O atual interesse pelo uso das soluções hipertônicas no tratamento do choque surgiu a partir do clássico estudo de Irineu Velasco e colaboradores , publicado em 1980. Foi demonstrado que a rápida injeção de NaCl a 7,5%, num volume equivalente a apenas 10% do volume de sangue retirado para causar choque hemorrágico grave em cães, restaurava rapidamente a pressão arterial e o débito cardíaco, resultando em sobrevida de todos os animais. O grupo controle, que havia recebido o mesmo volume de solução salina isotônica, não apresentava melhora hemodinâmica e nem sobrevida(1). No mesmo ano, Fellipe e colaboradores, utilizando essa solução de NaCl a 7,5%, demonstraram melhora hemodinâmica em pacientes internados em unidade de terapia intensiva com choque refratário.(2) O impacto que esses estudos causaram pode ser avaliado pelas centenas de publicações internacionais de estudos subseqüentes, dentre elas mais de 60 ensaios clínicos empregando soluções de NaCl a 7,5% no tratamento de diversas condições, incluindo trauma, choque hemorrágico, cardiogênico e séptico, e suporte volêmico intra-operatório de cirurgias de grande porte. Cerca de 800 referências sobre esses estudos estão disponíveis no Hypertonic Resuscitation Website www.hypertonic.utmb.edu.
No estudo pioneiro de Velasco e colaboradores com NaCl 7,5%, foi detectado, por meio de medidas do volume plasmático e variação do hematócrito, aumento no volume plasmático de 11 ml/kg, e que cerca de seis horas depois essa expansão já havia desaparecido. As principais fontes para a expansão plasmática observada são as hemácias e o endotélio, que estão em íntimo contato com a hipertonicidade plasmática, perdendo cerca de 8% de seus volumes para o compartimento intravascular. Além da expansão volêmica, esse fato produz importantes conseqüências hemodinâmicas, pois o edema de hemácias e das células endoteliais, observado no choque e na isquemia-reperfusão, tem importância crítica em termos de viscosidade e de resistência hidráulica da microcirculação, local onde a razão entre a luz do vaso e o tamanho da hemácia aproxima-se da unidade. Nessas circunstâncias, o edema celular compromete o fluxo sanguíneo microcirculatório em diversos territórios, e a solução hipertônica, mas não a isotônica, contribui para a recuperação da hemodinâmica microcirculatória.
A hipertonicidade induzida pela injeção de NaCl a 7,5% é responsável pelo aumento de fluxo na circulação periférica e na microcirculação, pois causa redução da resistência vascular, primariamente por vasodilatação arteriolar. Outro efeito direto da hipertonicidade é o relaxamento da musculatura lisa vascular. A redução da viscosidade sanguínea pela hemodiluição rapidamente induzida pela solução hipertônica também contribui para a queda da resistência vascular e para a vasodilatação. Parte dos efeitos hemodinâmicos benéficos observados com o uso de NaCl a 7,5% tem sido atribuída a um efeito inotrópico positivo induzido pela hipertonicidade. As respostas imediatas das soluções salinas hipertônicas no choque são, portanto, dependentes dos efeitos físicos e fisiológicos da hipertonicidade, extensamente confirmados desde o trabalho original de Velasco e colaboradores.
Uma das maiores preocupações com o uso de soluções hipertônicas é a indução de hipernatremia grave, com efeitos potencialmente deletérios, resultantes da desidratação celular, pelos mecanismos osmóticos já descritos anteriormente. Na hipernatremia grave, as evidências de desidratação celular são observadas mais precocemente no cérebro, sendo os sintomas de hipernatremia ou hiperosmolaridade primariamente neurogênicos. Letargia, tremores, fraqueza, irritabilidade, delírio, confusão mental, convulsões, coma e morte podem ocorrer nos casos mais severos e principalmente em crianças pequenas ou em idosos. Todas essas potenciais complicações foram cuidadosamente avaliadas em todos os estudos clínicos com NaCl a 7,5%, principalmente na população com maior risco para disfunção neurológica e sangramento intracraniano, as vítimas de trauma craniano e com hipotensão associada. Apesar de hipernatremia e hiperosmolaridade moderada terem sido detectadas na maioria dos pacientes que receberam soluções de NaCl a 7,5%, não houve casos, entre mais de 1.700 pacientes, de convulsões, deterioração neurológica, ou de sangramento intracraniano induzido pela solução hipertônica. Baseados na considerável experiência clínica publicada com o uso de soluções hipertônicas de cloreto de sódio, concluímos que seu uso é seguro; porém, recomenda-se evitar sua administração para uma população bem definida de pacientes, que incluem pacientes pediátricos, moribundos, ou portadores de doenças crônicas debilitantes.
Foi ainda a solução adotada no Incor pelo Dr. Sérgio de Oliveira para auxiliar as cirrugias de pacientes adeptos da religião Testemunhas de Jeová, impedidos de receber transfusão de sangue. A solução hipertônica antes da cirurgia ajudar a economizar sangue e os pacientes tem uma evolução mais tranquila no pós cirúrgico. Por tudo isso o dr Rocha Silva foi o conferencista internacional convidado no encontro da Sociedade Americana de Terapia Intensiva, realizado nos Estados Unidos em janeiro de 1999. O resultado desse encontro foi a recomendação de um estudo clínico sobre a solução hipertônica, o passo que faltava para a aprovação da FDA dos EUA. Essa é uma das linhas de pesquisa da Divisão de Experimentação do Incor por onde passam os alunos do segundo ano da graduação para o curso de bases fisiológicas da Clínica Médica. O dr. Antonio Capone Neto está investigando os diferentes tratamento para choque (hemorragia) e a solução hipertônica vem confirmando sua eficiência. O produto foi patenteado nos Estados Unidos US5443848, mas não recebeu patente no Brasil, porque a lei 5772/71 vetava as patentes a fármacos.
Fonte:
http://www.socesp.org.br/publish-revista/pag/1. 10.16.1.html
acesso em abril de 2002
Patentes: Onde o Brasil perde, Sindicato da indústria de Artefatos de papel, Papelão e Cortiça no Estado de São Paulo, dez/93, pg 15
Revista do Incor, abril de 1999 página 42