Stent com Rapamicina

O coração é composto por agrupamento de músculos especiais responsáveis pela contração cardíaca e consequente movimentação do sangue através de todo o corpo. A nutrição do músculo cardíaco é mantida por uma rede de vasos chamada artérias coronárias. A obstrução (ou estenose) desses vasos determina quadros clínicos complexos chamados de doença coronária obstrutiva, síndrome coronária, insuficiência coronária ou síndrome isquêmica. A obstrução dos vasos se dá pela formação de placas com oclusão total ou parcial dos mesmos, de grau e extensão variáveis e de modo temporário ou definitivo. O crescimento da placa, reduzindo a luz coronária, é lento e gradual na maioria das vezes, com apresentação clínica estável. A instabilidade da placa por fissura ou ruptura, associada a diversos graus de trombose local, configura casos de insuficiência coronária instável e, num estágio mais avançado, o infarto agudo do miocárdio.

 

A Angioplastia Coronária é um tratamento intervencionista não cirúrgico e consiste na dilatação, com balão, de placas responsáveis pela manifestação clínica da insuficiência coronária. O balão, inicialmente, é introduzido através de uma artéria periférica e posicionado no local da lesão, onde é insuflado para dilata-la, e retirado logo a seguir. A primeira angioplastia percutânea com balão foi realizada pelo Dr. Andréas Gruentzig, em 16 de setembro de 1977, em Zurich, revolucionando a abordagem das lesões obstrutivas coronarianas e constituindo-se a partir deste momento numa alternativa ao tratamento clínico e cirúrgico dos pacientes. A angioplastia com balão mostrou-se um tratamento promissor na época, embora apresentasse índices elevados de oclusão aguda do vaso tratado. E também a chamada reestenose tardia: aproximadamente 50% das artérias com lesão voltavam a se obstruir, cerca de seis meses depois. Em 1987, foi descrito pela primeira vez o uso de stents em seres humanos. O stent consiste em uma micro-malha metálica que envolve o balão, e que é liberado definitivamente com a insuflação do mesmo no local da obstrução coronária. A utilização do stent determinou a drástica diminuição dos fenômenos oclusivos agudos e da reestenose (reobstrução) tardia do vaso tratado, que caiu para percentuais de 25 a 30%, após seis meses do implante da prótese. No entanto, a novidade do stent, trouxe também uma complicação denominada trombose subaguda, que aparecia no local do implante, em até 30 dias. Esse problema foi sanado com alguns procedimentos básicos, dentre eles o ajuste otimizado da endo-prótese, a utilização de drogas antiadesivas plaquetárias, como o AAS e derivados da Ticlopidina (Clopidogrel), e mais recentemente o abciximab, com potente efeito sobre o mecanismo plaquetário.

Técnica inventada no Brasil conseguiu reduzir a zero a incidência da reestenose, ou reobstrução de artérias coronárias em pacientes submetidos ‘a angioplastia (intervenção para desbloquear os vasos), durante um ano. O sucesso do método, idealizado pelo medico Jose’ Eduardo Sousa, diretor do Instituto Dante Pazzanese, de SP, mereceu destaque pela Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês). O tratamento criado por Sousa e’ a combinação de uma prótese tubular e uma droga de ação local. A técnica foi aplicada pela primeira vez em dezembro de 99 e teve sua eficiência reconhecida um ano depois, quando se constatou que nenhum dos 30 pacientes submetidos a ela teve reestenose. O Dr. Eduardo Sousa é o principal pesquisador do primeiro estudo realizado com seres humanos para validar a segurança e a eficácia clínica do uso deste antibiótico em associação com stents.

A técnica, criada pelo próprio Sousa em 87, reduziu para 20% a incidência de reestenose. O problema enfrentado pelos médicos desde então e’ que o contato do “stent” com a parede da artéria causa pequenos ferimentos. Como consequência disso, ocorre uma reação de cicatrização que faz um tecido celular crescer sobre o “stent” e reobstruir a passagem do sangue. Contra isso, “foram gastos milhões de dólares, sem resultados”, diz Sousa. Para resolver o problema, a ideia do brasileiro foi recobrir seu “stent” com uma substancia que libera uma droga de ação local para impedir o crescimento do tecido cicatrizante. “Depois de nosso trabalho, numerosas drogas já foram propostas com a mesma finalidade, e hoje existem mais de 25 substâncias em teste”, diz Sousa.

