Dificuldades para conseguir incentivos e burocracia são alguns problemas.
Professor da UFF esperou 13 anos para conseguir patente de medicamento.
Inovar não é só ter uma ideia boa. É também uma questão de ousadia e de persistência. Na última reportagem da série que o Jornal Nacional apresenta nesta semana sobre o esforço de brasileiros para inovar, a Sandra Passarinho mostra que a lista de problemas vai da dificuldade para conseguir incentivos até o excesso de burocracia.
Essa não é uma nebulização comum. A fumacinha é de um medicamento inovador para tratar o câncer de cérebro.
“Eu não fazia planos para o carnaval do ano que vem, uma viagem. Eu não fazia planos a longo prazo, porque eu não sabia se ia estar viva. Agora eu faço planos”, disse a advogada e paciente Lourdes Sauer.
A substância que traz uma esperança para pacientes é chamada de álcool perílico, um óleo extraído de frutas cítricas, como o limão. A novidade descoberta pelo médico da Universidade Federal Fluminense e sua equipe é que a inalação desse óleo pode reduzir o tumor e controlar a doença, complementando o tratamento convencional. Doutor Clovis começou a aplicar testes em pacientes e o tratamento continua em fase experimental.
Lourdes descobriu o câncer em 2009, operou, e desde 2013 faz a inalação do álcool perílico.
Sandra: O tumor reduziu?
Lourdes: Está totalmente inerte. Ele não está em atividade. Ele está quieto.
Sandra: Isso aparece nos resultados?
Lourdes: Sim, sim.
O médico demorou 13 anos até conseguir a patente da inovação, concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 2014, e extinta meses depois, no mesmo ano, por falta de pagamento de uma anuidade. Ele só recuperou a patente em junho de 2017, depois de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.
O próximo passo é procurar uma indústria que se interesse em produzir o medicamento, se o resultado final dos testes for positivo. A burocracia e o longo tempo perdido atrapalham o futuro dos projetos, na opinião do doutor Clovis.
“Os investidores querem segurança e nós não podemos dar essa segurança devido ao nosso atraso no sentido de tecnologia e inovação”, explicou o pesquisador Clovis Orlando da Fonseca.
Cinco universidades americanas estão interessadas em fazer testes clínicos com esse álcool.
“Nós temos pressa. ‘Mas é porque ainda não saiu lá no ministério. Ah, porque depende’. Não interessa. Para a gente, não interessa. Interessa é ter o remédio hoje. E quem tem câncer tem pressa”, afirmou o engenheiro e paciente Fernando Moreira.
O INPI começou, em 2016, a facilitar o exame dos pedidos de patente na área da saúde, considerados estratégicos para o SUS. Nesse caso, quem solicita pode passar à frente na fila de espera, que tem mais de 200 mil pessoas. Mas o presidente do INPI reconhece a enorme dificuldade para se conseguir a maioria das patentes no Brasil.
“O trâmite de uma patente hoje está estimado em 10 anos e 9 meses. A nossa capacidade de exame técnico hoje é de cerca de 9 mil patentes por ano. E, nos últimos 3 anos, a média de pedidos que o INPI tem tido é 30 mil pedidos. Então nós estamos sempre aquém”, explicou o presidente do INPI, Luiz Otávio Pimentel.
A dificuldade para obter uma patente ajuda a manter o Brasil em baixa no índice global da inovação. Pense no ranking da inovação como uma ladeira em que o ideal é chegar ao topo e quanto mais alto melhor. Subir, é claro, é sempre mais difícil do que cair, porque a competição entre os países só aumenta. Mas onde estamos?
Entre 2011 e 2016, o Brasil caiu do 47º lugar para o 69º. Na região da América Latina e Caribe, o Brasil ficou atrás do Chile, Costa Rica, México, Uruguai, Colômbia e Panamá. E estamos a uma longa distância dos cinco primeiros colocados: Suíça, Suécia, Holanda, Estados Unidos e Reino Unido.
O Brasil investe apenas 1,27% do PIB em pesquisa e desenvolvimento e 2/3 desse dinheiro vêm apenas do estado. O professor Caetano Penna, da UFRJ, diz que essa situação precisa mudar. Ele acredita que inovar tem que ser um esforço coletivo.
“A inovação vem das empresas, mas o estado tem um papel de coordenar e também de fomentar a inovação com financiamento ou com outras políticas estratégicas. A inovação é esforço coletivo, então quando nós juntamos diferentes cérebros jovens dentro do mesmo espaço, o potencial de gerar ideias inovadoras é muito grande”, afirmou o economista Caetano Penna.
Veja um exemplo dessa iniciativa no Senai Fab Lab, um laboratório de fabricação. Os primeiros passos rumo à inovação levam a esse ambiente informal onde a única regra é criar com rapidez, em pequena escala e para desenvolver produtos que atendam a interesses das indústrias.
Os garotos estão quebrando a cabeça para criar um protótipo de uma nova máquina para fazer chapas metálicas. A encomenda é de um fabricante que não tem obrigação de comprar a peça.
“Na parte do protótipo, teve uns problemas que a gente montava e não é assim e desmonta. Até conseguir chegar nisso foram muitas dificuldades, muitos desafios”, contou uma aluna.
“Além de você saber que está tendo uma crise, está difícil lá fora, isso te motiva ainda mais”, contou outro estudante.
Semanas de preparo e de vai e vem no laboratório, e o protótipo está pronto. Hora de o empresário conferir a inovação e fazer um ajuste final: “Agora vai funcionar. Corta automático. Antes era um funcionário que vinha aqui e fazia”, disse o empresário Orlando Marques.
Sandra: Cortava manualmente?
Orlando: Exatamente. Ele já sai e já cai aqui.
Sandra: Pelo o que o senhor está dizendo, esse protótipo está aprovado?
Orlando: Está aprovado por mim! A gente precisa das ideias desses jovens, porque às vezes a gente não dá atenção para certas coisas e são até óbvias.
“Tem faltado inovação, tem faltado aquela pessoa que pensa diferente, porque é tudo naquela metodologia. É tudo naquela rotina. Mas, às vezes, é necessário você se desafiar. Ás vezes é necessário você sair daquilo que você está acostumado para você ver que existe outro horizonte”, declarou a técnica em eletrônica Juliana Ferreira da Silva.
No passado se achava que o inovador era um gênio da lâmpada. Bastava acender e surgia uma grande ideia. Mas como a gente acabou de ver nessa reportagem, hoje em dia, as inovações em geral surgem de uma troca de experiências entre pessoas que de alguma forma descobrem um novo significado em coisas que já existem. O amanhã será um outro dia para tentar reinventar a vida.