Sistema Trajano

Um formato inovador para a parte imersa dos navios, conhecida como carena, obteve excelentes resultados em 1868, quando foi inventado pelo engenheiro naval catarinense Trajano Augusto de Carvalho, que era auxiliar de Napoleão Level na Diretoria de Construções Navais do Arsenal da Corte. Não era para menos: sua criação permitia que o barco vencesse mais facilmente a resistência da água e aumentava a velocidade ao mesmo tempo em que reduzia o consumo de combustível. Também melhorava a estabilidade e o governo do navio, proporcionava maior capacidade de carga e diminuía o custo de construção. Esse desempenho espetacular foi comprovado em experiências reais aplicadas a navios construídos com essas características no Brasil e na Inglaterra, especialmente.O professor aposentado da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudioso do tema, Pedro Carlos da Silva Telles, afirma que a invenção foi, muito provavelmente, a primeira pesquisa tecnológica a ter repercussão no exterior, onde também foi patenteada. 

A inovação da Carena Trajano, como foi chamado o invento na época, basicamente modificava o corpo da proa (frente) dos navios. Ele trocou as balizas abertas em “V”, como era usual, pelo formato em “U”, com os costados praticamente verticais. Dessa forma, as linhas d’água ganharam o formato de cunha, que diminuía a resistência ao avanço do navio. Mas todo o reconhecimento pela inovação caiu no completo esquecimento. As únicas imagens do sistema Trajano conhecidas estão no Museu Naval do Rio de Janeiro. São aquarelas pintadas por seu filho – que tinha o mesmo nome, o almirante Augusto Trajano de Carvalho – e três meio-modelos que representam os quatro barcos construídos pelo Arsenal de Marinha da Corte com o novo formato. O primeiro deles, uma corveta, recebeu o nome de Trajano por sugestão do próprio imperador d. Pedro II, em homenagem ao inventor. A corveta Trajano foi construída pelo Arsenal de Marinha da Corte, em sua fase áuera, quando aproximou-se dos estaleiros mais avançados do mundo à sua época. A corveta media 64 metros de comprimento, 9 metros de boca, 4,6 metros de calado e 6 metros de pontal, e era armada com sete canhões e máquina de 240cv de fabricação inglesa, tendo sido lançada ao mar em junho de 1873.

Esse invento revolucionava completamente o que era tido como estabelecido em construção naval, porque permitia obter maiores velocidades, mesmo em navios de grande boca e deslocamento, e não somente com maior potência de máquinas ou com navios compridos e estreitos. Obtida a licença, Trajano patenteou seu invento em diversos países, enquanto o novo tipo de carena era experimentado aqui no Brasil, por iniciativa e insistência do engenheiro Napoleão Level: primeiro em uma lancha a vapor e depois na corveta Trajano, ambos construídos pelo Arsenal da Corte. Os resultados dessas experiências foram muito bons, principalmente a prova de mar da Trajano: uma longa viagem do Rio de Janeiro a Montevidéu, em que ficou demonstrado que o novo formato de carena permitia maior velocidade, menor consumo de combustível e grande facilidade de governo e de manobra. A carena Trajano foi ainda adotada no Guanabara, na Parahyba, na galeota imperial, nos navios mercantes Rio de Janeiro e Rio Grande e no pequeno cruzador Caçador, para o serviço da Alfândega, tendo sido empregada também em alguns navios construídos na Inglaterra. 

É muito de admirar, e de se lastimar, também, que esse importante invento, que proporcionava uma economia de combustível da ordem de 30%, conforme atestado em experiências feitas na Inglaterra, pelo próprio engenheiro Froude, o pai da hidrodinâmica aplicada aos navios , não tenha sido mais empregada nas novas construções, acabando por cair no esquecimento. Como observa o Comandante Porto e Albuquerque, o invento do engenheiro Trajano foi uma “pesquisa séria em engenharia naval”, que pela sua própria natureza deve ter exigido um longo e paciente trabalho de pesquisa e de sucessivas experiências. Foi também um dos primeiros trabalhos de pesquisa tecnológica, em qualquer ramo da engenharia, realizado no Brasil, e certamente o primeiro que teve repercussão no exterior. Pedro Telles comenta: “O engenheiro Vicente Sacchetti chama a atenção para o interessante fato de que as modernas proas dos navios gigantes da atualidade repetem quase exatamente, acreditamos que sem o saber, as linhas da carena Trajano, inventada por um brasileiro de 1869 !” Um modelo reduzido da Trajano, dita como “construída de acordo com um sistema inteiramente novo, privilegiado na Inglaterra”, figurou em destaque na Exposição Universal de Viena em 1873. 

