Nascido na atual República Tcheca em 1920 e naturalizado brasileiro, trabalhando atualmente na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desde que se aposentou na USP. Gottlieb criou uma nova forma de organizar e entender os vegetais, a base da vida na Terra. Seu pai tinha uma fábrica de transformação química de óleos essenciais para perfumaria, onde logo começaria a trabalhar. Otto executava reações químicas com óleo essencial de pau-rosa, mas como filho do dono da empresa, cuidava também da administração. Um dendrólogo (analista da composição de florestas) achava que não se extraía direito o óleo essencial da árvore, pois seus resíduos queimavam muito bem (o que comprovaria a presença de vestígios de óleo). Após pesquisar o caso, Otto descobriu que a extração de óleo era quase completa, o motivo da queima eram outros materiais combustíveis presentes, que não propriamente o dito óleo. Começava ali a carreira científica de Gottlieb, que a partir de então, passaria a estudar substâncias naturais do Brasil, sobretudo da Amazônia.
Otto explica o sistema de nomenclatura orgânica por ele desenvolvido: “Quem isola e descreve um grande número de substâncias naturais de estruturas habitualmente complexas vê-se as voltas com o verdadeiro bicho de sete cabeças, a nomenclatura. As regras são tão variadas e complicadas que nem a consulta a um livro garante a formulação correta. Com Maria Auxiliadora Kaplan, elaborei um novo sistema de nomenclatura, em que uma estrutura tridimensional orgânica é figurada como uma forma geométrica composta de nodos (representando os átomos) e ligações. A natureza química e a posição relativa dos nodos são descritos por um sistema numérico. Não há necessidade de memorizar termos empíricos e basta conhecer rudimentos de química para poder aplicar o sistema mesmo à estrutura mais complexa imaginável”.
Integrando a química à biologia, à ecologia e à geografia, Gottlieb desenvolveu uma nova disciplina ou área de estudo no campo da química de produtos naturais: a sistemática bioquímica das plantas, também chamada de quimiossistemática ou taxonomia química, que consiste na identificação de grupos de substâncias químicas presentes nas plantas. Quantificando as substâncias químicas das espécies, foi possível acrescentar informações valiosíssimas à habitual classificação dos vegetais, fundamentada, sobretudo nos seus aspectos externos, como folhas e flores. Tradicionalmente as plantas são classificadas de acordo com as suas características morfológicas. Desde o início da botânica científica procurou-se comparar morfologia e moléculas, mas frente a ausência de métodos para correlação quantitativa dessas características (ambas expressões do fenótipo) os resultados eram necessariamente descritivos. Com a sistemática bioquímica, proposta por Gottlieb, dados morfológicos começaram a ser quantificados em índices de avanço evolutivo, assim consegue-se mostrar, por exemplo, que coníferas (pinheiros) e plantas floríferas são desenvolvimentos paralelos, tendo sua origem, respectivamente em samambaias primitivas e avançadas. Uma mesma planta, como Gottlieb demonstrou, pode produzir metabólitos diferentes de acordo com o ambiente onde vivem de suas condições fisiológicas (se está plenamente sadia ou não) e de situações de estresse, como a escassez de água, altas temperaturas ou geadas.
A classificação de Lineu, relativamente simples, ampla e prática, continua indispensável. Mas o enfoque químico resolve alguns impasses e permite entender algumas peculiaridades da natureza. Ao contrário da primeira, essa é uma abordagem dinâmica, que parte da verificação de que as plantas, até mesmo dentro de uma mesma espécie, produzem diferentes substâncias de acordo com os estágios de sua vida ou das condições ambientais em que encontram.
Enriqueceu a classificação botânica tradicional e identificou centenas de substâncias denominadas lignóides, uma característica marcante das plantas arbóreas. E, dentro desse grupo, descobriu as neolignanas, que, segundo ele, são sintetizadas pelos vegetais em condições diferentes das lignanas, já conhecidas. A identificação dessas substâncias possibilitou novas pesquisas que levaram ao desenvolvimento de fármacos como o etoposídeo e o teniposídeo, sintetizados pela indústria farmacêutica e empregados como antitumorais. As neolignanas descobriu-se mais tarde, possuem também propriedades antiinflamatórias. Boris Vargaftig, do Instituto Pasteur de Paris conseguiu confirmar o fato após testes específicos.
Gottlieb lançou o modelo que levaria a essas descobertas num congresso internacional realizado em Hamburgo, na Alemanha, em 1976, e foi muito bem recebido pela comunidade científica, vencendo o ceticismo sobre a possibilidade de unir a química à biologia na classificação dos vegetais. “O que eu sei, passo adiante.” A frase de Galileu Galilei abre a versão integral do currículo do professor Otto Gottlieb (um volume de mais de 300 páginas) – e não poderia ser mais apropriada. Além de autor de importantes descobertas científicas, Gottlieb é o grande formador da escola de química orgânica e de produtos naturais no Brasil. “Todos os grupos de química de produtos naturais são seus ‘filhos’ ou ‘netos'”, diz a farmacêutica Maria Renata Borin.
Uma importante iniciativa no contexto do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular Tropical para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia – Probem foi a criação do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) que, embora ainda esteja em construção em Manaus, mantém suas atividades de pesquisa em ritmo constante. Várias delas vêm sendo desenvolvidas em diversos laboratórios da Rede de Laboratórios associados à Bioamazônia – uma organização social criada no âmbito do Probem para gerir todas as suas iniciativas – distribuídos pelas instituições de ensino e pesquisa do País. Entre eles destaca-se o Laboratório de Química de Produtos Naturais do Instituto de Química da USP (LPQN), que tem por objetivo estudar substâncias antichagásicas, moluscicidas, inseticidas e antifúngicas. Com uma longa tradição no estudo da flora amazônica, é um dos que mais contribui para o conhecimento da química de espécies arbóreas da Amazônia, principalmente as lauráceas e miristicáceas. Sob a liderança do professor Otto Gottlieb, o grupo de pesquisa descreveu entre os anos de 1975 e 1990 centenas de novos produtos naturais, sendo que uma nova classe foi descoberta e introduzida na literatura, as neolignanas. Mais recentemente, sob a coordenação do professor Massuo Jorge Kato, foi demonstrado que a composição química nos diversos tecidos das espécies até então investigadas é um processo dinâmico, dependente das estações do ano e das necessidades das plantas. Esse estudo sugere que a diversidade de substâncias é muito superior ao que se imaginava.
Fonte:
http://www.fapesp.br/politcietec43.htm
http://www.uol.com.br/cienciahoje/perfis/gottlieb/gotlieb1.htm
Cientistas do Brasil, SBPC, 1998, página 310
acesso em dezembro de 2001
http://www.usp.br/jorusp/jusp511/manchet/rep_res/rep_int/boxpesqui3.html
acesso em agosto de 2002