“O problema das drogas administradas por via oral ou injeção e’ que elas alcançam a lesão numa concentração muito baixa”, afirma o medico. O medicamento escolhido para impregnar o “stent” foi a rapamicina, que já’ era usada em pacientes de transplante de rim para combater a rejeição ao órgão. Apos o sucesso de seis meses com os primeiros 30 pacientes, a eficiência do “stent” com rapamicina foi comprovada em um estudo controlado com 238 pacientes, em 17 centros de pesquisa na Europa e quatro na América Latina. Os EUA já’ iniciaram outro estudo, com mil pacientes. Apesar da euforia com o sucesso de quase dois anos, médicos ainda têm receios. “Em meio aos fogos de artificio, devemos manter nosso ceticismo”.

Perguntado sobre como surgiu sua ideia José Eduardo responde: Só nos últimos 12 anos, essa droga despertou um novo interesse, quando pesquisadores da Califórnia, EUA, descobriram duas propriedades importantes da substância: ser uma droga antiproliferativa e ter ação imunossupressora. Isso foi claramente demonstrado em animais de laboratórios, e esses mesmos investigadores começaram a aplicá-la em pacientes com transplante renal para coibir a rejeição e aumentar a vida dos enxertos, o que foi demonstrado não só na experiência na Califórnia, como em numerosos outros grupos que a testaram. A finalidade era chegar a um protocolo terapêutico que pudesse eliminar a ciscloporina, que é uma droga imunossupressora, mas com muitos efeitos colaterais. Os resultados foram tão bons que o FDA (Food and Drug Administration), dos EUA, aprovou a rapamicina para uso em pacientes com transplante renal e, consequentemente, em outras situações. É óbvio que a ação antiproliferativa da rapamicina interessava particularmente no controle da reestenose, cujo mecanismo causador é exatamente a proliferação de tecido. Disso surgiu a ideia de utilizar o stent com rapamicina para combater a proliferação intimal, já que o stent combate os outros dois mecanismos da reestenose: o encolhimento elástico do vaso e o remodelamento negativo.

A Rapamicina (também conhecida como Sirolimus ou Rapamune) foi isolada pela primeira vez em 1975, na Ilha de Páscoa, num microrganismo do solo, o Streptomyces higroscopicus. O composto levou o nome de Rapamicina, em homenagem à Rapa Nui, nome nativo da Ilha de Páscoa. A substância obtida, além de sua atividade antibiótica e antifúngica, também possui potente propriedade antiproliferativa, imunossupressora e comprovadamente inibidora do ciclo de proliferação celular.

O conceito de stents revestidos com drogas antiproliferativas, como os usados para o tratamento de câncer, tem estado nos estudos há 10-12 anos. Apenas recentemente, tem sido aperfeiçoada a tecnologia para estabelecer uma liberação farmacocinética eficaz da droga durante um período de 45 dias para uma pequena área concentrada no vaso. Os revestimentos superior e inferior ajudam a controlar a liberação da droga, permitindo liberação lenta ou rápida da droga. Dois revestimentos de stent atualmente estão em avaliação: paclitaxel (Taxol) e rapamicina. A rapamicina é um antibiótico macrolídeo que inibe a proliferação e migração in vitro de células musculares lisas humanas e de rato por bloqueio da transição G1/S. Tem sido extensamente utilizada para imunossupressão depois de transplante de órgão. Em estudos recentes, a administração de rapamicina, por via intramuscular ou oral, tem sido associada a uma redução significativa da hiperplasia da íntima depois de angioplastia de balão em diferentes modelos de animais. Estes resultados sugerem que os efeitos antiproliferativos da rapamicina podem ter um uso para a prevenção de reestenose em pacientes submetidos à angioplastia com balão percutânea. Semelhantemente ao paclitaxel, os stents revestidos por rapamicina agora estão sendo avaliados quanto à segurança e eficiência.

Fonte:

http://www.ifi.unicamp.br/jornal-da-ciencia/msg00833.html

http://epoca.globo.com/edic/209/saudea.htm

http://www.cardionews.org/jornal/2001/marco/marco2001_17.htm

http://www.sbc-sc.org.br/informativo/0026/atualidades.htm

http://www.hemodinamica.com.br/Stent/stentrapamicina.htm

http://jornal.cardiol.br/2002/jan-fev/paginas/other/entrevista/

acesso em fevereiro de 2003

Jornal do Commércio de 26.05.02 página A-3 (Tecnologia)

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