Retroviral contra AIDS

O programa brasileiro de combate à AIDS, que fornece os medicamentos gratuitamente para os soropositivos, é uma referência em todo o mundo, mas as autoridades de saúde alertam que o problema não está resolvido. Dados de 2002 mostram que existem no Brasil cerca de 215 mil casos de AIDS registrados pelo Ministério da Saúde. Essas são as pessoas que manifestaram sinais claros da doença. Estima-se que cerca de 590 mil pessoas estejam infectadas, a maior parte sem apresentar os sintomas. Esse número representa 0,5% da população adulta. 

O país produz formas genéricas dos anti-retrovirais importados desde 1994, quando virou alvo da ira das multinacionais farmacêuticas, que acusam o governo brasileiro de violar patentes. Hoje, dos 14 anti-retrovirais que podem fazer parte do coquetel anti-Aids, distribuído gratuitamente pelo Ministério da Saúde, 10 são fabricados no Brasil sob a forma de medicamento genérico. Os outros são comprados de empresas estrangeiras. Em Far-Manguinhos, são produzidos oito dos 12 medicamentos que compõe o coquetel, entre os quais: Didanosina, Estavudina, Indinavir, Lamivudina, Lamivudina + Zidovudina, Nevirapina, Zidovudina. O Far-Manguinhos e a indústria de medicamentos Cristália assinaram, em maio de 2002, acordos para transferência de tecnologia e produção dos remédios Ritonavir e Saquinavir, usados no tratamento da AIDS. 

Além destes, o laboratório Far-Manguinhos pesquisou também as fórmulas do Efavirenz, comercializado pela Merck, e do Nelfinavir, da Roche, o que possibilitou ao Brasil forçar as duas multinacionais a reduzirem em 59% e 40%, respectivamente, o preço de seus medicamentos, que antes somavam juntos 36% de todo o gasto na compra dos anti-retrovirais feita pelo Ministério da Saúde. Criado em 1950, o Far-Manguinhos é uma das doze unidades da Fundação Oswaldo Cruz. Vinculado ao Ministério da Saúde, o instituto desenvolve medicamentos essenciais com prioridade para doenças como aids, malária, leishmaniose, tuberculose, diabetes, doença de Chagas, herpes e esquistossomose. O laboratório da Fiocruz vendeu cerca de R$ 8 milhões em medicamentos em 1997. Essa venda saltou para cerca de R$ 70 milhões em 1999, tendo como destaque os remédios anti-retrovirais comprados pelo Ministério. 

Em agosto de 2001, o ministro da Saúde, José Serra, quebrou a patente do nelfinavir, com base no artigo 71 da Lei de Propriedade Intelectual. Após meses de discussões, não houve acordo entre o Ministério e o fabricante, o laboratório Roche, que propôs redução de cerca de 35% no preço. Esperava-se algo perto de 50%. O governo alegou emergência na saúde, uma das situações previstas pela legislação para autorizar a licença compulsória e a produção da droga por outros laboratórios. Uma semana depois, a Roche concordou em reduzir em 40% o preço do remédio, uma economia de RS$ 88,5 milhões anuais ao Brasil. Além disso, o laboratório informou que deve começar, no início do próximo ano, a produção local da droga, hoje importada. ”Essa transferência para a fabricação local de Viracept” (nome fantasia do Nelfinavir) ”pela Roche só será possível em virtude do volume de compra envolvido na licitação acordado com o Ministério da Saúde”, diz a nota distribuída pela Roche. ‘Economicamente, saiu mais vantajoso, porque se a Fiocruz” (através da Far-Manguinhos) fosse produzir teríamos que pagar royalties, entre 5% e 10% mais que o preço de custo”, disse o ministro. Serra revelou que a Far-Manguinhos, o laboratório da Fiocruz, estava produzindo o similar do Nelfinavir com sucesso, faltando apenas os testes de bio-equivalência. Com o acordo, a produção do medicamento será suspensa.

As patentes dos medicamentos Efavirenz (US 5519021, US 5663169, US 5811423) e Nelfinavir (US 5484926, US 5952343), conseguiram ser depositadas no Brasil justamente por causa do mecanismo de pipeline previsto na Lei de Propriedade Industrial. A patente do Nelfinavir foi depositada nos EUA em 1993, antes do Trips entrar em vigor no Brasil. No entanto, a companhia Agouron, associada à Roche, usou o mecanismo do pipeline para “voar” no tempo e garantir a patente do medicamento em sete de março de 1997. No caso da patente do Efavirenz, depositada nos EUA em 1992, a Merck, por alguma razão não usou o “pipeline” para registrá-la no Brasil. Simplesmente apresentou, como sendo uma idéia nova, formas orais de ingestão do remédio com substâncias que facilitam sua dissolução no organismo. O INPI nunca questionou essa patente. 

O programa do governo federal beneficia 100 mil brasileiros, o que representa 100% da população que necessita da terapia. O governo federal destina cerca de R$ 610 milhões para a compra de medicamentos antiaids. Caso todos os remédios fossem importados, o gasto seria de R$ 1,32 bilhão. O Nelfinavir é utilizado por 25% dos 100 mil pacientes com AIDS que recebem, na rede pública de saúde, o coquetel de 12 medicamentos. O anti-retroviral é um dos mais caros do tratamento: representa 28% do preço do coquetel. 

