Da saliva do carrapato-estrela (Amblyomma cajennense), a ciência conhece apenas os efeitos nocivos. A febre maculosa, doença muitas vezes fatal, é transmitida pela picada do aracnídeo. Da mesma substância, porém, podem sair novos medicamentos contra o câncer, além de anticoagulantes. Há seis anos, pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo, trabalham no desenvolvimento de uma droga que possa ser utilizada com as duas finalidades. O prognóstico é animador. A pesquisa – ainda não publicada – foi um dos destaques no 22º Congresso Internacional da Sociedade de Trombose e Hemostasia, realizado em Boston (EUA), em julho. “Imaginávamos que a saliva do carrapato tivesse algum componente que inibe a coagulação, pois, como hematófago, precisa manter o sangue fluindo para se alimentar”, explica a farmacêutica Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, coordenadora do estudo.
Partindo dessa suspeita, a pesquisadora analisou a sequência de genes da glândula salivar do carrapato, responsável pela produção de uma proteína anticoagulante. Os resultados foram comparados à ação de anticoagulantes conhecidos como TFPI (presentes na saliva humana). A conclusão foi que a proteína presente na saliva poderia ser produzida em laboratório. Um pedaço do DNA analisado foi introduzido em bactérias Escherichia coli que passaram a secretar a mesma proteína. “Elegemos esse clone e produzimos a proteína recombinante”, explica Ana Marisa. O resultado do estudo transformou-se em um pedido de patente, depositado em 2004, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). No entanto, em pouco tempo, Ana Marisa descobriu que a pesquisa renderia mais do que um futuro anticoagulante.
Testando a proteína em células de vaso sanguíneo para medir seu nível de toxicidade, descobriu-se que a substância é segura para células saudáveis, mas fatal para células tumorais. O experimento foi então extendido a camundongos que tiveram melanomas (câncer de pele) induzidos, e o resultado surpreendeu os pesquisadores. Tratados durante 42 dias com a proteína, os tumores dos camundongos apresentaram reversão completa. “Testamos em culturas de células tumorais e a surpresa foi positiva, pois a proteína tem atividade altamente citotóxica para elas e não para células normais”, explica Ana Marisa. Algumas das explicações que os cientistas buscam agora são como funciona a ação pró-coagulante de alguns tipos de tumores – como o melanoma e o de pâncreas – e a inibição de mecanismos de divisão celular. “Essa relação é um grande achado, pois quando você retira sangue desses tumores pode ver ele coagular ainda na seringa”, diz a pesquisadora do Butantan.
O estudo segue em fase pré-clinica, ou seja, ainda passará por mais testes antes de ser aprovado para experimento em humanos, mas já despertou o interesse da indústria farmacêutica. Os laboratórios BioLab, Aché e União Química formaram um consórcio para a produção de futuros medicamentos que podem surgir a partir da descoberta. Ana Marisa, no entanto, não demonstra otimismo. Segundo ela, o entrave burocrático para transformar a pesquisa de base em um produto desistimula os cientistas e impede que novos medicamentos cheguem ao mercado. “O Instituto Butantan não tem autonomia para assinar patentes e o processo burocrático é longo”, afirma. “Por outro lado, a indústria questiona por que investir em algo que não tem segurança jurídica.”
O PI0406057 trata de “PROCESSO DE OBTENÇÃO DE UM INIBIDOR DE PROTEASES DO TIPO KUNITZ A PARTIR DE UMA BIBLIOTECA DE CDNA DE GLÂNDULAS SALIVARES DO CARRAPATO AMBLYOMMA CAJENNENSE: SEQÜÊNCIA DE OLIGONUCLEOTÍDEOS DO CLONE, E SEQÜÊNCIA DE AMINOÁCIDOS DA PROTEÍNA RECOMBINANTE, PROTEÍNA RECOMBINANTE; PROCESSO PARA DETERMINAÇÃO DA ATIVIDADE INIBITÓRIA SOBRE O FATOR X ATIVADO, PROCESSO PARA DETERMINAÇÃO DA ATIVIDADE ANTICOAGULANTE EM PLASMA, PROCESSO PARA DETERMINAÇÃO DA ATIVIDADE APOPTÓTICA EM LINHAGENS DE CÉLULAS TUMORAIS HUMANAS E MURINAS, PROCESSO DE DETERMINAÇÃO DE ATIVIDADE ANTI-METASTÁTICA EM TUMOR DE MELANOMA, PROCESSO DE DETERMINAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-CÂNCER, IN VITRO E IN VIVO, USO DO RECOMBINANTE EM DIFERENTES MECANISMOS HOMEOSTÁTICOS (COAGULAÇÃO E RESPOSTA IMUNOLÓGICA) , ANTI-PROLIFERATIVOS, ANTI-APOPTÓTICOS E ANTI-ANGIOGÊNICOS”.
