Manoel Dias de Abreu foi o inventor da abreugrafia que revolucionou o diagnóstico e tratamento da tuberculose, através de um método de diagnóstico coletivo e o primeiro no mundo a falar sobre Densitometria Pulmonar. O papel social da ciência era algo claro para Abreu: “No valor da ciência, está o valor da vida; fora da vida, a ciência não tem a menor finalidade”. Abreu escreveu poesias e trabalhos em filosofia, além de inovar em outras áreas fora da medicina, como em hidráulica. Em Manuel de Abreu, observa Barros Vidal, lampejava “esse gênio de múltiplas formas, que fazia a grandeza do sábio, alimentava a inspiração do poeta e dava originalidade e profundeza ao filósofo”. Não raro se encontra o poeta e o cientista como no momento em que descreve a emoção que experimentou ao contemplar os primeiros resultados daquilo que perseguia com tenacidade por anos: “no filme revelado estavam as primeiras fluorografias; olhei-as longamente; eram flores para mim, eram pássaros, cantavam um canto matinal que me extasiava”.
Manoel de Abreu foi o terceiro filho do casal Júlio Antunes de Abreu, português da província do Minho, e Mercedes da Rocha Dias, natural de Sorocaba. Nasceu em São Paulo a 4 de janeiro de 1892. Manoel Dias de Abreu realizou seus primeiros estudos nas escolas Americana e Hydecroft na capital paulista, e os preparatórios na Faculdade de Direito de São Paulo. Diplomou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1913 e defendeu tese de doutoramento intitulada “Natureza Pobre”, relativa à influência do clima tropical sobre a civilização, em julho de 1914, influenciada provavelmente pelos Sertões de Euclides da Cunha. Nesse mesmo ano, deixa o Brasil acompanhado de seus pais, seu irmão Júlio Antunes de Abreu Júnior e sua irmã Mercedes Dias de Abreu, com destino à Europa, a fim de aperfeiçoar-se nos hospitais de Paris. A primeira Grande Guerra obriga-os a desembarcar e permanecer em Lisboa até o início do ano de 1915 quando, enfim, a família Abreu chega à capital da França. Seu primeiro contato com a medicina francesa foi no “Nouvel Hôpital de La Pitié”, mais precisamente, no serviço do professor Gaston Lion. Encarregado de fotografar peças cirúrgicas, Manoel de Abreu demonstra engenhosidade e constrói um dispositivo especial para obter fotografias da mucosa gástrica. Além do aparelho, Abreu tem a ideia de mergulhar as peças a serem fotografadas, na água, visando à uniformização da superfície faiscante.
Foi entre as paredes do Hôtel-Dieu, no ano de 1916, que o jovem brasileiro despertou para os encantos da emergente radiografia, especialidade criada por Roentgen em 1895, cerca de vinte anos antes. Uma das mais espetaculares e influentes invenções, o aparelho de radiografia, inventado pelo físico alemão Wilhelm Röntgen, em 1895, revolucionou a medicina ao permitir que os médicos obtivessem imagens não invasivas do corpo dos pacientes, ou seja, sem precisar abri-los. Milhares de diagnósticos se tornaram possíveis, desde fraturas até tumores, úlceras e distúrbios das veias e artérias.
Mas até os tempos de Abreu, os médicos não utilizavam radiografias com fins de diagnósticos, confiando apenas no método de percussão e auscultação, com uso de estetoscópio. Radiografias chegavam a ser utilizadas com fins de diversão. A primeira radiografia foi realizada no Brasil em 1896. A primazia é disputada por vários pesquisadores: Silva Ramos, em São Paulo; Francisco Pereira Neves, no Rio de Janeiro; Alfredo Brito, na Bahia e físicos do Pará. Como a história não relata dia e mês, conclui-se que as diferenças cronológicas sejam muito pequenas. Em 1897 um rico comerciante de Recife, capital de Pernambuco, importou um aparelho para fazer, em suas festas, radioscopias das mãos das senhoras da Sociedade local.
