Plataforma Lattes

Ninguém pode duvidar da constatação feita pelo professor Roberto Pacheco, coordenador do Laboratório de Desenvolvimento de Sistemas (Grupo Stela) da UFSC. Um grupo de quatro pesquisadores portugueses das universidades do Minho e de Trás-os-Montes veio a Santa Catarina participar de um intercâmbio do tipo, com o objetivo de compartilhar de um complexo sistema de captura de informação e gerenciamento de dados desenvolvido no Estado. O alvo do interesse dos pesquisadores é a Plataforma Lattes, criada pelo Grupo Stela para uso do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq, uma das mais importantes agências brasileiras de fomento da pesquisa. “Temos uma grande expectativa em relação a esta troca de informações”, afirma Leonel Duarte dos Santos, engenheiro do Departamento de Sistemas de Informação da Universidade do Minho, que leva o nome de uma província portuguesa com 820 mil habitantes.

 

“Pretendemos uniformizar a plataforma de dados em nosso país, desenvolver a qualidade da informação e conhecimento para uma maior gestão e relacionamento da comunidade científica com as empresas e a sociedade em geral”, completa o professor que acumula uma experiência de 13 anos junto à Universidade do Minho. Para que o projeto de cooperação entre os dois países dê resultado, o grupo ficou duas semanas em Florianópolis, a partir de 15 de fevereiro, trabalhando freneticamente nos seus laptops. Eles compilaram o maior número de currículos de pesquisadores, ou investigadores como são chamados em seu país, para, com essa base de dados, testar a aplicação da Plataforma Lattes em Portugal. “Estamos trabalhando com o material de aproximadamente 23 mil investigadores, o que representa mais de 90% daqueles que são cadastrados nos centros de fomento portugueses”.

O que a Plataforma Lattes promete fazer em Portugal é a mesma revolução que proporcionou em terras brasileiras ao gerenciar os dados do CNPq. O chamado CV Lattes (CV de curriculum vitae) é o carro chefe da plataforma desenvolvida pelo laboratório catarinense para o órgão de fomento. Esse sistema permitiu um gerenciamento mais eficiente do perfil dos pesquisadores cadastrados junto ao órgão, criando uma padronização até então inédita no país. Como acontece hoje em Portugal, o CNPq, entre outras instituições, trabalhava com até meia dúzia de modelos diferentes de documentos, o que atrapalhava, e muito, o controle de toda a informação que circulava pelo sistema. “Vários pró-reitores disseram que atualmente podem levar até três semanas fazendo um relatório para saber quem é quem em determinada linha de pesquisa interna”, garante o analista de Negócios em Tecnologia de Informação, Marcos Marchezan, coordenador geral de projetos do Grupo Stela. “Já com a Plataforma Lattes poderão produzi-los em questão de minutos”. Alguns números dão a ideia do nó que foi desatado ao se empregar o novo padrão: de 1997 a 1999, o CNPq tinha um total de 40 mil currículos cadastrados em seu banco de dados.

Já de 1999, ano em que o CV Lattes foi adotado, até meados de abril, o número cresceu para 141,5 mil, sendo que diariamente novos 100 currículos são acrescentados. Estão cadastrados ainda, mais de 11 mil grupos de pesquisa de 224 instituições diferentes. Coincidentemente, os engenheiros portugueses vinham trabalhando em um projeto semelhante na mesma época que os brasileiros, sem que os dois grupos se conhecessem. “Fazíamos um projeto com a mesma finalidade em 96”, conta Duarte dos Santos. “Infelizmente, não houve financiamento para continuidade dos estudos, ao contrário do que ocorreu no Brasil. Mas nos tornamos investigadores conhecidos em Portugal como interessados nesse objetivo”. Graças a essa experiência prévia, após um breve contato entre o grupo brasileiro e autoridades do Ministério da Ciência português, feito em dezembro do ano passado, em menos de dois meses a missão lusitana desembarcava em Santa Catarina. “Estamos abertos a toda cooperação, para potencializar nossos conhecimentos. Todos têm a aprender com todos”, conclui o engenheiro português.

De fato, o compartilhamento da tecnologia envolvida na Plataforma Lattes é só o início de uma série de permutas entre as universidades, a do Minho e a de Trás os Montes, de Portugal, e a Federal de Santa Catarina, do Brasil, que vão resultar em diversos intercâmbios entre professores e alunos. Além de uma porta de entrada para a Europa, essa cooperação também poderá ser estendida para a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, uma vez que o grupo de Portugal já entrou em contato com representantes de Moçambique, nação lusófona da África. Outro ponto importante no processo de internacionalização da Plataforma Lattes, é a América Latina, onde quatro países já demonstraram interesse em estender uma rede de compartilhamento de dados científicos. Chile, México, Venezuela e Colômbia já começaram a trabalhar nas suas bases de dados. “É importante lembrar que, mesmo com todos esses contatos internacionais, os direitos do CNPq sobre a tecnologia estão garantidos por contrato com todas as instituições interessadas”, sublinha o coordenador Roberto Pacheco.

