Para ex-presidente da Singularity University, País tem um mercadode empreendedorismo ‘fantástico’
Com gestos calmos e voz mansa, Salim Ismail mostra, em poucas palavras, o motivo de ser uma das referências no imprevisível mundo da inovação. Indiano criado no Canadá, Ismail, de 51 anos, já foi dono de uma startup vendida para o Google por alguns milhões de dólares e vice-presidente do Yahoo. Seu maior feito, porém, é ter sido o primeiro presidente executivo da Singularity University, instituição referência em inovação e tecnologia sediada no câmpus da Nasa no Vale do Silício (ler mais ao lado).
Para o empresário, que atualmente é embaixador da Singularity e roda o mundo apresentando o programa da instituição, o Brasil pode até liderar a inovação mundial em breve. Em visita ao País para dar uma palestra, (no final de 2016), Ismail falou ao Estado sobre educação, Donald Trump e tecnologias do futuro. Questionado sobre o mundo daqui a 50 anos, ele foi enfático: “Não estamos nem um pouco preparados para todas essas mudanças”.
O Brasil é um dos países com mais alunos nos cursos da Singularity. Por quê?
Os brasileiros são loucos. Este é o primeiro ponto (risos). Vocês são abertos para novas ideias. Alguns países têm pessoas de mentes fechadas: tivemos poucos ingleses, franceses e alemães na Singularity. Mas temos muitos espanhóis e italianos, brasileiros. Há algo na cultura latino-americana que faz com que as pessoas sejam mais abertas ao empreendedorismo.
O sr. tem algum palpite de por que isso acontece?
É só olhar os problemas que os brasileiros enfrentam em áreas como saúde, educação, corrupção. Isso cria um microcosmo com proporções globais. Se você conseguir resolver o problema da corrupção aqui, você consegue resolver em qualquer lugar. O mesmo para problemas financeiros. O Brasil é um bom lugar para testar novas tecnologias. A realidade do País ajuda a criar oportunidades, e em uma inovação escalável, que pode ser levada para outros países.
Se o empreendedorismo pode resolver tantos problemas, por que ainda não vemos tantas grandes mudanças nas cidades?
O grande problema é que a maioria das políticas públicas é reativa – as cidades só se “defendem”. Temos de criar políticas proativas. Quando uma startup surge com algo disruptivo, falta estrutura regulatória. Pense em drones: existem há anos, mas os EUA ainda não sabem como lidar com o assunto. Na Singularity, nós pensamos em como resolver problemas – e quais questões legais estão envolvidas. De mente aberta, podemos fazer com que governos arrisquem e órgãos públicos inovem.
Como o sr. vê o Brasil?
Somos muito otimistas. O mercado de empreendedorismo daqui é fantástico, tem características interessantes. Vocês têm larga escala de inovação. Sou muito pessimista com a Europa e com os EUA nos próximos 5 anos. Eles estão parados em termos de inovação. Por isso, creio que o Brasil pode liderar a inovação no mundo. Colocar novas estruturas neste setor.
O Brasil tem desempenho ruim em rankings globais de ensino. A educação no País não precisa mudar para isso acontecer?
A educação precisa ser repensada em todo o mundo. Não existe sentido em educar linearmente uma pessoa até os 20 anos – especialmente se ela pode pesquisar as mesmas coisas na internet. É ultrapassado. Precisamos de um novo processo que torne professores e alunos parceiros do conhecimento pela vida.
Como o sr. prevê o governo de Donald Trump? Ele não vai atrapalhar o ritmo global da inovação?
Não, de jeito nenhum. George W. Bush, por motivos religiosos, interrompeu o financiamento federal de inovação. Só que toda a pesquisa da China, do Canadá, da Austrália, continuou no mesmo ritmo. Os Estados Unidos, então, acabaram ficando para trás. Se Trump fizer o mesmo que Bush, a inovação simplesmente vai aparecer em outro lugar, enquanto a economia dos EUA vai ficar para trás. Outros países vão se beneficiar disso.
No mundo de hoje, tem alguém que você admira?
Admiro a comunidade do bitcoin. São pessoas jovens, de 20 ou 30 anos, mas que pensam de um jeito diferente. Eles conseguiram pensar em um jeito de driblar os bancos centrais, instituições rígidas com as políticas monetárias! É incrível ver uma realização como essa.
Qual tecnologia está prestes a mudar a nossa vida?
É muito difícil falar isso. Temos mais de 20 campos avançando hoje: biotecnologia, bitcoin, energia solar, carros autônomos, drones… a lista é grande. Para mim, o bitcoin é a inovação mais imediata. O setor financeiro vai passar por uma forte disrupção por conta das fintechs. O entrave pode ser a regulação dos países, fazendo com que a transformação demore mais do que desejamos.
Como será a vida em 5 anos?
Não teremos mais carros a gasolina. A maior parte dos carros serão elétricos, com bateria. Também teremos dominado a energia solar, em termos de captação e armazenamento. Estamos perto de um colapso no mercado de energia em todo o mundo. Precisamos de uma solução em todas as áreas.
E em 50 anos?
Não tenho ideia (risos). Serão muitas transformações até lá.
Estamos preparados para elas?
De jeito nenhum. Não estamos nem um pouco preparados para todas essas mudanças. Temos muitos grupos que querem que nós voltemos para a Idade Média. Nada está pronto para o que está vindo. Nem nossas instituições, nossa sociedade, nossas empresas. Mas o que está vindo não pode ser parado. Temos de mudar o que estamos fazendo para nos prepararmos para este novo mundo.
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