A história da HP Biopróteses, empresa do médico Hélio Magalhães, começou há dez anos, quando ele, depois de anos de trabalho ao lado de cardiologistas como Zerbini e Adib Jatene, decidiu juntamente com sua mulher, Palmira, desenvolver a bioengenharia para a produção de válvulas cardíacas, ele na parte médica, ela na administrativa. “A importância das válvulas cardíacas é enorme, pois é o que regula a entrada e saída de sangue no coração. Sem ela, não há possibilidade de sobrevivência”, lembra o médico. “Portanto, todas as pessoas que têm problemas com suas válvulas e que não conseguem a reconstrução, têm que colocar uma artificial”, afirma. “Eu fundei a fábrica porque o preço das válvulas estrangeiras é muito alto e porque as dificuldades de importação podem ser um grande problema ao se lidar com as urgências dos tratamentos médicos”, diz Hélio Magalhães. “Mas um grande incentivo para mim foi o fato de acreditar que o País precisa ser autossuficiente em todas as áreas em que isso for possível”, afirma.
Antes da fundação da HP Biopróteses, essa tecnologia médica era importada dos EUA, onde são feitas válvulas metálicas com silicone, além das de material orgânico proveniente do boi e do porco, que são produzidas há cerca de 30 anos. “Começamos produzindo válvulas orgânicas, pois essa é a tecnologia mais simples. Basta tirar a membrana do coração do animal e reconstruir com ela a válvula cardíaca”, conta Magalhães. Há cinco anos, ele começou a pesquisar a tecnologia da válvula de carbono, o que havia de mais moderno em válvulas de material sintético. Ao invés de importar as peças dos EUA e montar aqui, o que ficaria muito caro, o médico decidiu aprender a fazer a síntese do carbono. Para tanto, fez um estágio no CTA – Centro Aéreo Espacial de São José dos Campos, que domina essa tecnologia. Depois desse estágio, desenvolveu junto com o IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas uma forma de ele mesmo sintetizar o material. Com esse conhecimento, partiu para a produção de um novo tipo de válvula. “As duas válvulas existentes até então apresentavam um tipo de problema cada uma. A de material orgânico não sofre rejeição do organismo, mas tende a degenerar depois dos cinco primeiros anos, o que exige sucessivas reoperações”, conta. “Já a de carbono tem durabilidade indeterminada, mas suscita a reação contrária do organismo, que tende a depositar coágulos de sangue em cima do material. Isso prejudica a circulação sanguínea e exige a ingestão de anticoagulante, que se tomado em excesso pode dar hemorragias”. Para amenizar esses problemas, Magalhães desenvolveu a válvula híbrida, que é de material sintético com revestimento de material orgânico. Esse trabalho é pioneiro no mundo e já tem cinco anos. “Cerca de 50 pacientes usam essa válvula. Comparamos seus resultados clínicos com os de pessoas que utilizam outros modelos. Nesses anos, passamos a usar metade da dose de anticoagulante e constatamos que a rejeição é muito menor”, garante. O médico lembra que, apesar desse ser um tempo bom, em medicina o ideal são dez anos para se ter um diagnóstico definitivo.
As válvulas são híbridas, utilizam ao mesmo tempo material biológico e mecânico. A válvula cardíaca faz com que o coração seja uma bomba aspirante permanente, direcionando o sangue para determinado sentido. As próteses são utilizadas quando a válvula original sofre inflamação, infecção ou degeneração devido à velhice. Esse tipo de problema responde por 20% a 30% do total das cirurgias cardíacas. Tradicionalmente há dois tipos de válvulas artificiais. A biológica é retirada de animais como bois ou porcos. Não necessita de manutenção, mas como o material é morto pode degenerar com o tempo. O outro tipo é a mecânica, que é feita com material sintético ou metálico. O problema dela é que o sangue só circula bem em superfícies biológicas. Assim, a tendência é formar coágulos em cima do carbono que compõe a válvula. A válvula híbrida, por sua vez, traz as melhores características desses dois tipos.
Para produzir carbono vítreo é necessária uma resina especial, chamada resina furfurílica. Este material era comprado pela HP, mas a qualidade não era constante. Isso interferia em muito na produtividade da empresa. A solução seria dominar também a tecnologia de produção da resina. Para aprender a fazer a resina o doutor Magalhães procurou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Existem vários tipos de resina. A furfurílica, que é feita de furfurol, tem a capacidade de formar carbono vítreo de boa qualidade. A proposta de trabalho do IPT incluiu ensaios preliminares e caracterização de algumas propriedades da resina que era usada anteriormente. Os pontos nervosos do projeto eram a determinação da temperatura da reação e do tipo e concentração dos catalisadores necessários à mesma. Depois de alguns testes, chegou-se à condição ideal.
Mesmo com os resultados animadores, ainda existem várias dificuldades na comercialização dessas válvulas. “O produto americano já está há 25 anos na praça, o que lhe dá muita confiabilidade. Os médicos têm receio de mudar para outra tecnologia”, relata. “É necessário fazer trabalhos científicos que mostrem os resultados do novo produto. Com o tempo, esperamos que haja uma maior confiança no produto nacional”, diz Magalhães. Um dos benefícios já comprovados da válvula nacional é o fato dela não estar sujeita às variações do dólar, como as importadas. Além disso, a HP criou um corpo de funcionários especializados na manufatura das válvulas. “Como não havia mão-de-obra específica, pegamos profissionais de áreas próximas e os formamos”, conta o médico. A empresa hoje congrega todas as etapas da produção: a síntese da matéria-prima, a confecção das válvulas e o revestimento final. Por conta dessa tecnologia, começaram a fabricar também válvulas para o controle de pressão no cérebro. Para fazer o trabalho, há uma equipe de 15 profissionais com capacidade de produzir 400 válvulas por mês. Atualmente, comercializam cerca de metade da produção.
Os planos do médico são de expandir a comercialização e, no futuro, começar também a exportar, pois esta é a única empresa de válvulas da América Latina. Hoje as válvulas cardíacas são usadas nos hospitais universitários das universidades federais do Rio Grande do Sul e do Paraná, e também no hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, além de serem exportadas para a Venezuela. A tecnologia de produção de carbono para a obtenção de válvulas cardíacas só é dominada nos Estados Unidos, Itália, Rússia e Brasil. “Temos como objetivo pesquisar, desenvolver e comercializar o produto e com o dinheiro reinvestir na própria empresa”, diz Magalhães. “Para isso, seria muito bom se conseguíssemos parcerias. Já tivemos auxílio do Ministério de Ciência e Tecnologia para implementar a síntese da matéria-prima e vamos fazer solicitação de apoio à Fapesp”, completa. Mesmo com planos de expansão, a empresa continua com uma administração familiar. “Três dos meus quatro filhos trabalham aqui. A Márcia como secretária-executiva, o Elias na administração e o Pércis, que também é cardiologista. Isso me deixa muito feliz, pois a HP é, na verdade, a realização de um grande sonho da minha vida: desenvolver tecnologia médica para as gerações futuras do País”, conclui.
Fonte:
http://www.jt.estadao.com.br/suplementos/domi/2000/04/30/domi012.html
acesso em novembro de 2002
Cronologia do Desenvolvimento Científico e Tecnológico Brasileiro, 1950-200, MDIC, Brasília, 2002, páginas 253
Tecnologia & Inovação para a indústria, Sebrae, 1999, página 156