Na reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio, ocorrida meados de novembro, em Doha, no Catar, o Brasil conseguiu uma importante vitória nessa área. Foi aprovado um documento que autoriza a interpretação de forma menos rígida do acordo Trips (sigla em inglês que significa “Direitos de Propriedade Intelectual em Relação ao Comércio”). Na prática, isso significa que o Brasil ou outro país pode, em situações de emergência, quebrar a patente de medicamentos, ou seja, aplicar licenças compulsórias e dar a um laboratório o credenciamento para produzir um remédio patenteado em outro país. A medida já existia na lei brasileira, mas não era aceita pela OMC. 

Há quatro anos, o Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fiocruz começou a produzir alguns dos anti-retrovirais, sem patentes reconhecidas no Brasil, e a investir no desenvolvimento tecnológico visando a disponibilidade e regulação de preços, para ampliar o acesso aos portadores do HIV atendidos pelo Programa DST/AIDS do Ministério da Saúde. De tanto fazer ‘engenharia reversa’, desmontando o medicamento dos outros para fazer um igual, o Brasil aprendeu a produzir um remédio próprio contra a AIDS. São moléculas novas dos inibidores de protease e da transcriptase reversa, as mesmas que formam o coquetel atual, mas que seriam menos tóxicas e com maior eficácia. ‘Já solicitamos o registro dessas moléculas como patente pública no Brasil e nos EUA’, anunciou Eloan Pinheiro, diretora do Far-Manguinhos, laboratório do Ministério da Saúde. A patente pode ser solicitada assim que se comprove a eficácia da molécula contra o vírus vivo, o que já teria ocorrido em pesquisa pré-clínica. O próximo passo é a pesquisa clínica, dividida em três fases, que pode levar até cinco anos. ‘Dependendo dos resultados, a última fase pode ser dispensada, antecipando para três anos’, disse ela. Isso significa que, nesse prazo, o Brasil poderá ter sua primeira droga nacional contra a Aids.

As pesquisas estão sendo feitas por cientistas do Far-Manguinhos e da Universidade Federal do RJ. Segundo Eloan, o custo estimado é de US$ 25 milhões, contra os US$ 500 milhões que os laboratórios costumam anunciar em média. ‘Aprendemos o processo de pesquisa de uma nova molécula partindo do produto final e desmontando suas partes’, diz ela, que trabalhou quase 20 anos em laboratórios multinacionais. Das 15 drogas que fazem parte do consenso médico contra a Aids, apenas uma ainda não teve a fórmula copiada, segundo Eloan. 

Segundo a diretora do laboratório da Fiocruz, Eloan Pinheiro, “o objetivo de Far-Manguinhos é desenvolver tanto a tecnologia na cópia de moléculas já existentes, para internalizar a produção, quanto empreender a tecnologia inovativa”. Segundo Eloan Pinheiro, responsável pelas pesquisas de genéricos do Far-Manguinhos, em sete anos o Brasil deverá estar produzindo seu primeiro anti-retroviral. Em junho de 2002 Eloan Pinheiro, recebeu a a Medalha da Ordem do Rio Branco, em reconhecimento aos trabalhos prestados à população na luta contra a aids. 

Pelas suas relevantes contribuições à bem-sucedida política de distribuição de medicamentos do Ministério da Saúde, com destaque para o Programa de DST/AIDS, a Diretora de Far-Manguinhos, Eloan Pinheiro, foi indicada a receber a insígnia da Ordem de Rio Branco, grau oficial, uma das principais condecorações do país. A cerimônia de entrega foi no dia 12 de junho de 2002, no Palácio do Itamaraty em Brasília, e contou com a presença do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. A Ordem de Rio Branco foi instituída em fevereiro de 1963, para premiar pessoas físicas, jurídicas, corporações militares ou instituições civis, nacionais ou estrangeiras, pelos seus serviços ou méritos excepcionais. 

Fonte:
http://200.177.98.79/jcemail/Detalhe. jsp?id=3321&JCemail=2071&JCdata=2002-07-09 
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/011129_aidsespecial3.shtml 
http://www.womensenews.org/article.cfm/dyn/aid/615/context/archive 
http://www.comciencia.br/especial/pataids/pataids05.htm 
http://www.fiocruz.br/ccs/novidades/11far_lui.htm 
http://www.terra.com.br/istoe/1665/brasil/1665_cabo_de_guerra.htm 
http://www.aids.gov.br/ 
http://www.far.fiocruz.br/ 
http://www.cptech.org/ip/health/aids/druginfo.html 
http://www.uol.com.br/folha/pensata/ult515u4.shtml 
http://www.myorangebook.com/Generic/N.php?QP_From=300 
http://www.myorangebook.com/Generic/E.php?QP_From=1 
acesso em julho de 2002
http://www.far.fiocruz.br/avisos.htm 
acesso em novembro de 2002 

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