O primeiro lugar para trabalhos de mestrado no Prêmio Nacional de Pós Graduação OPP/ABEQ 1999 ficou com Helen Ferraz, orientanda dos professores Cristiano Borges e Tito Livio Alves com o trabalho “Síntese Enzimática de Sorbitol e Ácido Glicônico com Separação Simultânea por Eletrodiálise”. A pesquisa procura desenvolver um processo inédito para produzir, a partir do açúcar, dois compostos utilizados amplamente na indústria química, o sorbitol e o ácido glicônico. “Atualmente esses compostos são elaborados sinteticamente através de processos industriais complicados e dispendiosos”, explica o Prof. Borges. Com a nova técnica o processo pode se tornar muito mais simples e barato porque usa uma matéria prima que o Brasil tem em abundância, que é o açúcar. O sorbitol é utilizado para fabricar cosméticos, alvejantes para a indústria têxtil e químico-farmacêutica em geral. Já o ácido glicônico além de ter grande demanda na indústria farmacêutica, também é muito utilizado na produção de alimentos dietéticos.
O Prêmio foi importante como um reconhecimento pelo trabalho realizado, e também um incentivo à continuação da atividade de pesquisa. Após a apresentação do trabalho num congresso em Lexington, EUA em 2001 a pesquisadora recebeu o convite de escrever um capítulo para o livro “New Insights into Membrane Science and Technology: Polymeric, Inorganic and Biofunctional Membranes”, a ser publicado pela Editora Elsevier. Segundo Helen “Pensamos em patentear o processo mas optamos por publicar os dados e tornar público nos congessos, de forma que o projeto da patente foi transferido para meu trabalho de doutorado, que nada tem a ver com o do mestrado. Mudei de tema pela vontade de diversificar minha formação, de aprender coisas novas”. Helen Ferraz nasceu em Canavieiras-Ba, onde cursou o ensino fundamental. Na cidade de Uruçuca-Ba, Helen graduou-se técnica em Alimentos. Formada em Engenharia Química pela Universidade Federal da Bahia, a pesquisadora veio para o Rio de Janeiro, onde fez o Mestrado em Engenharia Química, pela COPPE. Atualmente, a pesquisadora conclui o Doutorado em Engenharia Química no PEQ (Programa de Eng. Química), na mesma COPPE.
O uso de processos biotecnológicos para a produção de grande variedade de compostos tem despertado um crescente interesse nas últimas décadas, quando muitos avanços têm sido alcançados nesta área. Tal interesse pode ser justificado pelas condições de operação mais brandas empregadas na biossíntese, que reduzem o consumo de energia e aumentam a segurança do processo, pela alta especificidade das enzimas, que minimiza a formação de subprodutos e pelo menor impacto ambiental. A crescente importância industrial dos métodos biológicos de produção deve, entretanto, ser acompanhada pela adaptação das posteriores etapas de separação dos produtos. Quando a produção é feita em pequena escala, os processos de separação usados em laboratório são mantidos, caso contrário, ajustes devem ser feitos. As condições amenas de operação, além das possibilidades de combinar purificação e concentração numa única etapa, fazem dos processos de separação com membrana importantes aliados no desenvolvimento de novas tecnologias em bioprocessos.
É neste contexto que se localiza este trabalho, que consiste no estudo da produção de sorbitol e ácido glicônico utilizando células permeabilizadas e imobilizadas de Zymomonas mobilis acoplada à separação dos produtos por eletrodiálise. Zachariou e Scopes (1986) descobriram que a enzima glicose-frutose oxidorredutase, ou GFOR, catalisa a reação de transidrogenação na qual a oxidação da glicose a glicono-d-lactona está acoplada à redução da frutose a sorbitol. Num passo subsequente, a instável lactona é convertida em ácido glicônico tanto espontaneamente quanto pela cação da enzima gliconolacotonase (GL), também presente em Zymomonas mobilis. A enzima GFOR possui um cofator não dialisável, o NADPH, fortemente ligados ao sítio ativo. Numa fermentação convencional, partindo de glicose e frutose, o sorbitol acumularia no meio enquanto o ácido glicônico formado seria metabolizado via 6- fosfogluconato a 2-ceto-3-deoxi-6-fosfogluconato, um intermediário na rota de Entner-Doudoroff. Como resultado, o gliconato seria convertido a etanol e alguns subprodutos. No entanto, em reações com a pemeabilização das células, a rota que levaria à produção de etanol não é funcional. Assim, glicose e frutose podem ser convertidos em ácido glicônico e sorbitol, respectivamente, como mostrado na figura abaixo.