No seu livro, o doutor Itazil dos Santos narra com rara felicidade o fascínio que causou em Manoel de Abreu, em 1916, o inesperado diagnóstico radiológico de tuberculose em doente cujo exame propedêutico clínico, realizado pelo chefe do Serviço, o professor Gilbert, nada havia revelado de anormal: “Feita à chapa, Abreu levou-a -ainda molhada e presa aos grampos com os quais deveria voltar à solução fixadora,- a seu mestre….Tomando a chapa nas mãos, Gilbert suspendeu-a em face da janela, para examiná-la por transparência…Não pôde esconder mais do que a sua surpresa, o seu espanto, ante o quadro que se lhe deparava aos olhos, de uma tuberculose avançada, complicada de Pio pneumotórax….aquela contradição entre o achado clínico e o achado radiológico era resultante da transição que experimentavam os conhecimentos médicos na ocasião…a radiologia ensaiava seus primeiros passos…para ele, Abreu, aquela contradição chocante, entre a estetacústica e a radiologia, teve uma grande significação.” Esse acontecimento provavelmente contribuiu para que o jovem médico brasileiro se inclinasse definitivamente para a radiologia.
O professor Gilbert viria a aproximar Manoel de Abreu da promissora especialidade ao confiar-lhe a chefia do Laboratório Central de Radiologia do Hôtel-Dieu, ocupando o posto do Dr. Guilleminot, afastado para servir na Grande Guerra. Guilleminot relata a Abreu suas pesquisas em radio cinematografia indireta, assinalando que seu êxito definitivo dependeria de obter écrans de maior fluorescência (as imagens não tinham muita definição), emulsões fotográficas mais sensíveis e objetivas de abertura maior. Não pensava Abreu ainda na fluorografia, na fotografia do écran como solução para o exame coletivo “Há certas criações do pensamento que somente se realizam numa encruzilhada. No caso da fluorografia em massa, a ideia nasceu do encontro da fotografia da imagem fluorescente e do diagnóstico das afecções torácicas. Quando ambos atingiram a plenitude no meu pensamento, eu teria encontrado a chave do recenseamento em massa das populações”
O terceiro nosocômio que frequentou em Paris foi o Hospital Laennec , desta vez como assistente do professor Maingot. Lá, aperfeiçoou-se na radiologia pulmonar e desenvolveu a densimetria, isto é, a mensuração das diferentes densidades. O tom, a densidade, a tonalidade das sombras ou imagens, não haviam sido ainda devidamente valorizados. Não haviam sido ainda convenientemente pesados como elementos de apreciação das mesmas. Coube a Abreu o mérito de salientar a importância da tonalidade da sombra pulmonar, como um elemento indispensável à própria caracterização da imagem radiológica. Ao invés de termos vagos, imprecisos, para exprimir as diferentes nuances de tonalidades das sombras, dever-se-ia fazer a mensuração delas e exprimi-las em graus.
A frequência ao Hospital Laennec proporcionou a Abreu o convívio com personalidades de projeção na época, da medicina torácica e pulmonar, entre as quais Rist, Leon Bernard, Ameuille, Kuss. Ao pensar nas vantagens da sistematização dos quadros da radiologia pulmonar da tuberculose, Abreu, sobrepondo-se à sua época e à fase de evolução que atravessava a radiologia entrevê na fotografia (filme pequeno de 36 mm) da radioscopia do tórax (écran, 30 x 40 cm) o meio exequível de realizar em massa o exame de tórax, em tempo mínimo e por baixo custo. Foi também no hospital que leva o nome do inventor do estetoscópio que visualizou pela primeira vez na fotografia do “écran” fluorescente o meio de realizar exame do tórax em massa e por baixo custo com a finalidade de detectar precocemente a tuberculose pulmonar. Infelizmente, obstáculos técnicos o impediram de desenvolver a abreugrafia já em 1919: “a luminosidade muito fraca da fluorescência do écran está longe de ser suficiente para impressionar os ceclulóides com sais de prata em tão mínima fração de segundo; tal é, pelo menos, o resultado de nossas experiências”.
Teria decidido aguardar o momento oportuno para retomar suas experiências, quando se entregou aos trabalhos de catalogação, de ordenação dos aspectos radiológicos, isto é, das imagens ou sombras pulmonares e pleurais; identificando as imagens segundo suas características emprestando-lhes o sentido clínico necessário. Além da nomenclatura das imagens radiológicas pleuropulmonares, tentou a caracterização de alguns quadros na tuberculose pulmonar. O trabalho foi publicado como livro “Radiodiagnostic dans la tuberculose pleuro-pulmonaire”, publicado em 1921, prefaciado pelo Dr. Rist, que para fazê-lo exigiu em troca que se eliminasse alguns pontos “quanto à suposta superioridade da radiologia sobre a estetacústica”, que concordou em fazê-lo: “As novas ideias, se propagam pela sua própria fascinação, que é irresistível”. O livro, publicado em francês pela consagrada editora Masson, de Paris, teve enorme repercussão na França e em outros países, tornando-se referência.
