O controle biológico de pragas é um conceito antigo e bem estabelecido sendo que os antigos Chineses usavam um tipo de formigas, em celeiros para combater insetos destrutivos de grãos armazenados. Até o desenvolvimento de pesticidas químicos, o controle biológico, primariamente através de práticas culturais, foi o único método de proteção de culturas agrícolas. No Brasil, o mercado para bioprodutos é muito promissor, pois ocorrem cerca de quinhentas pragas de importância econômica. Existem cerca de 65 bioprodutos já desenvolvidos pelas indústrias, a partir de Bacillus thuringiensis, em diversas regiões do mundo, sendo apenas quatro, desenvolvidos por micro indústrias brasileiras. Neste trabalho se apresentam estudos realizados para produção de um biopesticida de Bacillus thuringiensis, em ambos os processos de fermentação, submersa e semi-sólida. Nesta, usando quirela de milho e bagaço de cana como substrato fermentativo e na fermentação submersa usando sangue de aves como substrato. Também se propõe, para a fermentação semi sólida, o uso de um reator alternativo, para possibilitar o uso em pequenas propriedades ou desenvolvê-lo em pequenas empresas. Os resultados obtidos demonstram a viabilidade de uso desses substratos, processos e do biorreator estudado.
O controle microbiano de insetos pragas ou vetores, iniciou-se em 1945, nos Estados Unidos da América e utiliza microrganismos patogênicos isolados de insetos/vetores doentes durante epidemias/epizootias, que ocorrem naturalmente. Estes microrganismos produzem certas toxinas (esporos, células ou outros metabolitos) durante seu desenvolvimento e estas apresentam algumas atividades entomopatogênicas. Pesticidas microbianos são formulações que contém os esporos, células vegetativas ou algum metabolito do desenvolvimento dos microrganismos patogênicos e que mantém a característica de entomopatogenicidade. O desenvolvimento de Bacillus thuringiensis, um inseticida biológico, inócuo a vertebrados, peixes, flora, etc foi descoberta em 1902 por Ishiwata no Japão em 1902. A redescoberta deu-se em 1915 em Thuringia, na Alemanha por Berliner. Nos setenta anos que se seguiram à descoberta do Bacillus thuringiensis no início de 1900, ou seja 1902, no Japão e 1911 na Alemanha, houve relativamente pouca atenção voltada a esse micro organismo. Passados noventa anos, está sendo estudado por cientistas e pesquisadores das mais variadas áreas do conhecimento, tendo se realizado na década de noventa muitos eventos específicos a respeito do Bacillus thuringiensis (Oxford/Inglaterra, Cairo/Egito, Córdoba/Espanha, Montpelier/França, etc.)
Na década de 50 tanto os Estados Unidos quanto a França já produziam acima de 100 toneladas/ano desse importante inseticida biológico. No Brasil as primeiras aplicações do produto importado datam de 1960. No programa de bioengenharia no curso de pós graduação em engenharia de alimentos houve o interesse em se desenvolver estudos de produção por fermentação submersa desse tipo de inseticida, utilizando-se das facilidades existentes no departamento de Engenharia de Alimentos. Seguiu-se uma tese de doutorado e uma de livre docência defendidas em 1976 e 1981 respectivamente sendo que ambas propiciaram a geração de processos de desenvolvimento de produtos, processos estes patenteáveis no Brasil. Esse tipo de bioinseticida também é usado no Brasil no controle de pragas da agricultura, como insetos da ordem lepidoptera que na fase jovem são lagartas tremendamente vorazes, causadoras de devastações na folhagem com enormes perdas na produção. Dentre esses vegetais suscetíveis estão o algodão, soja, muitas frutíferas, hortículas e florestas. Cerca de 150 variedades de insetos são suscetíveis ao bacillus thuringiensis e nos EUA há recomendação para o emprego do inseticida biológico até mesmo para o tabaco.
As formulações de B. thuringiensis são os produtos biológicos mais vendidos em todo o mundo representando cerca de 90 % do faturamento com esses produtos. O seu emprego destina-se principalmente para o controle de lagartas, pragas florestais (30 milhões de dólares) e vetores representados por pernilongos e borrachudos. O custo para o tratamento de um hectare de cultura varia de US$ 7,5 a 15. Para o tratamento visando o controle de pernilongos, o custo envolvendo aplicação de B. thuringiensis var. israelenses pode chegar a US$ 67 o hectare. O mercado potencial para Bacillus thuringiensis deve crescer 10% ao ano e atingir cerca de US$ 150 milhões no ano 2000. Existem pesquisadores que acreditam em valores entre 300 a 750 milhões de dólares. No Brasil, o mercado para esses produtos é também muito promissor, pois ocorrem cerca de quinhentas pragas de importância econômica. Existem cerca de 65 produtos já desenvolvidos pelas indústrias, a partir de Bacillus thuringiensis, em diversas regiões do mundo, sendo 4 desenvolvidos por micro indústrias brasileiras.
No Brasil, iniciaram-se na Unicamp em 1970, estudos de produção de duas variedades de Bacillus thuringiensis, por fermentação submersa, culminando com uma tese de Mestrado em 1973. A continuidade levou a uma tese de Doutorado e depósito de uma patente de processo. Estudos posteriores implantaram o processo de fermentação semi sólida (10), usando resíduos particulados, farinhas, farelos, bagaço de cana de açúcar, quirela de milho, quirela de arroz, dentre outros resíduos da Agro indústria. Águas residuárias de agroindústrias e da pecuária, sangue de aves, como principal substrato fermentativo, também foram estudados como substrato, com a finalidade de obtenção de um biopesticida para uso contra pragas da Saúde Pública. Neste trabalho se apresentam estudos realizados em ambos os processos, fermentação semi sólida usando quirela de milho e bagaço de cana como substrato fermentativo e fermentação submersa usando sangue de aves como substrato. Também se propõe, para a fermentação semi sólida, o uso de um reator alternativo, para possibilitar o uso em pequenas propriedades ou desenvolvê-lo em pequenas empresas.
