Em Casimiro de Abreu, a “inclusão” de deficientes físicos na sociedade deixou de ser conceito abstrato para fazer parte do dia-a-dia de moradores, como o do comerciante Júlio César Marques. Dono de uma lanchonete na rodoviária, Julinho conheceu a terapeuta Maria do Carmo Stroligo, ali mesmo no balcão. Cacau foi uma das criadoras da APAE no município em 1995. Conversa vai, conversa vem, ele resolveu mostrar à terapeuta um jogo de xadrez que havia desenvolvido para deficientes visuais. A engenhoca foi criada como um gesto de solidariedade para um amigo que perdera a visão de forma trágica. “Eu imaginei como seria a minha vida se aquilo acontecesse comigo”, conta Julinho. Ao dividir a dor com o amigo, o comerciante deixou fluir sua inventividade.
O primeiro obstáculo foi desvendar a linguagem braile. Aos poucos, Julinho foi descobrindo o significado de cada conjunto de pontos que forma as letras do alfabeto perceptível pelo tato. Queimou a pestana para achar um jeito de transpor aquele universo para um jogo de xadrez, um dominó ou um baralho. Ao entrar em contato com a APAE, ele descobriu um público ávido por testar os inventos. De seu cérebro privilegiado saiu um jogo de xadrez em que não é preciso enxergar as peças: o formato da base de cada uma reproduz o movimento que se pode fazer no tabuleiro. Julinho fez ainda réguas de quatro faces gigantes -com a base em papelão e as letras do alfabeto em braile reproduzidas com bolas de gude. Elas são o instrumento usado para a escrita em braile, que, transformadas em brinquedo, tornam o aprendizado mais fácil. “Sinto muito orgulho de estar participando dessa transformação”, emociona-se o comerciante.
Da lanchonete, o comerciante tira seu sustento e mais as caixas de biscoitos, cervejas e refrigerantes. Com o papelão das embalagens que ele faz algumas peças, todas confeccionadas artesanalmente. A genialidade de Julinho, que cursou apenas o 1º grau, lhe renderia trabalho em qualquer lugar do mundo, mas ele nem pensa em sair de Casimiro. No máximo, vai ao Rio para registrar suas ideias na Biblioteca Nacional, na esperança de que um dia elas ultrapassem os limites do município. Seu sonho é publicar livros com os desenhos das peças dos jogos em tamanho original, de modo que possam ser montadas pelos leitores. Lucro não lhe interessa. Já teve ofertas para comercialização dos brinquedos, mas não quer ver suas invenções em plástico. Ele acha que o papel é ideal para o projeto que tem em mente. “As folhas do livro seriam destacáveis e o trabalho de recortar, colar as peças no papelão e montá-las ficaria a cargo de pessoas deficientes ou até de presidiários, que assim teriam uma fonte de renda”, explica o inventor.
Fonte:
http://marieclaire.globo.com/edic/ed115/rep_cidade.htm
acesso em julho de 2002