A vacina anti-helmintico bivalente, cuja patente pertence à Fiocruz, é a primeira tentativa no mundo em se combater com eficácia o parasita Schistosoma mansoni, agente causador da enfermidade. Esta é uma doença tropical e que tem se alastrado de maneira marcante, de acordo com a professora Miriam. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que, em 1996, cerca de 200 milhões de pessoas em todo o mundo apresentavam a doença e que o número de mortes chegou a 20 mil. Desde 1972 a pesquisadora Miriam Tendler trabalha no desenvolvimento de uma vacina contra esquistossomose, desenvolvida pelo Instituto Butantã, de São Paulo, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, doença que afeta 10 milhões de brasileiros e 200 milhões de pessoas em todo o mundo. Segundo estimativas da própria pesquisadora, o projeto de vacina de esquistossomose consumiu durante todos esses anos em torno de 4 milhões de dólares.
A proteína SM 14, descoberta por Miriam, é a base da primeira vacina contra helmintos, os vermes causadores da esquistossomose e da fasciolose hepática, e foi um dos três antígenos (substâncias que estimulam a produção de anticorpos) selecionados pela Organização Mundial de Saúde para fazer parte dos testes de produção, estágio em que se desenvolve a vacina para possível comercialização. Esta é a primeira vez que o Brasil chega na seleção final de antígenos, o topo da competição biotecnológica. A OMS selecionou seis antígenos prioritários (os que têm mais possibilidades de resultar em uma vacina efetiva): quatro desenvolvidos nos Estados Unidos, um na França e o brasileiro. Desses, apenas três até agora obtiveram aprovação da organização para passar para a fase experimental, preparatória para a etapa de testes em humanos.
Em dezembro de 1993, Miriam chegou à molécula da proteína SM 14, um antígeno clonado do Schistosoma mansoni. Recombinado por meio da engenharia genética, a SM 14 estimula a produção de anticorpos que protegem o organismo contra o verme. A descoberta de que o mesmo antígeno funcionaria também contra o causador da fasciolose aconteceu quando a pesquisadora percebeu que nos dois helmintos a molécula adotava a mesma estrutura tridimensional. A SM 14 está patenteada e protegida em dez países
Uma das vantagens das vacinas produzidas com a técnica de DNA recombinante, usada no produto elaborado pela Fiocruz, consiste na inoculação no organismo de apenas uma molécula. As vacinas anteriores continham centenas de moléculas que nem sempre eram conhecidas pelos cientistas.
O processo permite a produção em larga escala. Testada em camundongos e coelhos, a vacina obteve entre 75 e 90% de eficácia. A Fiocruz se juntou numa parceria com o Instituto Butantã, que possui o certificado GMP (Good Manufactoring Practices), exigência da OMS, para que sejam feitos testes em seres humanos, dando assim prosseguimento ao desenvolvimento do projeto. Vencida essa etapa, a OMS aprovou a fase seguinte – a dos testes clínicos -, que vai contar com o apoio do Instituto Butantã, em São Paulo. “Primeiramente, a vacina deve ser testada no país onde foi desenvolvida, para depois a eficácia ser avaliada em outras áreas endêmicas”, explica Tendler. A vacina já teve a patente reconhecida em vários países, inclusive Estados Unidos, e também oferece proteção contra a fasciolose hepática, doença que ataca o gado. “Uma vacina seria o único meio de conseguir uma boa proteção a longo prazo contra o desenvolvimento da doença”, afirma Robert Bergquist. “Até hoje só se consegue controlar a doença com profilaxia, que nem sempre é possível. Então a vacina é uma solução importantíssima”, explica o médico Isaías Raw, diretor da Fundação Butantã. “Poderemos ter a primeira vacina contra parasitas do mundo”, diz Miriam, que espera ganhar a corrida tecnológica contra um grupo francês e dois americanos. Como pregam os novos tempos, um subproduto de sua pesquisa – uma vacina contra a faciolose, doença que atinge o gado – já foi negociado com um laboratório estrangeiro. A patente está em nome da Fiocruz, mas 33% dos royalties irão reverter para Miriam e sua equipe e outros 33% para sua unidade.
Miriam conta as dificuldades que enfrentou no início de sua pesquisa: “Quando comecei, em 1978, havia muita descrença. Praticamente ninguém pensava em vacina porque naquela época havia um boom de desenvolvimento de drogas. Eu nem podia dar o nome de pesquisa de vacina porque havia muito preconceito. Chamava de estudo de antígenos. Quem denominou a pesquisa de vacina foi a Organização Mundial de Saúde (OMS), que deu todo o crédito ao projeto” . Nestes anos de pesquisa a pesquisadora teve inclusive de enfrentar problemas de violação de propriedade industrial. Pesquisadores dos EUA que vieram fazer um treinamento no laboratório dela, tiveram acesso a várias informações, depois retornaram para o país deles e depositaram um pedido de patente acerca requerendo proteção exatamente para o resultado dos estudos que ela estava desenvolvendo com extrato salino de S. mansoni. Não lhes foi exigida a assinatura de qualquer termo de confidencialidade ou algo similar.
A sorte é que como lá vale a regra do primeiro a inventar foi possível entrar com um processo de interferência, que foi bem sucedido a favor da Miriam. O processo foi complicado e não foi barato, porém foi possível provar através de anotações nos chamados cadernos de laboratório, que todo pesquisador deve ter em seu laboratório de forma bastante organizada com datas, resultados dos experimentos e etc e, através de outras informações, como o seu reconhecimento no campo das pesquisas envolvendo S. mansoni, bem como pelo escopo do projeto desenvolvido pelos supostos inventores no laboratório dela, sob sua supervisão. Miriam Tendler comenta: “Há 12 anos os dados foram roubados por um grupo de brasileiros e americanos, que pediram a patente. Tentei convencer a Fiocruz a brigar na Justiça, mas acabei enfrentando sozinha o caso na Justiça americana. Paguei do meu bolso o advogado e anulamos a patente deles”.
Fonte: http://www.uol.com.br/premioclaudia/98/m_mulherano.html
http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n198.htm
http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n062.htm
acesso em dezembro de 2001
http://epoca.globo.com/edic/19990329/ciencia1.htm
acesso em julho de 2002
http://www.biotecnologia.com.br/bio02/hp_10.asp
http://www.radiobras.gov.br/ct/1998/materia_241298_6.htm
acesso em novembro de 2003
Agradeço a Ana Cristina Müller ([email protected]) por fornecer algumas informações em novembro de 2003 sobre a ação judicial nos EUA movida por Miriam Tendler