Trata-se a presente invenção de um inibidor recombinante do tipo Kunitz que foi obtido a partir de um gene clonado de uma biblioteca de cDNA das glândulas salivares do Amblyomma cajennense, e o inibidor denominado Amblyomin-X apresenta massa molecular da ordem de 13.500 Da. O Amblyomin-X quando testado sobre o FXa utilizando o substrato colorimétrico especifico para o FXa, inibe o FXa e a inibição mostrou-se dependente da presença de fosfolipideos (Fosfatidilserina : Fosfatidilcolina). A atividade inibitória do Amblyomin-X foi verificada também nos testes de coagulação, sendo avaliados o tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA ), o tempo de protrombina (TP) e o teste PCA – pro coagulant activity assay. A presença de 7,5 uM do inibidor prolonga cerca de 3 vezes TTPA; aproximadamente 6 vezes o TP, e também prolonga cerca de 2 vezes o PCA, sendo que este ensaio foi realizado tanto na presença de fosfatidilserina : fosfatidilcolina como na presença de corpos apoptóticos (produzidos a partir de células CHO) como fonte de fosfolipídeos. O tratamento in vitro das linhagens tumorais B16F10, SW12A1, B3, L292, MCF7, HL60, K562, U937 e JURKAT com o Amblyomin-X demonstrou que o inibidor exerce um efeito apoptótico de maneira tempo e dose dependente nestas células. Nenhum efeito foi observado em células normais de fibroblastos humanos, macrófagos, neutrófilos e linfócitos. Camundongos (C57BL/6J) portadores de melanomas dorsais que receberam Amblyomin-X (1mg/kg) durante 12 dias apresentaram redução significativa da massa tumoral e do número de metástases quando comparados a um grupo de animais portadores do tumor e não tratados.
Além disso, camundongos (C57BL/6J) portadores de metástases no pulmão, que foram tratados com Amblyomin-X (1mg/kg) durante 12 dias apresentaram redução no número de nódulos tumorais no parênquima pulmonar quando comparados a um grupo com tumor não tratado. O tratamento, por via subcutânea, de camundongos (C57BL /6J) portadores de melanoma, com 42 doses de Amblyomin-X (1mg/kg), mostrou que o inibidor é capaz de fazer a remissão completa do tumor, impedir metastases e não causar alterações hematológicas nos animais, mantendo o hemograma semelhante ao de um grupo de animais sadios. A análise do ciclo celular dos tumores dorsais de animais tratados com Amblyomin-X mostrou uma grande parte das células tumorais em apoptose, quiescentes e com baixa capacidade proliferativa. As células obtidas de metastases pulmonares encontram-se em grande parte na fase G2/M incapazes de se dividir. A atividade funcional de macrófagos obtidos de animais portadores de tumor dorsal e tratados com Amblyomin-X mostrou que a droga aumenta a capacidade fagocitária destes macrófagos mediada por C3B e pelo receptor FC. Assim, o Amblyomin-X além de um inibidor do FXa, também é eficaz no tratamento alvo de neoplasias malignas.
Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1265464-5603,00-PESQUISA+DO+INSTITUTO+BUTANTAN+USA+SALIVA+DE+CARRAPATOESTRELA+CONTRA+CANCER.html
acesso em agosto de 2009