Ao retornar ao Rio de Janeiro em 1922, encontra a cidade assolada por uma epidemia de tuberculose que o impressiona a ponto de declarar: “Havia óbitos, não havia doentes, os quais ocultavam seu diagnóstico na espessa massa da população; os poucos doentes que havia, procuravam o dispensário na fase final da doença, quando o tratamento, o isolamento e as várias medidas profiláticas já eram inúteis”. Á este quadro soma-se as dificuldades em prosseguir suas pesquisas, como relata seu assistente Carlos Osborne: “A falta de recursos das instituições, a falta de visão política e social dos governantes para assuntos médicos e científicos…tudo era difícil”. Abreu traduzia para os íntimos a falta de afinidade entre ele e o meio médico, científico e social do Rio: “Tenho às vezes a impressão de que estou numa grande aldeia”
Graças a Braeuning e Redeker descobriu-se que a tuberculose, em sua fase inicial era assintomática, e que, consequentemente os doentes deveriam ser procurados no seio dos grupos aparentemente sadios. Só a Manuel de Abreu ocorreu à ideia, de profundo alcance social, de aplicação da fotografia do écran ao exame sistemático das coletividades, abreugrafia como hoje é denominada. A preocupação de fotografar o écran, propriamente remonta contudo á época do descobrimento dos raios X, conforme os trabalhos de Bleyer, seis meses após o descobrimento de Roentgen em 1895, através de um aparelho que denominou fotofluoroscópio, bem como nos trabalhos de radio cinematografia de Kohler em 1907. Copbe contudo a Abreu, sem dúvida, o mérito de haver conseguido de maneira prática e definitiva, a fotografia do écran fluorescente. Mas seu maior mérito é o de o de ter conseguido com a finalidade de dar solução ao problema do exame sistemático de diagnóstico precoce da tuberculose das coletividades.
Ao retornar ao Brasil, em 1922, deparou-se com uma epidemia de tuberculose no Rio de Janeiro e, em 1924 realizou uma segunda tentativa de obter a fotografia do écran, mas sem sucesso. Prosseguiu na luta contra a tuberculose e por sua influência e de José Plácido Barbosa da Silva (RIBEIRO, 1986), chefe da Inspetoria de Profilaxia contra a Tuberculose, criada em 1º de janeiro de 1921, foi instalado neste estabelecimento o primeiro Serviço de Radiologia na cidade do Rio de Janeiro, com um dispensário destinado ao diagnóstico daquela doença. Ao assumir a chefia do Serviço de Radiologia do Hospital Jesus, a pedido do médico e prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto do Rego Batista (1931-1934; 1935-1936), buscou novamente criar a fluorografia, em função da incidência de inúmeros casos de tuberculose entre as crianças radiografadas.
Uma segunda tentativa de obter fotografia do “écran” tem lugar em 1924. Desafortunadamente, ainda não é desta vez que alcançará o sucesso. Apesar disso, prossegue na luta contra a tuberculose e, por sua influência, junto com o primeiro dispensário organizado no Rio, é instalado o primeiro Serviço de Radiologia destinado ao diagnóstico daquela doença. A exequibilidade prática da fotografia do écran estava sobretudo na dependência de um écran capaz de emitir, pela sua maior energia actínica, luminosidade suficiente para impressionar a película fotográfica. Somente a partir de 1933 se conseguiram écrans aperfeiçoados, de maior energia actínica, chamados fluorográficos. Foram esses os écrans de sulfureto de cádmio e zinco, que emitem fluorescência verde-amarelo para serem usados com película de 35mm. Esse tipo de écran foi fabricado pela Casa Patterson com o nome de écran tipo B.