Outra garantia de que o investimento público feito para padronizar e democratizar o acesso às informações das bases científicas seja assegurado, é que as parcerias são feitas sempre entre produtores de pesquisa ou órgãos de fomento, nunca com empresas ou grupos de interesse privado. Obviamente isso não quer dizer que o Grupo Stela ou o CNPq tenham restrições ao setor produtivo. Muito pelo contrário, quando os engenheiros da UFSC começaram o trabalho de reformulação do sistema de dados, uma das primeiras iniciativas foi realizar uma pesquisa com 700 consultores para saber da iniciativa privada quais dados mais interessavam que constassem nos currículos disponíveis em rede. O objetivo da cláusula de exclusividade com produtores ou incentivadores de pesquisa é impedir que as informações coletadas e gerenciadas pelo Lattes parem em bancos de dados fechados. “Quando um organismo entra em contato conosco para compartilhar a tecnologia da plataforma, isso não implica em nenhum investimento financeiro por parte deles”, esclarece Pacheco. “Mas é firmado o compromisso de que vai haver livre troca de informações das diferentes bases de dados”.

Essa troca é tão ou mais importante que a transferência tecnológica em si, como faz questão de lembrar Vinícius Kern, coordenador do Núcleo de Mídia Científica (MIC) da UFSC. “A possibilidade dessa integração de dados, fazendo com que o Brasil e esses países participem de uma comunidade de informações, é algo que plataformas nacionais independentes não permitiriam”. Isso garante tanto que o pesquisador, de posse de uma senha pessoal, possa cadastrar seu currículo livremente, quanto que qualquer interessado (seja outro pesquisador, um jornalista, ou um empresário) possa acessar essas informações. O acesso pode ser feito por sites como http://lattes.cnpq.br ou www.mic.ufsc.br, este último recém-lançado e mantido pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção de Sistemas da UFSC, do qual o Grupo Stela faz parte. Um grande desafio para o Laboratório de Desenvolvimento de Sistemas foi como lidar com diferentes formatos utilizados para confeccionar os currículos dos pesquisadores.

Se dentro do mesmo país a variedade de modelos já poderia inviabilizar o funcionamento de um banco de dados realmente integrado, o que dizer do trabalho intercontinental? A solução foi desenvolver um novo formato que pudesse ser lido por qualquer sistema utilizado pelo usuário final. XML, a sigla para eXtendable Markup Language, foi a tecnologia empregada para realizar a tarefa. Definida por Roberto Pacheco como um esperanto, essa “linguagem universal” foi utilizada pelo Grupo Stela interagindo e consultando nove instituições de todo o Brasil, para criar um padrão consensual sobre a estrutura de informações dos currículos. Basicamente o que os quatro investigadores portugueses fizeram em Santa Catarina foi adaptar as informações daqueles 23 mil currículos coletados em Portugal para o novo padrão XML. Todos esses avanços foram realizados por um grupo formado por 36 pesquisadores, entre doutores e doutorandos, trabalhando em forte caráter interdisciplinar.

Criado em 1995, para desenvolver a Secretaria Virtual do Núcleo de Ensino a Distância da UFSC, o Grupo Stela precisou procurar novos desafios logo que os trabalhos do projeto foram concluídos em março do ano seguinte. Em 1997, o grupo foi procurado pelo CNPq para prestar assessoria durante o III Censo de Grupos de Pesquisa do Brasil, levantamento feito pelo órgão a cada dois anos. Já com a confiança do Conselho Nacional, em 1998 os catarinenses passaram a se dedicar à redefinição de toda a estrutura de captura de informações da agência, em um processo que deu origem ao que hoje é a Plataforma Lattes. A reformulação do sistema de currículo levou todo um ano. O próximo passo do grupo vai ser a construção de um portal que vai ser a mais completa fonte de informação sobre cientistas e grupos de pesquisa em atividade no Brasil.

Às vésperas de completar quatro anos, a Plataforma Lattes alcança a marca de 300 mil currículos em sua base de dados e contabiliza nada menos do que 4 milhões de acessos. As duas marcas foram alcançadas em 10 de julho. Cerca de 40 países já visitaram as páginas do website, que só em junho recebeu 5 mil acessos. Entre os usuários estão a Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), UFPel (Universidade Federal de Pelotas), UEM (Universidade Estadual de Maringá), USP, Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), UFRGS, UFSC, PUC-RS e Universidade do Minho, de Portugal. Com quatro versões e elaborada em conjunto pelo CNPq e Grupo Stela, laboratório de desenvolvimento de sistemas de Santa Catarina, o software permite saber, entre várias coisas, qual é efetivamente a qualificação dos professores, quantos mestres e doutores há, onde eles se formaram e os cursos que fizeram. O processo de abertura não parou por aí. Atendendo antiga reivindicação dos usuários e desenvolvedores não adeptos do ambiente MS-Windows, o CNPq lançou o ‘Projeto Lattes para Linux’, que representa a abertura da plataforma de informações sobre CT&I para este sistema operacional. Significa dizer que a comunidade de software livre poderá atualizar informações de grupos de pesquisa, currículos e projetos com aplicativos em seus computadores, sem estarem conectados à rede.