Além da permeabilização, a imobilização celular traz vantagens adicionais ao processo. Em comparação com o uso de células livres, a imobilização facilita a operação em modo contínuo, com todas as suas vantagens inerentes: melhor controle, melhor uniformidade do produto, remoção de metabólitos que podem ser tóxicos, etc. Membranas do tipo fibra-oca têm sido empregadas em biotecnologia em processos de osmose inversa, micro e ultrafiltração. A partir da década de 80 seu uso tem se expandido, inicialmente como um meio de se concentrar células e, mais recentemente, como suporte para imobilização ou aprisionamento de enzimas e células. Em relação a outros métodos de imobilização, apresenta vantagens como: permite uma elevada produtividade volumétrica, conseqüência da grande densidade de empacotamento; possibilita uma separação simultânea dos produtos; evita problemas de perda das células e é facilmente reutilizado.
A separação de ácidos orgânicos derivados de fermentação é geralmente difícil e dispendiosa. Alguns métodos têm sido propostos mas além de mostrar sérias limitações devido à complexidade do meio reacional, têm uma aplicabilidade reduzida. Quando espécies iônicas estão presentes, uma opção bastante eficiente é o uso da eletrodiálise. A eletrodiálise é um processo de separação no qual membranas contendo grupos iônicos e uma diferença de potencial elétrico são usados para separar espécies iônicas de outros componentes não iônicos em uma solução aquosa. Este técnica tem como vantagem a facilidade com que pode ser adaptada para escala industrial, além de não adicionar componentes estranhos ao meio reacional, permitindo o controle do pH do meio sem a adição de agentes neutralizantes. O pH do meio é uma importante variável no processo estudado uma vez que, ao atingir valores muito baixos, provoca a inativação da enzima GFOR.
Neste trabalho, foi investigada, inicialmente, a produção de sorbitol e ácido glicônico por células permeabilizadas de Zymomonas mobilis confinadas no interior ou no exterior de membranas na forma de fibras ocas. O desempenho deste processo foi comparado com aquele obtido empregando-se células livres e imobilizadas em gel de alginato de cálcio, em termos de taxa inicial de reação. A estabilidade do sistema foi avaliada comparando-se a taxa inicial de reação após uma substituição do substrato. Em outra etapa, a unidade de reação foi acoplada à unidade de separação constituída por uma célula de eletrodiálise, permitindo a separação simultânea do ácido glicônico produzido. Foi feita, então, uma comparação entre o desempenho dos sistemas com e sem eletrodiálise, em termos de taxa inicial de reação e estabilidade do sistema. O uso de células permeabilizadas no interior das fibras ocas mostrou o melhor desempenho em termos de taxa de reação específica. A resistência à transferência de massa, neste caso, foi bastante reduzida se comparada àquela verificada nos experimentos empregando células imobilizadas em gel de alginato de cálcio. No entanto, quando as células foram confinadas no lado externo às fibras observou-se uma menor atividade enzimática, o que pode ser atribuído à redução do pH local, ocasionado pela deposição das células. Desta forma, conclui-se que deve haver um compromisso entre a concentração de células confinada no módulo de fibras ocas e o efeito do pH local sobre a taxa de reação, de modo a se obter um desempenho ótimo para o processo.
Em todos os experimentos sem acoplamento da eletrodiálise foi observada uma perda da atividade enzimática no decorrer da reação. O acoplamento da unidade de eletrodiálise permitiu uma remoção eficiente do ácido glicônico do meio reacional de forma que a concentração deste foi mantida em níveis inferiores a 1 g/L. Observou-se, também, uma melhora na estabilidade da enzima. Durante mais de 60 horas em que a reação foi acompanhada, não foi observada qualquer redução na atividade da enzima, ao passo que, nos experimentos com adição de NaOH para neutralizar o ácido glicônico formado, houve uma redução de aproximadamente 80 % da atividade enzimática no mesmo período. A inativação da GFOR tem sido atribuída ao acúmulo da glucono-d-lactona que interage com a GFOR. A presença do ácido glicônico ocasiona uma inibição da hidrólise da lactona e provoca o seu acúmulo no meio reacional. Assim, a remoção do ácido glicônico por eletrodiálsie tem um efeito favorável na medida em que previne o acúmulo de lactona. Uma vantagem adicional observada com o acoplamento da eletrodiálise foi o controle do pH do processo. Como este diminui rapidamente em conseqüência da produção do ácido glicônico, é normalmente feita uma adição constante de NaOH para neutralizar o meio e prevenir a inibição da enzima. No sistema acoplado tal procedimento foi desnecessário visto que a concentração daquele produto no meio reacional foi mantida constante em um valor inferior a 1g/L durante toda a reação, de forma a não causar alteração alguma no pH do meio.
Fonte:
http://www.planeta.coppe.ufrj.br/noticias/noticia000074.html
acesso em março de 2002
Agradeço a colaboração da pesquisadora Helen Ferraz ([email protected]) concedida em janeiro de 2003, para composição deste texto
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