Quando Abreu iniciou seus estudos sobre o mecanismo de formação da imagem radiológica, era pensamento dominante que a visualização radiológica dos contornos do mediastino (espaço torácico) se baseava apenas na densidade que este oferece aos raios X pelos órgãos que o constituem. Coube a Manoel de Abreu, em 1924, demonstrar através da teoria da superfície de contraste pulmonar, que a visualização radiológica dos contornos mediastinais decorrem do contato anatômico destes com a transparência pulmonar e da extensão da superfície de contraste. Considerando Manoel de Abreu o mediastino como um corpo geométrico, cuja visualização radiológica depende fundamentalmente das condições referidas a pouco, criou a radiogeometria: “onde se combinavam o elemento físico, constituído pela irradiação e as várias densidades do organismo, ao elemento puramente geométrico, constituído pelas superfícies de oposição”. Suas teses são coligidas em 1926, no livro “Essai sur une nouvelle Radiologie Vasculaire”. Em 1928 decide voltar à Europa com a ideia de expor suas teses em congressos e palestras.
Em Paris compõem poesias para jovem Dulcie, que ficara no Brasil: “sentirei contigo a piedade desta sombra, a libertação da tua doçura, realizarei o meu verdadeiro destino, não possuir, não vencer, não odiar, apenas viver, humilde, feliz, desconhecido, no estreito limite que separa o teu corpo do meu”. Casa-se, na residência de seus pais, em São Paulo, com a senhora Dulcie Evers de Abreu no dia sete de setembro de 1929.
No Rio de Janeiro, assume, a pedido do médico e prefeito Pedro Ernesto, a chefia do Serviço de Radiologia do Hospital Jesus e, diante do imenso número de casos de tuberculose pulmonar que diagnostica nas crianças radiografadas, decide-se pela terceira tentativa de criar a fluorografia. Ao invés do antigo écran de platino-cianureto de bário, contava-se agora com o écran de tungstato de cálcio, capaz de emitir uma fluorescência muito maior e écran de grãos mais finos (o tamanho dos cristais do sal sensível, ou grão, relaciona-se com questões de nitidez da imagem). O sucesso sorriu-lhe numa noite do ano de 1936. As imagens das primeiras fluorografias eram suficientemente nítidas. O desafio do diagnóstico radiológico a baixo custo parecia superado. Restava-lhe sistematizar o novo método, divulgá-lo e utilizá-lo em massa no combate à tuberculose.
O primeiro aparelho destinado a realizar exames em série da população foi construído pela Casa Lohner, filial da fábrica Siemens, e instalado no Centro de Saúde n° 3, à Rua do Rezende n° 128, na cidade do Rio de Janeiro. No mesmo lugar, foi inaugurado o primeiro Serviço de Cadastro Torácico, em 1937. Ali foram examinadas, de 8 a 21 de julho daquele ano, 758 pessoas aparentemente sãs, das quais 44 apresentavam lesões pulmonares detectadas pela fluorografia. Assim afirmava-se a utilidade da nova técnica, o que resultou na criação de outros Serviços de Recenseamento Torácico, como os do Instituto Clemente Ferreira, do Hospital Municipal e do Instituto de Higiene, todos em São Paulo. A fluorografia foi também adotada como recurso na luta contra a tuberculose em outras cidades do Brasil, da América do Sul, dos Estados Unidos e da Europa. Este novo método foi recebendo outras denominações como fluorografia, fotofluorografia, radiofotografia e Roentgenfotografia. Manoel Dias de Abreu adotou esta última denominação na apresentação de sua Nota Prévia sobre “Um novo método de exame – a radiofotografia”, em julho de 1936, na Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro.
A invenção de Manoel de Abreu foi responsável pela maior revolução no campo de diagnóstico precoce das doenças do tórax, principalmente a tuberculose e o câncer de pulmão. O método desenvolvido pelo médico era muito eficaz e permitia a realização de um grande número de exames em um curto espaço de tempo. A abreugrafia consistia na fotografia da tela fluorescente do aparelho, registrando a imagem em uma película radiológica comum de pequenas dimensões (35mm ou 70mm). Até então eram utilizados filmes radiológicos de grandes dimensões (30x40cm) totalmente inadequados para registrar exames em larga escala, pois, devido ao seu tamanho, geraria custo elevado, tempo de revelação demorado, dificuldade de arquivamento, além de interpretação médica cansativa e demorada. A invenção de Abreu possibilitou o rastreamento da tuberculose, de tumores pulmonares e doenças pulmonares ocupacionais (associadas ao trabalho). O seu custo operacional reduzido e sua alta eficiência proporcionaram a difusão mundial do método. Foram criadas unidades móveis com aparelhos de abreugrafia instalados em veículos, que realizavam as radiografias torácicas em locais públicos e em grandes indústrias. Na Alemanha, até o ano de 1938 o número de exames feitos já ultrapassava os 500 mil.
