A tecnologia de enriquecimento isotópico de urânio com laser, pesquisada desde 1981 pelo Instituto de Estudos Avançados (IEAv) do Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA), de São José dos Campos, possui diversas aplicações, desde o desenvolvimento de combustível para reatores de pequeno porte para utilização em submarinos, até para geração de energia elétrica através de Unidades Autônomas Compactas de Produção de Energia. Segundo o pesquisador Nicolau Rodrigues, da Divisão de Fotônica do IEAv, a técnica, que já atingiu resultados somente alcançados em laboratórios instalados em seis países (EUA, Inglaterra, França, Japão, Rússia e China), poderá ser aplicada também na produção de radio fármacos (substâncias radioativas para o uso no diagnóstico e tratamento de doenças, principalmente o câncer) e no desenvolvimento de novos materiais como, por exemplo, ligas metálicas e materiais magnéticos. O enriquecimento de urânio é o processo pelo qual se aumenta a concentração de um de seus isótopos, o 235U, que é muito pequena no urânio natural (cerca de 0,7%). O isótopo 238U é o mais abundante na natureza (cerca de 99,3%), porém o 235U é mais adequado para produção de energia. Por isso, a maioria dos reatores térmicos atuais opera com urânio ‘enriquecido’.
Para se aumentar a concentração do 235U, é preciso obter uma grande quantidade de átomos do isótopo, retirados do urânio natural. Existem alguns métodos de separação de isótopos que já vêm sendo utilizados ao redor do mundo. Um dos mais conhecidos é a ultracentrifugação, que já é utilizada há vários anos por alguns países, inclusive o Brasil, desenvolvido pela Marinha. Há também a difusão gasosa, utilizada pelos EUA, França e Rússia, que se caracteriza pelo alto consumo de energia durante a operação. O método desenvolvido no IEAv é baseado no uso de lasers e é considerado hoje o mais indicado para o urânio, do ponto de vista econômico e ecológico, já que consegue extrair quantidades muito maiores do isótopo 235U a partir do urânio natural, usando menos urânio que os outros métodos e gerando rejeitos em menor quantidade e menos radioativos, o que reduz o risco de vazamento de materiais radioativos ou tóxicos. A separação de isótopos de urânio por lasers baseia-se na diferença de absorção de luz de diferentes cores. “Os átomos ‘enxergam’ a luz de maneira diferente”, explica Nicolau. “Existem cerca de 92 mil linhas (comprimento de ondas), somente na região do visível (porção da luz que o ser humano consegue enxergar), que permitem a separação dos isótopos de urânio. Um dos objetivos da pesquisa é escolher as 3 ou 4 mais eficientes”, complementa. O pesquisador afirma que, no modelo experimental, já foi possível identificá-las através de técnicas de espectroscopia.
Durante o processo, existem três etapas fundamentais: a primeira consiste na transformação do urânio sólido em vapor (sistema de evaporação); a segunda é a utilização do laser para separação dos isótopos (espectroscopia de fotoionização) e a terceira é a coleta do 235U, após ionização (sistema de coleta). A equipe está envolvida agora na confirmação destes resultados em experiências de separação e coleta. “Falta confirmar se, na prática, em experiências de coleta de material enriquecido, aquelas linhas identificadas são de fato as mais eficientes”, explica Nicolau. Apesar desta tecnologia já ter sido desenvolvida em outros países, os detalhes técnico-científicos e de engenharia têm sido mantidos em sigilo. “Os resultados obtidos pela equipe do IEAv é o resultado de mais de vinte anos de pesquisa”, afirma Nicolau. Durante estes anos, o IEAv colaborou com a Marinha para a construção de um reator que utiliza urânio enriquecido a 3%. Atualmente, está sendo projetado um segundo reator, que utilizará urânio enriquecido a cerca de 20%, em que o IEAv terá uma participação maior nos cálculos térmicos. No que se refere ao ciclo de combustível, “nós estamos desenvolvendo um processo complementar ao da Marinha, que já possui um processo de enriquecimento de urânio por ultracentrifugação”. A meta, segundo o pesquisador, é alcançar o enriquecimento de urânio a 20%. Os estudos do laser para separação isotópica consumiram, desde 1981 até hoje, investimentos da ordem de US$ 2,5 milhões. De acordo com Nicolau, apesar de ser uma atividade reconhecida universalmente como cara, seu exercício se justifica pela necessidade, igualmente reconhecida, de geração de energia mediante reatores nucleares.
Atualmente, a equipe do IEAv está avaliando a possibilidade de construção de uma usina piloto para verificar, na prática, os resultados obtidos após todos estes anos de pesquisa e levantar as dificuldades e os custos da produção de urânio em grande escala. Porém, a construção deste projeto dependerá dos recursos disponíveis, uma vez que implica em grandes investimentos. No início deste ano, a unidade de enriquecimento de urânio de Resende, no Rio de Janeiro, foi palco de grande polêmica. Com o objetivo de não revelar a tecnologia utilizada em suas centrífugas, o Brasil impôs condições à inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), gerando especulações quanto aos objetivos do Programa Nuclear Brasileiro. Tal desconfiança foi considerada completamente infundada por autoridades representativas tanto do governo, como de centros de pesquisa deste setor. A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 21, proíbe a utilização da energia nuclear para fins que não sejam exclusivamente pacíficos. Além do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), firmado em 1997, o Brasil também é signatário do Acordo Quadripartite para a Aplicação de Salvaguardas, em vigor desde 1994. Apesar da polêmica em torno desse tipo de energia, que se justifica pelo perigo representado pelos resíduos radioativos, ela é hoje utilizada em diversas áreas do conhecimento, sendo responsável por avanços tecnológicos de grande importância no meio científico internacional.
Fonte:
http://www.comciencia.br/200408/noticias/3/energia.htm
Acesso em setembro de 2004