Estudou-se o desenvolvimento de duas variedades do microrganismo, Bacillus thuringiensis thuringiensis, Btt e Bacillus thuringiensis israelensis Bti, comparando sua produção com a realizada em substratos já reconhecidos. O processo submerso foi desenvolvido em agitador rotatório, sendo as variáveis do processo fermentativo, pH inicial, temperatura , agitação e aeração respectivamente 7,3; 30 o C; 150 rpm e a relação 1/5 entre volume de meio de cultura para volume nominal de frasco (50 ml/250 ml). Foram estudados substratos compostos com sangue de abatedouros de aves e de suínos. Os resultados obtidos tanto na fermentação submersa, como na fermentação semi sólida, permitiram concluir que na fermentação semi sólida o binômio bagaço/quirela de milho e na fermentação submersa o sangue de aves, por permitirem bom crescimento e esporulação, e porque constituem resíduos abundantes e poluentes, podem ser utilizados com vantagens tecnológicas e econômicas para a produção de biopesticidas de Bacillus thuringiensis.
Foram desenvolvidos estudos de produção do inseticida bacteriano testando-se diferentes formulações de meios de cultura e utilizando-se subprodutos da agroindústria com a finalidade de reduzir custos de matéria prima. Determinaram-se os parâmetros e variáveis do processo fermentativo, passando-se a produzi-lo em condições satisfatórias, tendo-se realizado inclusive bioensaios com insetos, para verificar sua atuação entomopatogênica. A patente PI 7608688 resume-se em um processo de fermentação submersa para produção de um inseticida bacteriano que compreende uma nova técnica em relação ao controle químico dos insetos por soluções visando o controle microbiano de insetos. A patente foi concedida em 1984. Na continuidade das pesquisas observou-se que o micro organismo produzia outras toxinas além daquela à qual os insetos lepidópteros eram suscetíveis. Enquanto esta toxina era constituída de um complexo esporo cristal sendo ambos esporo e cristal tóxicos, que se formavam no interior da célula microbiana extra celular formava-se no sobrenadante da cultura uma exotoxina termo estável à qual eram suscetíveis os insetos da ordem dos dípterois, ou seja, moscas, mosquitos, muriçocas, etc.
A OMS vem patrocinando estudos de aplicação desta toxina à erradicação do mosquito causador da dengue, dentre outros estudos. A Secretaria de Saúde e Meio Ambiente do Rio Grande do Sul vem desde 1980 controlando dipteros-pragas da região, com o emprego de inseticida biológico importado. Outros Estados vem aplicando a toxina termoestável, importada. A segunda patente refere-se a processo de produção de toxina termoestável de bacillus thuringiensis, ou beta exotoxina de bacillus thuringiensis, que é ativa especialmente no controle de dípteros tais como chysomya sp, musca domestica e ceratitis capitata, causadores de graves danos à agricultura e à saúde. Apresenta ainda algumas das condições do processo, desde a formulação do meio da cultura, pré-fermentação, inoculação, condições de fermentação e esterilização do fermentado pós processamento. As patentes foram depositadas em 1976 e 1985 sendo que esta última foi detentora do Prêmio Governador do Estado, tendo concorrido no XIII Concurso Nacional do Invento Brasileiro promovido pelo SEDAE de São Paulo.
A importação desses equipamentos via de regra acarreta a necessidade de importação de uma tecnologia a eles acoplada, a legislação brasileira à época ainda não se adequara e o registro de um bioinseticida biológico segue os mesmos trâmites daquele de um inseticida químico. Foi formado um comitê de especialistas para estabelecer a legislação adequada, porém o Ministério da Agricultura não baixou portaria reconhecendo os componentes do grupo, nem criando um grupo de trabalho específico, as instituições interessadas na patente não militavam na área de fermentações e necessitavam inclusive treinar seus recursos humanos para executarem adequadamente o processo produtivo. Apenas indústrias brasileiras de pequeno porte estiveram interessadas e seu interesse repousava na produção de um volume relativamente pequeno face a demanda nacional. Não houve interesse dos inventores em oferecer a patente a multinacionais, o volume a ser produzido deveria ser compatível com a demanda, no mínimo do Brasil. Uma indústria argentina conheceu as linhas do processo e se interessou pela transferência, porém somente transferir a uma indústria estrangeira na época não era conveniente, pois para os inventores o interesse nacional se sobrepunha, empresas instaladas no país, na última década, atravessaram sérias dificuldades financeiras, sendo que algumas delas não se mantiveram ativas.
Com vistas á solução das dificuldades encontradas buscando avanços no tocante ao processo produtivo e à transferência de tecnologia de bioinseticidas foram desenvolvidas sete teses de mestrado, doutorado e livre docência. As pesquisas não se restringiram à fermentação submersa, tendo se estudado também a fermentação contínua. Estudaram-se não apenas o processo em meio líquido, mas também o processo em semi sólido visando um processo mais econômico e factível de ser realizado em qualquer região do Brasil, utilizando-se matéria prima regional, de baixo custo, existente em abundância. Esses processos tecnologicamente mais simples, também propiciam o aproveitamento de mão de obra não qualificada, representando um ganho social.
Fonte: http://www.cepis.org.pe/bvsaidis/saneab/vii-003.pdf
acesso em março de 2003
Congresso Internacional de Transferência de Tecnologia, Dificuldades de implantação de patentes de biotecnologia: um caso brasileiro, de Iracema de Oliveira Moraes