Em sua aldeia, num recanto da Guiana conhecido como Palm Grove, a índia wapixana Evelyn Gomes guarda para emergências médicas uma noz chamada tipir. Segundo a tradição de seu povo, a raspa do tipir, estanca hemorragias e impede infecções, além de servir como anticoncepcional. O tipir também é abortivo. Tal conhecimento não passou desapercebido ao bioquímico Conrad Gorinsky, presidente da Fundação para Etnobiologia, sediada em Londres. Ele nasceu em Roraima, onde conviveu e morou até os 17 anos com os índios wapixana. Com os índios, Gorinsky conheceu a árvore cuja semente é usada como anticoncepcional e uma planta que possui uma substância venenosa, utilizada pelos wapixana na pesca. O químico obteve junto ao Escritório de Patentes Europeu o direito de propriedade intelectual sobre os compostos farmacológicos das plantas amazônicas e se associou à empresa canadense Greenlight Communications para produzir e comercializar os medicamentos. O Brasil, e em especial os wapixana, não recebem nenhum benefício por essa patente.
Na esteira de um litígio entre o Brasil e a Grã-Bretanha, da qual a Guiana foi colônia, os wapixanas foram separados por uma linha arbitrária de fronteira em 1904. Por causa do tipir e do cunani, agora eles estão mais unidos do que nunca. Preparam-se inclusive para uma batalha em tribunais internacionais. Os wapixanas contestam o químico britânico Conrad Gorinsky, que registrou propriedades dessas plantas, como descobertas suas, nos escritórios de patente da Europa e dos Estados Unidos. A patente relativa à árvore Coração Verde (Octotea rodiaei), que produz o tipir foi obtida em 1997. Por sua descrição, o princípio ativo da planta é um eficaz antifebril, capaz de impedir recidivas de doenças como a malária, útil no tratamento de tumores e até no combate ao vírus da Aids. A substância foi batizada por Gorinsky de rupununines, uma referência ao principal rio da região. No próprio texto da patente do rupununine, está explícito que a semente é usada pelos índios Wapixana, de Roraima, como contraceptivo oral. O problema é que, antes de isolar os componentes das plantas, Gorinsky passou longas temporadas entre os wapixanas, pesquisando justamente plantas medicinais. “Durante muitos dias e noites fui seu guia na mata”, lembra o wapixana Ashpur Spencer, 83 anos. O cacique de Sand Creek, Eugene Andrew, pondera “Ele pegou os conhecimentos dos antepassados e quer vender para as indústrias como se fosse o descobridor.”
“Vamos tentar anular a patente ou assegurar uma retribuição financeira aos wapixana”, disse Julio Geiger, 40, presidente da Funai. A Convenção de Biodiversidade, assinada por 144 países na Rio-92, prevê que, no caso de produtos obtidos a partir de conhecimentos tradicionais, parte dos royalties seja destinado à comunidade que detém a informação. Projeto de lei da senadora Marina Silva (PT) que regulamenta a questão está no Senado desde 1995. Gorinsky é o primeiro pesquisador a escrever na patente que a substância registrada, chamada de rupununine em referência ao rio Rupunini, faz parte do conhecimento de um grupo indígena que vive no Brasil. Os wapixana vivem em Roraima e na Guiana. Normalmente, os cientistas usam informações retiradas de grupos indígenas, mas não admitem isso. Dizem que chegaram à nova droga por meio de pesquisas. O rupununine é uma substância obtida a partir da semente do bibiri (Ocotea rodioei), usada pelos wapixana como anticoncepcional.
Na patente, Gorinsky prevê outros dois usos para a substância: inibidor de pequenos tumores e controlador do vírus da Aids. Ambrósio diz que os wapixana têm “direito de receber alguma coisa em troca”. Ele vai se reunir com os índios da Guiana para decidir o que fazer contra Gorinsky. Gorinsky nasceu em Roraima e conviveu com os wapixana da Guiana. Diz que é favorável ao pagamento de royalties a comunidades indígenas quando seus conhecimentos são usados para criar novos remédios, mas não no seu caso. Disse que os índios usariam o dinheiro para comprar motosserras para derrubar a floresta. Se o dinheiro fosse para o governo da Guiana, acabaria desviado por burocratas corruptos, segundo ele. A antropóloga Nádia Farage, que estuda os wapixana, afirma que os grupos da Guiana e do Brasil são o mesmo povo. São separados pelo rio Tacutu, que em épocas de seca pode ser atravessado a pé.
Sobre o fato de a convenção da ONU sobre biodiversidade exigir que parte do lucro obtido com medicamentos, seja destinado às comunidades indígenas, Gorinsky diz que “comunidade local geralmente significa um burocrata que vai com uma maleta para a Suíça, com uma passagem só de ida”. Gorinsky afirma também que, se não fosse a ação de homens brancos como ele, que tem registrado os usos das substâncias, os índios provavelmente já teriam esquecido a utilidade de muitos produtos encontrados na floresta. Patentear as substâncias seria uma maneira de garantir que o conhecimento não se perca com a destruição da floresta e de fazer com que os produtos tenham algum valor. “Até eu ter feito isso, não havia valor nenhum.” O químico afirma que o Brasil deveria assumir uma posição clara de defesa de seu patrimônio biológico perante a comunidade internacional, para evitar a destruição. Gorinsky diz ainda estar envolvido em um projeto patrocinado por grandes empresas britânicas para que os índios macuxi, da Guiana, possam se comunicar via computador com o resto do mundo.
Fonte: http://www.zaz.com.br/istoe/brasileiros/2000/01/13/000.htm
http://www.socorrogomes.org.br/publicacoes/separatas/separata_bio5.html
acesso em janeiro de 2002
http://www.amazonlink.org/biopirataria/biopirataria_casos.htm
acesso em março de 2003