A Plataforma Lattes também hospeda outras ferramentas projetadas para geração de informação e conhecimento. É o caso do Latttes Egressos, instrumento que permite visualizar a distribuição pelo país dos pesquisadores formados em cursos de graduação, mestrado, doutorado, MBA e especialização. É um verdadeiro censo demográfico de alto nível a cada consulta, dando condições de se planejar investimento na criação de cursos em áreas com déficit em determinado tipo de formação, ou ainda descobrir qual região apresenta melhor oferta de recursos humanos qualificados. O novo instrumento da Plataforma permite ainda outras pesquisas além do uso gerencial. O usuário pode, por exemplo, descobrir onde estão seus ex-colegas de curso, o que estão fazendo e onde encontrá-los para relembrar os velhos tempos. Desde abril de 2002, o Lattes Egressos está sendo usado para o preenchimento do Coleta – relatório exigido anualmente pela Capes aos coordenadores dos programas de pós-graduação com mestrado e doutorado. Batizado de Lattes Egressos da Pós-Graduação, ele facilitou a árdua tarefa de mapear os titulados nas instituições de ensino superior do país.

Requerido pela primeira vez em 2002, o cadastro dos egressos é um item a mais do Coleta e pretende resgatar informações de ex-alunos no ano base anterior ou até no máximo cinco anos anteriores. No entanto, só consegue mapear os mestres e doutores com Currículo Lattes preenchido. Por isso, o CNPq estimula a cultura do preenchimento do currículo junto a graduandos e pós-graduandos. A Plataforma Lattes, através do item Pró-Coleta Professor, já fornecia a produção intelectual e cadastro docente ao relatório da Capes. Tantos recursos e facilidades não poderiam passar em branco. A brasileira Plataforma Lattes chamou a atenção de outros países e hoje serve de modelo a uma rede de cooperação internacional. Trata-se da Rede ScienTI, idealizada para padronizar e compartilhar informações e metodologias de gestão sobre C&T e Inovação da América Latina, Caribe e dos países da Península Ibérica. A entidade foi criada em dezembro de 2002 em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, por ocasião do 1º Workshop da Rede ScienTI. Com a participação de 11 países, o encontro marcou o compromisso de adesão à complexa plataforma que permite a captura e o gerenciamento de dados para gestão de CT&I de modo similar ao que faz a Plataforma Lattes. Oficializada em maio na cidade de Puebla, México, durante o 6º CRICS (Congresso Regional de Informação em Ciências da Saúde), seu forte é a democratização, divulgação e intercâmbio de temas relacionados ao segmento.

‘Em Florianópolis, a Rede ScienTI se constituiu depois de diversos acordos bilaterais entre seus participantes. Em Puebla, com a indicação da Bireme (Centro Latino-Americano em Informação da Saúde) como secretaria executiva, inicia-se sua fase de operação’, esclarece Roberto Pacheco, também integrante do Núcleo de Grupos Nacionais de Desenvolvimento e Pesquisa da Rede. Para ele, a iniciativa é um subsídio necessário ao fortalecimento das relações internacionais e de aproximação de comunidades científicas de países que, embora vizinhos ou irmãos de continente, pouco sabem um do outro no campo da CT&I. ‘Quem sabe, em breve, a Rede não terá sido o ponto de partida para pesquisadores colombianos e brasileiros trabalharem juntos em processos de melhoria da produtividade de café, ou chilenos e argentinos formarem uma rede para estudar glaciais, ou cubanos e brasileiros procurarem novas vacinas para doenças tropicais, ou ainda venezuelanos e brasileiros trabalharem unidos em pesquisas de exploração de petróleo. Quem participa da Rede ScienTI vem com o sentimento de que juntos os latino-americanos poderiam resolver mais rapidamente seus problemas. Para isso, é preciso informação. Portanto, é fundamental nos conhecermos e a Rede ScienTI é um instrumento que pode viabilizar esse autoconhecimento continental’, completa. Até aqui, formalmente, utilizam os instrumentos de informação da Rede o Brasil e a Colômbia. Os próximos são Portugal, Chile, Equador, Panamá, Peru e México (este através do Instituto Nacional de Saúde Pública).

 

Fonte:

http://www.revistanexus.com.br/idnova2.php?not=10

http://www.eps.ufsc.br/~pacheco/

acesso em abril de 2003

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=11395

acesso em fevereiro de 2004

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