo de câncer de pele): 78% das células cancerígenas foram eliminadas. Nos demais tipos de tumores o índice ficou entre 40% e 50%. “Cada tipo de câncer é uma doença com etiologia, tratamento e evolução diferente, é muito difícil descobrir uma droga eficaz em todos os tratamentos”, afirma Carvalho. Outra etapa está em andamento, na qual será testada uma medicação contra o câncer de próstata, ovário, rim e cólon. Ainda não se sabe se o Guaco pode ter algum efeito tóxico com a células saudáveis. Folhas de Guaco foram amplamente coletadas na Mata Atlântica para uso de medicamentos fitoterápicos. Atualmente, há cultivos comerciais, principalmente no Paraná. A própria pesquisa da Unicamp começou pela parte agrícola, focalizando o desenvolvimento de um sistema de cultivo que evitasse o extrativismo predatório.
O médico medieval Fracastoro em sua obra “Sifílide ou morbo gálico” publicada em 1530 enaltece os efeitos do guaco, descoberto poucas décadas atrás na América e considerada como miraculoso na cura da sífilis. A descoberta do uso dessa planta como medicamento é atribuída pelo autor a um dos deuses. Na sua descrição poética aparece a figura do jovem pastro Sífilo, de quem a moléstia tomou o nome numa invenção do próprio Fracastoro. Sífilo contraíra o terrível mal como castigo por ter blasfemado contra o Sol. Arrependido ele suplicava perdão aos deuses, até que Diana se comoveu e prometeu fazer com que ele encontrasse o remédio depois de acompanhá-la em uma viagem ao país dos mortos. Na volta a deusa lhe entrega um ramo de guaco.
Fonte: http://epoca.globo.com/semanal/_materias/saudea.htm
http://globorural.globo.com/barra.asp?d=/edic/181/fichaplanta1.htm
http://galileu.globo.com/nd/nd_ler.asp?imat=1443
acesso em maio de 2002
Medicina e Saúde, História da Medicina, vol, 1, Ed. Abril, 1969
http://200.177.98.79/jcemail/Detalhe.jsp?id=3520&JCemail=2077&JCdata=2002-07-17 acesso em julho de 2002