Casa Lohner S.A., tradicional firma do ramo médico hospitalar e odontológico, subsidiária e representante da Siemens, famosa produtora de aparelhos de Raios X, ondas curtas, ultrassom, etc. A Casa Lohner foi a responsável pelo lançamento do, à época revolucionário, aparelho de Abreugrafia. Seu presidente Henrique Strattner viria a fundar em 1950 a empresa que leva seu nome, ainda existente com sede no Rio de Janeiro. De 8 a 21 de julho desse ano, foram examinados 758 indivíduos aparentemente sãos, dois quais 44 apresentavam lesões pulmonares detectadas pela fluorografia. A nova técnica começava a provar sua utilidade. Ainda em 1937, o Centro de Saúde n.3, onde se achava instalado o serviço de exame coletivo recebe a visita de personalidades ilustres, entre as quais: A. Sarno do Uruguai; Unvenrricht e Ulrici, de Berlim; Holfelder, de Frankfurt. Em 1938 viriam Bustos, do Chile; Sayé, da Espanha; Sayago, da Argentina; Lindberg, dos EUA.
Durante o ano de 1938, três Serviços de Recenseamento Torácico foram criados em São Paulo: no Instituto Clemente Ferreira, no Hospital Municipal e no Instituto de Higiene. Outras cidades do Brasil, da América do Sul, Estados Unidos e Europa também adotaram a fluorografia como instrumento na luta contra a epidemia de tuberculose. Holfeder, entusiasta do método, vaticinou em 1938, para tempo não superior a dez anos “a erradicação da tuberculose na Alemanha”. O novo método diagnóstico recebeu várias denominações tais como fluorografia, fotofluorografia, radiofotografia e Roentgenfotografia. Esta última foi à escolhida por Manoel de Abreu na sua apresentação do novo processo de exame à Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro em julho de 1936: “na verdade, na especialidade, tudo deriva desse puro gênio que foi Roentgen”.
O Dr. Ary Miranda, presidente do I Congresso Nacional de Tuberculose realizado em maio de 1939, propôs que fosse utilizado o nome Abreugrafia para designar o método criado por Manuel de Abreu. Anos depois, em 1958, o prefeito de São Paulo Ademar de Barros determinou que as repartições públicas da Prefeitura deveriam obrigatoriamente usar o termo Abreugrafia e instituiu o dia 4 de janeiro, dia do nascimento de Manoel de Abreu, como o Dia da Abreugrafia, imitando o gesto do então Presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira. Manuel de Abreu foi premiado mundialmente: na Argentina com a MEDALHA DE OURO Mentor de La radiologia Americana, em 1953, dada pela Sociedade Argentina de Radiologia; na França como Membro Honorário da Academia de Medicina de Paris, onde apresentou o trabalho “Densitometria pulmonar”; nos Estados Unidos como Membro Honorário do American College of Chest Physician e foi condecorado em vários países do mundo, incluindo Japão, Alemanha, Suécia, etc.
Imperdíveis são os trechos das cartas que o Dr. Itazil reproduziu no seu livro a respeito da legitimidade do pioneirismo de Manoel de Abreu. A indignação da comunidade científica brasileira e dos vizinhos sul-americanos surgiu da publicação do trabalho do Dr. Friedrich Berner, no qual o aparelho fluorográfico da Casa Siemens-Reiniger-Werke está citado como “roentgenreihenbildner” (seriógrafo) segundo o Prof. Holfelder.
