O escargot sempre foi conhecido como uma iguaria da cozinha francesa, tanto pelo seu sabor quanto pelo seu aspecto pouco atraente. Agora, cientistas descobriram mais dois benefícios proporcionados pelo animal: seu alto valor nutritivo e seu possível uso para fins medicinais. Além de ter uma carne rica em proteínas, o molusco secreta substâncias cicatrizantes, usadas por pesquisadores da Universidade de São Paulo para desenvolver uma pomada de aplicação animal, batizada Akatine.
Quase por acaso, após um pequeno acidente, Maria de Fátima verificou que a saliva do escargot é um eficaz cicatrizante. Em 1995, o engenheiro florestal Pedro Pacheco, que a acompanha nas pesquisas, cortou-se no pulso com uma lâmina afiada. Em uma parte do ferimento, fechado com dez pontos, resolveu passar a tal saliva, secreção, muco ou, como é mais chamada, a baba do escargot. Pacheco ficou espantado com o resultado. “Nesse trecho os pontos caíram e o corte fechou em três dias”, relata. “Onde não passei o muco os pontos só foram retirados sete dias depois e mesmo assim o corte abriu.” Maria de Fátima, que conhecia essa propriedade terapêutica do muco apenas de remotas referências bibliográficas, partiu para os testes microbiológicos. Confirmou as propriedades antimicrobianas e constatou que a saliva, liberada em abundância pelo animal, é rica em alantoína, uma proteína regeneradora de células da pele. A partir daí, chegou a uma pomada cicatrizante, testada com resultados animadores em coelhos, ratos e camundongos.
Ao observar que as mãos ficavam macias e pequenos cortes cicatrizavam em contato com o muco produzido pelos moluscos, os pesquisadores começaram a estudar as propriedades das substâncias secretadas pelos esgargots. “Já investigamos sua ação cicatrizante em ratos, coelhos e eqüinos. Além disso, soubemos que vaqueiros do Pantanal quebravam caramujos (moluscos aquáticos) e os esfregavam em feridas nas patas de cavalos para ajudar em sua cicatrização”, ressalta a professora Maria de Fátima Martins, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, em Pirassununga. A pesquisa foi feita em conjunto por pesquisadores de sete instituições. Segundo Martins, o gênero de caracol usado no estudo é o Akatinae, oriundo da África e diferente do europeu, mais conhecido, o Helix (do Helix, derivam os termos helicicultura, a técnica de criar o escargot, e heliciário, o local da criação). A pomada será comercializada após o registro de patente do produto, já solicitado.
Na França, diz a pesquisadora, há um xarope indicado para bronquite e outras complicações pulmonares. No Chile se produz com o extrato de uma espécie nativa, a Helix arpesamuller, um creme regenerador epidérmico para tratar rugas, manchas na pele, estrias, cicatrizes e verrugas. Segundo Maria de Fátima, pesquisadores japoneses trabalham com afinco no desenvolvimento de aplicações das propriedades medicinais das substâncias retiradas do escargot.
Pacheco e Maria de Fátima descobriram uma alternativa nas espécies de caracóis herbívoros terrestres comestíveis da família Achatinidae, originária das regiões de florestas tropicais úmidas da África. Uma delas, a espécie Achatina fulica, é mais rústica e tem uma carne mais escura do que a européia. Resiste mais ao clima tropical brasileiro e apresenta uma produtividade bem maior: pode ter seis posturas ao ano, com até 500 ovos cada, e ser abatida aos 90 dias. Em 1993, quando comprovaram a rusticidade e o potencial produtivo da Achatina, Pacheco e Maria de Fátima decidiram dar à pesquisa ainda doméstica um caráter mais formal. Não foi fácil. Na universidade, afloraram preconceitos e resistências, pois na época os especialistas em produção animal trabalhavam apenas com bovinos, eqüinos,suínos e aves. “Não nos levavam a sério”, lembra a pesquisadora. “Não podíamos nos dar ao luxo de errar.” Ainda se associava fortemente o escargot, do qual pouco se conhecia, a uma atividade elitista.
Uma a uma, as muralhas cederam. Em 1995, a FAPESP liberou um financiamento de R$ 25 mil para o primeiro projeto da equipe, Obtenção e desenvolvimento de procedimentos zootécnicos para a produção do escargot africano Achatina fulica nas Condições Climáticas do Sudeste Brasileiro, que se concentrou em nutrição animal. Não existia ainda uma ração básica apropriada para a criação de escargots no Brasil, segundo a pesquisadora. Ela e Pacheco testaram várias formulações e chegaram em 1998 a um programa de alimentação para o escargot do primeiro dia de vida ao abate ou ao período final de formação da matriz.
Maria de Fátima Martins possui graduação em Medicina Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias,campus Jaboticabal, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), mestrado em Genética de Microorganismos pela Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP) e doutorado em Genética de Microorganismos e Molecular pela Faculdade de Medicina de Riberão Preto (FMRP-USP). Atualmente é professora doutora da Universidade de São Paulo, e coordenadora Técnica do Heliciário Experimental Profa. Dra. Lor Cury da FMVZ-USP,Campus Pirassununga. Tem experiência nas áreas de Genética e Melhoramento Animal, Helicicultura e Biotecnologia do muco de escargots com finalidade cicatrizante e no estudo de mastite bovina como um biofármaco no controle e terapêutica da doença , Bem Estar Animal e Zooterapia; Atua nas escolas com projetos educacionais levando animais para interagir com crianças com ou sem necessidades especiais, criando o “Projeto Educacional Dr. Escargot” ; Idealizadora do programa de iniciação científica “encurtando distâcias” entre os ensinos, Fundamental e Médio, e a Universidade; atua com idosos institucionalizados levando animais aos asilos; gerencia programas de Terapia assistida por Animais na educação e Terapêutica.
Fonte:
http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n067.htm
http://www.fapesp.br/ciencia5113.htm
acesso em maio de 2002
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4786921A6
acesso em dezembro de 2010