As células sangüíneas já podem ser produzidas em laboratório. Uma equipe de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenada pela biofísica Eliana Abdelhay, conseguiu obter hemácias, leucócitos e plaquetas a partir de células-tronco de embriões de camundongos.
Células-tronco são células não especializadas das quais se originam todas as outras que constituem um organismo. No embrião recém-formado, essas células são chamadas totipotentes e podem evoluir para qualquer tipo de tecido. Nos adultos, elas já possuem algum tipo de diferenciação e se chamam pluripotentes. Assim, os hemocitoblastos (células-tronco pluripotentes da medula) são os precursores das células sangüíneas mais maduras: hemácias, leucócitos e plaquetas, que constituem de 40 a 50% do volume do sangue. O restante do líquido sangüíneo – o chamado plasma – é um composto aquoso de proteínas, sais inorgânicos e substâncias orgânicas como glicose, vitaminas e hormônios.
O processo de obtenção das células diferenciadas se divide em três etapas: primeiro, as células-tronco totipotentes do camundongo são cultivadas sobre uma camada de fibroblastos embrionários, que faz com que elas proliferem continuamente, ainda que não se diferenciem a princípio. Depois, elas são separadas dos fibroblastos, o que leva à origem de corpos embriônicos (colônias celulares que formariam os tecidos embrionários). Sete dias depois, esses corpos são colocados em culturas que estimulam a evolução das células-tronco para as células do sangue.
Economicamente viável e de grande aplicação prática, o processo de produção em laboratório de todos os tipos de células sanguíneas vermelhas (transportadoras de oxigênio), brancas (de defesa) e plaquetas (responsáveis pela coagulação) só não pode ser desenvolvido em larga escala porque envolve uma questão ética intensamente discutida no mundo inteiro: o cultivo de células-tronco de embriões humanos é proibido não só no Brasil, como no resto do planeta. Hoje, a única exceção é a Inglaterra, que obteve licença para trabalhar com células-tronco de seres humanos e, ainda assim, apenas até a fase anterior à sua implantação no útero, já que, a partir daí, a célula passa a ser considerada um embrião. E, para obter bons resultados, é fundamental que as células-tronco utilizadas sejam de embriões (capazes de formar qualquer tipo de tecido e de se reproduzirem com rapidez) e não de adultos (que formam apenas alguns tipos de tecidos e não se multiplicam em grandes quantidades).
Segundo Eliana, grupos de cientistas de todo o mundo estão envolvidos em projetos de produção de sangue em laboratório. O trabalho desenvolvido na UFRJ é pioneiro em dois fatores: “conseguimos alcançar a diferenciação máxima das células e, além disso, descobrimos como obter componentes sangüíneos em grande quantidade”. Embora o estudo tenha sido realizado com células de camundongos, Eliana explica que as células embrionárias humanas poderiam ser submetidas ao mesmo processo de produção, o que, no futuro, poderia acabar com o problema da carência de estoques em bancos de sangue.
Mas a pesquisa de Eliana ainda não foi concluída. O objetivo principal é explicar a ligação do gene MSX com as etapas de formação e desenvolvimento das células sangüíneas (processo chamado hematopoese). Para tanto, a equipe da cientista vai utilizar um camundongo transgênico, que não possui o gene. “O mais importante agora é conhecer cada componente da hematopoese para podermos controlá-la”, explica. “Queremos explicitar até que ponto esse gene age no controle da diferenciação celular.”
O trabalho desenvolvido tem inúmeras aplicações práticas, caso o cultivo de células-tronco embrionárias seja liberado _ sendo que as mais imediatas dizem respeito à possibilidade de se produzir sangue em quantidade suficiente para suprir a demanda, evitando desperdícios. A professora da UFRJ cita como exemplo um paciente com hemorragia. “Nesse caso, ele só precisaria receber plaquetas, dispensando os outros componentes do sangue. Mas hoje, para que um paciente receba uma bolsa de 500 ml só de plaquetas, são necessários de cinco a dez litros de sangue de doadores. Além de evitar o desperdício, graças à possibilidade de separar as células sanguíneas, outra vantagem é que o sangue artificial elimina o risco de contaminação por vírus”.
Fonte: http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n335.htm
http://www.ufrj.br/materia.php?cod=103
acesso em fevereiro de 2002