Na carta que o Dr. Th. Sehmer, diretor da Casa Siemens, de Berlim, enviou a Manoel de Abreu lemos: “… Pelas notícias recebidas, estamos extremamente consternados e na minha qualidade de gerente da Casa Siemens-Reiniger-Werke sinto-me obrigado a dar-lhe esclarecimentos detalhados … Nós denominamos oficialmente o nosso aparelho de Schirmbildgerat Siemens (Aparelho fluorográfico Siemens) ou Schirmbildgerat (Aparelho fluorográfico Siemens) segundo Abreu, com melhoramento segundo indicações do Prof. Holfelder … É verdade que o Sr. Dr. Berner citou unicamente o senhor Prof. Holfelder. Naquele trabalho ele não citou V. Exa. Nem outros investigadores notáveis. Em parte pode isso explicar-se pelo fato do Sr. Dr. Berner ser o primeiro assistente do Sr. Prof. Holfelder e que neste caso especial o Sr. Dr. Berner aproveitava a ocasião para exprimir a sua veneração pessoal ao seu mestre … mas certamente não queria dizer que Holfelder seja o inventor do processo seriográfico, mas sim aquele que o aperfeiçoou … Permita-me, excelentíssimo senhor Professor, aproveitar esta ocasião para chamar a sua atenção para o fato que mesmo o descobridor dos Raios X, o Professor Roentgen, sofreu maior injustiça do que sofre neste momento V. Exa. Sabemos que os cientistas ingleses e franceses opuseram-se por longo tempo à denominação Raios Roentgen, mas sim X-Rays, Rayons X e Raios X. Repetidas vezes rogaram os alemães que mencionassem o nome do descobridor, porém em vão … A invenção fala por ela mesma e tanto o nome de Roengten está inseparavelmente ligado à invenção dos Raios X, também o nome Abreu ficará sempre citado em primeiro lugar em relação ao aparelho seriográfico”.
Essa carta, mais do que apenas um esclarecimento ou um pedido de desculpas, constitui um documento histórico no qual se percebe certo ressentimento do médico alemão em relação aos ingleses e franceses aproximadamente dois meses antes do início da Segunda Guerra Mundial. Para melhor avaliar as imagens suspeitas obtidas com a abreugrafia, propôs o emprego da Tomografia Localizada que, por ser menos dispendiosa que a tomografia de todo o tórax, poderia ser utilizada de forma sistemática.
Visando eliminar os inconvenientes da demora e do custo elevado do estudo tomográfico corte a corte de determinada área do tórax, Manoel de Abreu idealizou a Técnica das Tomografias Simultâneas, isto é, a realização de vários cortes simultâneos em uma só exposição, através do emprego de vários filmes superpostos. Usualmente, ao fazer um corte tomográfico os raios X projetam um número infinito de cortes, os quais não são aproveitados. Para radiografar os planos que se projetam em profundidade, isto é, atrás do filme onde se vai obter o corte tomográfico, bastaria apenas ter vários filmes dispostos sucessivamente, ou ter um chassi contendo vários filmes superpostos.
Com o intuito de diminuir o número de casos sem diagnóstico baciloscópico, Abreu desenvolveu a pesquisa do bacilo de Koch no lavado pulmonar ou lavado traqueobroncoalveolar. Isso contribuiu muitas vezes para encontrar o bacilo da tuberculose, em lesões suspeitas, quando ele não era encontrado no esputo. Um grande número de pesquisadores confirmaram melhores resultados a este respeito do que com o lavado gástrico. O primeiro lavado foi realizado em 17 de agosto de 1944 no Hospital São Sebastião. A importância de sua obra rendeu-lhe inúmeras homenagens no Brasil e no exterior, conduziu à criação da Sociedade Brasileira de Abreugrafia em 1957 e à publicação da Revista Brasileira de Abreugrafia. Em 1950, na XI Conferência da União Internacional realizada na Dinamarca, Abreu apresenta um trabalho mostrando a queda acentuada dos índices de mortalidade da doença no Brasil observados no final da década de 40, em grande parte devido ao tratamento precoce da doença, graças a maior difusão das abreugrafias na massa da população da cidade. Abreu inovou também em área bem diversa da medicina: a hidráulica. Montou um protótipo de motor hidráulico que era regido por princípios distintos dos tradicionais que se utilizam do desnível da água para produção de energia: “No caso do dispositivo, como eu imaginei, cujo modelo você vê aqui, a energia é gerada não pelo escoamento do volume líquido que determina o desnivelamento, mas, pela variação de pressão de uma massa líquida sobre um sistema de corpos ocos e deformáveis, articulados, que são estes foles … No sistema hidráulico que criei, o volume d’água que move o teto e as folhas não é o mesmo que escoa. O volume de trabalho resulta do movimento do teto e das folhas, ao passo que o volume de escoamento resulta da redução do volume total do fole durante o ciclo. Sendo assim, a água de trabalho é o volume de água que move o teto e as folhas do fole.” Completada a fase experimental, com pleno êxito de resultados, procurava Abreu entender-se com instituições oficiais e particulares para a construção e experimentação do seu dispositivo, em proporções industriais, entretanto, não chegou a concluir resultados satisfatórios, por problemas de saúde.
