O bordão roqueiro segundo o qual ”não basta tocar, é preciso viver a música” foi seguido ao pé da letra por Rafael Lobo e Bernardo Costa, formados no fim do ano passado em desenho industrial pela Universidade de Brasília (UnB), e acabou se convertendo em exemplo raro para corroborar outra máxima, a que define a universidade como ”celeiro de inovações”. O projeto final de conclusão do curso apresentado pelos designers é a primeira guitarra especificamente desenvolvida para tocar psychobilly (veja quadro). E, na tarde da última sexta-feira, tornou-se a 26ª solicitação de patente feita pela UnB desde sua fundação. “Quando soube que em toda a história da universidade há tão poucos pedidos de patentes, fiquei assustado. O que acontece com a pesquisa desenvolvida lá?” indaga Rafael.
Uma das muitas respostas foi dada pelo professor José Matias Pereira, que desenvolve pesquisa no Departamento de Administração da UnB sobre políticas de propriedade industrial: a resistência dentro da própria universidade. Para alguns acadêmicos, patentear é restringir o acesso ao conhecimento. Mas há também a histórica falta de interesse das universidades em proteger suas inovações. Vem das empresas a maior parte das solicitações de patente que sobrecarregam o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) – responsável por conceder registros de propriedade intelectual no Brasil desde 1970. Hoje, cerca de 45 mil solicitações estão na fila, que continua crescendo. Ano passado, por exemplo, foram 24 mil novos pedidos. Os 80 técnicos examinadores deram conta de 20 mil. Seriam necessários 400 novos funcionários para cumprir a meta de quatro anos, no máximo, para a expedição da patente. Com o quadro atual, as patentes levam até oito anos para serem aprovadas. A guitarra de Rafael e Bernardo, por ser mais simples que inovações sofisticadas como as relacionadas a medicamentos, por exemplo, deve levar de cinco a sete anos.
A proteção aos direitos intelectuais por 20 anos, no Brasil, custa cerca de R$ 4 mil. Dependendo da área de conhecimento e eventuais disputas judiciais, os gastos extras podem ser exorbitantes. Em sua maioria, raramente são proibitivos para as instituições. A Unicamp, por exemplo, recordista entre as universidades brasileiras, encerrou o ano passado com 267 solicitações. Para o professor Pereira, a diferença entre as duas instituições reflete a realidade brasileira. “A região Sudeste continua sendo o pólo do conhecimento. No resto do País, não há condições para o desenvolvimento de muitas patentes, não há ambiente de mercado. É ilusão julgar que se faz pesquisas de impacto sem suporte financeiro”.
Pereira acredita que a Lei da Inovação, encaminhada pelo governo ao Congresso em 28 de abril – que propõe novo marco legal para fomentar a pesquisa na iniciativa privada – deverá estimular investimentos na área, ao regulamentar associações entre empresas e instituições de ensino. Para o professor Luiz Antonio Romeiro, coordenador do núcleo de química bio-orgânica e medicinal da Universidade Católica de Brasília, de onde saíram os dois únicos pedidos de patente da UCB registrados no INPI, essa forma de proteção agrega valor à pesquisa. “Significa mais interação com a indústria. As patentes aliam o poder da academia de produzir inovações tecnológicas às possibilidades de aplicações delas no mercado” diz.
Os pontos positivos apontados pelo colega da Católica encontram eco no reitor da UnB, Lauro Mohry, para quem as patentes têm caráter estratégico. Para procurar inovações ”patenteáveis” e cuidar dos procedimentos burocráticos relativos aos registros, a UnB tem um núcleo de propriedade intelectual e transferência de tecnologia dentro de seu Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDT). A coordenadora do núcleo, Márcia Boaventura, conta que há atualmente seis projetos sendo preparados pelo CDT para registro no INPI. O núcleo criou recentemente um disque-tecnologia (349-7880), que fornece informações e orientação a qualquer interessado em saber como patentear e por quê.
Fonte:
Jornal do Brasil (18/05/2004) “Uma guitarra ‘made in’ cerrado “
acesso em maio de 2004
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