Na sala de João Augusto Conrado do Amaral Gurgel na sede da Gurgel Motores S/A, em Rio Claro, São Paulo, havia, entre troféus e diplomas expostos na parede, uma multa por excesso de velocidade. A notificação, motivo de orgulho na fábrica, foi obtida por um funcionário ao volante de um BR 800, flagrado a 126 km/h. Em vez de ser repreendido pelo dono, o dublê de piloto foi recebido com festa. Não era para menos: com um motor de 0,8 litro e dois cilindros e 650 quilos de peso total, o BR 800 era a realização do sonho do engenheiro e empresário que começou produzindo minicarros para crianças. Era o primeiro automóvel criado e desenvolvido no Brasil. Depois de fabricar vários utilitários, como Xavante, X-12, Tocantins e Carajás, entre outros que utilizavam mecânica VW, Gurgel colocava nas ruas um carro com conjunto mecânico próprio.
A odisséia começou bem antes do dia 7 de setembro de 1987, “dia da independência tecnológica brasileira”, de acordo com o próprio Gurgel. Naquele feriado o projeto Cena, “Carro Econômico Nacional”, ou Gurgel 280, foi apresentado ao público. No ano seguinte, já com o novo nome BR 800, chegava às mãos dos primeiros proprietários. Quem quisesse se habilitar a um deles, teria de comprar ações da companhia, como fizeram 8000 novos acionistas. O governo também fez sua parte, criando um incentivo fiscal: o IPI era mais baixo (5% contra os 25% ou mais para os outros carros) para o carrinho popular. Mas os momentos de glória que levaram até a cobrança de ágio terminaram quando, em 1990, o incentivo ao carro popular se estendeu a todos os carros com motores de até 1 litro. A Fiat lançou seu Uno Mille, que custava praticamente o mesmo que um Gurgel, e foi seguida pelas outras montadoras. Os novos concorrentes do BR 800 tinham melhor desempenho, acabamento e mais espaço. Nem é preciso dizer como a vida do pequeno Gurgel ficou difícil. Em janeiro de 1991 deixou de ser fabricado. Para enfrentar a competição, a Gurgel lançou o Supermini, em 1992.
Com desenho mais moderno, acabamento mais bem cuidado e linhas arredondadas, o novo carro ficou mais bonito e com melhor aerodinâmica. O maior entre-eixos contribuiu para aumentar a estabilidade e o espaço para os dois passageiros de trás. O motor de 36 cavalos era o original Gurgel Enertron com cilindros dispostos na horizontal e ignição eletrônica. Apenas teve o cabeçote redesenhado e as válvulas de admissão aumentadas, mudanças que renderam mais 4 cavalos. A carroceria, de poliéster reforçado com fibra de vidro, tinha garantia de 100000 quilômetros. Mas dizer que era inteiramente produzido aqui não seria correto, pois o câmbio era argentino, feito sob encomenda. O Supermini era mesmo um passo à frente em relação ao BR: o porta-malas ganhou tampa e os vidros, antes corrediços, passaram a ter movimento vertical. O painel, completo, tinha toca-fitas que levava a marca Gurgel.
A impressão de fragilidade que se tem ao andar no BR 800 não parece confirmada pela realidade: basta ver os Gurgel que continuam rodando mesmo com a precária assistência técnica remanescente. Algo muito distante dos planos originais do engenheiro Gurgel, que pretendia que postos da rede Petrobras revendessem peças de reposição para seus carros, fora dos grandes centros. Endividada e concordatária desde 1993, a Gurgel foi à falência no ano seguinte, antes mesmo de inaugurar a nova fábrica no Ceará, para a qual já havia adquirido da Citroën equipamentos de produção. Mas parte significativa de seu legado continua na ativa. A fábrica produziu mais de 25000 veículos no total.
Fonte: http://quatrorodas.abril.com.br/classicos/grandesbrasileiros/0704_supermini.shtml
acesso em novembro de 2005
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