Abreu rejeita a tese de que a tuberculose seria uma “doença social” determinada pelas condições sociais, em particular por uma alimentação deficiente. Para Abreu a profilaxia da tuberculose baseia-se essencialmente no diagnóstico e no tratamento. Com a possibilidade do diagnóstico da doença em indivíduos aparentemente sãos, pode-se tratar a doença sem a necessidade de dispendiosas internações, necessárias quando detecção na fase terminal da doença. Era a fórmula diagnóstico-isolamento que cedia lugar assim à fórmula diagnóstico-tratamento, sem necessidade de internações. Em simpósio de abreugrafia realizado em 1960 na Bahia, Abreu propõem o exame periódico obrigatório como o melhor meio de controle das populações pobres, alegando que a abreugrafia realizada duas vezes ao ano não oferecia qualquer risco quanto à radiação, posição aliás ratificada pela Comissão Internacional das Unidades Radiológicas ICRU em 1958. Manoel de Abreu, tabagista crônico, faleceu de câncer de pulmão em 30 de abril de 1962. Se a ideia de fotografar o écran e as tentativas de sua realização material remontam à época do descobrimento dos raios X e se a ideia do exame sistemático datava de 1921-1927 com os estudos de Redeker, é fora de dúvida que a solução prática da fotografia do écran fluorescente e sua aplicação ao exame coletivo sistemático da tuberculose cabem a Manoel de Abreu, em 1936.
Atualmente, a abreugrafia em grande escala não é mais utilizada. Em 1974 a Organização Mundial de Saúde (OMS) pronunciou-se categoricamente contra a abreugrafia em massa por levar em conta os riscos da exposição de um grande número de pessoas a radiações, além de assinalar que o procedimento tornou-se muito caro frente aos avanços tecnológicos, mesmo quando a prevalência da tuberculose é elevada. Outras desvantagens citadas foram: requer pessoal médico e técnico muito especializado, que poderia ser mais útil em outras atividades da área; os aparelhos e veículos encontram-se frequentemente avariados, sendo seu reparo dificultado pela escassez de peças de reposição. Modernamente constatou-se que a baciloscopia – pesquisa do bacilo da tuberculose no escarro – é um método mais barato e conclusivo, possibilitando tratamento mais ágil e eficaz. O reduzido número de radiografias necessárias durante o acompanhamento do paciente não justifica o recurso à abreugrafia. Em todo o mundo a abreugrafia poupou vidas. Entretanto, Manoel de Abreu, um humanista generoso, abriu mão da patente que lhe garantiria lucros sobre a venda dos aparelhos, pois desejava que seu processo diagnóstico estivesse disponível para um número maior de pessoas: “Eu vejo no horizonte a única porta aberta para o futuro, a da ciência (…) A ciência é de algum modo à única forma de ternura (…) As grandes descobertas da medicina foram realizadas por seres sonhadores, sublimes, inspirados pelo amor”. Seu nome foi indicado ao Comitê do Prêmio Nobel, na Suécia, para concorrer à premiação em Fisiologia ou Medicina, de acordo com recente levantamento histórico. Em reconhecimento, o dia 4 de janeiro, dia do seu nascimento. Foi instituído no Brasil como o dia nacional de abreugrafia.
Fonte: http://www.imaginologia.com.br/historia/manoel.htm
Acesso em dezembro de 2001
http://www.nib.unicamp.br/svol/artigo76.htm
http://www.imaginologia.com.br/historia/pioneiros.htm
Acesso em dezembro de 2002
http://www.strattner.com.br/historic.htm
Acesso em setembro de 2003
Vida e obra de Manoel de Abreu: o criador da abreugrafia (Rio de Janeiro; Irmãos Pongetti; 1963. 256 p. ilus) de Itazil dos Santos
http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbetes/abreuman.htm#dadospessoais
http://medbiography.blogspot.com/2006/03/manoel-de-abreu-incl-foto-photo.html
http://www.revistadehistoria.com.br/historiadaciencia/2010/12/de-pulmoes-abertos/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Dias_de_Abreu
Acesso em dezembro de 2010
De pulmões abertos: o cientista Manoel de Abreu foi responsável pela maior contribuição à área de diagnóstico precoce da tuberculose. Elvio Armando Tuoto, Revista História da Biblioteca Nacional, Edição Especial, n.2, novembro de 2010