Trajano Augusto de Carvalho nasceu em 1830 na cidade de Desterro (atual Florianópolis), e começou a vida profissional em 1848 como operário do Arsenal da Corte. Em 1853 pediu ao Governo para ser mandado à Europa estudar engenharia naval, apesar da calorosa aprovação do engenheiro Level a esse pedido, Trajano de Carvalho só seguiu para Europa dois anos depois, para estudar e praticar nos estaleiros de Richard W. Hervy Green, em Londres, ao mesmo tempo em que fiscalizava a construção das canhoneiras Araguari e Belmonte, na Inglaterra e na França. Retornando ao Brasil em 1859, foi nomeado primeiro construtor do Arsenal da Bahia, onde ficou até o fim desse ano, passando então ao Arsenal da Corte, no qual trabalhou até 1865, quando foi mandado à Europa fiscalizar a construção de dois encouraçados, voltando ao Arsenal da Corte em 1866. 

Em 1869 foi novamente à Europa para fiscalizar a construção e receber os vapores Vassimon e Werneck, a cábrea flutuante Gafanhoto e as canhoneiras Henrique Dias e Felipe Camarão. De volta ao Brasil e ao Arsenal da Corte desenvolveu os estudos e experiências da carena Trajano, obtendo em 1870 licença para ir à Europa patentear seu invento. Depois de regressar ao Brasil, assumiu em 1872, a Diretoria de Construções Navais do Arsenal, em substituição ao engenheiro Level, que fora mandado à Europa, permanecendo nesse cargo até 1874, quando a seu pedido, deixou o serviço da Marinha para trabalhar na indústria privada. Foi primeiro à Europa, por conta da Companhia Nacional de Navegação, fiscalizar a construção dos vapores Rio de Janeiro e Rio Grande, por ele projetados e depois trabalhou até 1889 no estaleiro Miers Irmãos & Maylor. Em 1890 organizou a Companhia Brasil Oriental e Diques Flutuantes, para explorar um novo sistema de dique flutuante de sua invenção, que infelizmente não foi avante. Mesmo depois de deixar a Marinha, o engenheiro Trajano continuou a dar sua colaboração à Marinha, em projetos, pareceres técnicos e inclusive, permitindo que a carena de sua invenção fosse empregada gratuitamente. 

A carena Trajano foi privilegiada pelo governo inglês e mereceu elogios de Dir. Nathaniel Barnaby, construtor do almirantado inglês que assim se expressou em relação ao invento em 1870: “Parece extraordinário que do ponto que nos achamos na história do mundo ainda fosse possível achar uma forma de navio capaz de ser traduzida em palavras que já não tenha sido privilegiada ou descrita nos arquivos da arte da construção naval. No entanto até onde nos é possível ver, o sistema do Sr. trajano possui este mérito. O objeto do Sr. Trajano foi fazer desaparecer a força que nos navios a hélice, tende a levantar a proa, o que ele propõem conseguir por meio de uma força no qual a ação sobre a água em todo o comprimento do casco torna-se completamente lateral”. Trajano também lançou os planos de um dique flutuante do qual solicitou patente. este dique compunha-se do flutuador e pontão e tinha como carcterística distintiva do estado da técnica o sistema de ligação entre estas duas partes. 

Fonte: 
http://www.revistapesquisa.fapesp.br/
acesso em março de 2002
História da Construção Naval no Brasil, Pedro Carlos da Silva Telles, Ed. Femar, 2001, página 56, 62 e 251
 
Os inventos da Marinha de Guerra Brasileira, Rogério Augusto Siqueira, Imprensa Nacional, 1923
 
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